No Rio de Janeiro, representantes da sociedade civil apresentam recomendações diretamente aos sherpas do BRICS, em abril deste ano. Foto: Rafael Lima / BRICS Brasil

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Esta semana, nos dias 4 e 5 de julho, a cidade do Rio de Janeiro se prepara para a primeira reunião do Conselho Popular do BRICS, um marco na consolidação da participação da sociedade organizada nas discussões do bloco. A reunião antecede a Cúpula de Líderes do BRICS, e é resultado de um processo de articulação que visa dar voz aos movimentos populares, estudantes, professores e ONGs nas pautas estratégicas do agrupamento.

A reunião do Conselho Popular do BRICS no Rio de Janeiro tem como objetivo principal ressaltar a importância da participação popular no âmbito do BRICS e dar visibilidade ao Conselho como um espaço de construção de propostas alternativas. “O BRICS é muito mais do que um governo ou as ideologias dos governos. O BRICS tem que ser um espaço de articulação de países, e países entendido a nação. Portanto, extrapola o governo, deve incluir parlamentos, academia, universidades, movimentos sindicais e, claro, nós dos movimentos populares”, afirmou João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em debate sobre o Conselho Popular.

Oficialmente o BRICS é um bloco que reúne representantes dos 11 países membros permanentes, como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia. A partir de janeiro de 2025, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia, Nigéria e Uzbequistão tornaram-se oficialmente países parceiros do Brics.

A iniciativa de criar um conselho da sociedade civil, batizado de “Conselho Popular”, surgiu para enfatizar a relevância dos movimentos sociais. Assim, o Conselho foi oficializado em 2024, durante a Cúpula de Kazan, na Rússia. A partir de então, cada país membro do BRICS deu início ao processo de formação de seu respectivo conselho.

A presidência brasileira do BRICS em 2025 impulsionou o debate em torno do bloco, tornando-o central na política externa do país neste primeiro semestre. Essa conjuntura se mostrou oportuna para a articulação de um Fórum de debates, que reuniu centenas de pessoas engajadas na produção de um documento robusto com propostas e recomendações.

O encontro inédito faz parte da estratégia da presidência brasileira, que elegeu a participação social como uma de suas prioridades. Foto: Rafael Lima / BRICS Brasil

O documento, de cerca de 80 páginas, abrange temas cruciais como questões ambientais e climáticas, finanças, educação, cultura e soberania digital, frutos das discussões de sete Grupos de Trabalho (GTs) formados no Fórum Popular. As propostas foram apresentadas em abril, durante uma sessão especial da segunda reunião de Sherpas no Rio de Janeiro, e posteriormente validadas em diálogo internacional com representantes dos demais países.

“A reunião do Conselho Popular do BRICS, no Rio de Janeiro tem como objetivo principal demarcar a importância da participação popular no âmbito do BRICS e dar visibilidade ao Conselho como espaço de construção de propostas alternativas para enfrentar as diferentes crises que vivemos atualmente e propor saídas que respeitem a autonomia dos povos do Sul Global”, enfatiza Judite Santos, do MST.

Os/as sherpas são os representantes designados pelos chefes de estado de cada países membro para liderar as negociações e preparar as reuniões e cúpulas do grupo. Possuem a função de negociadores-chefes, construindo as agendas, buscando consensos e encaminhando as decisões para os líderes do BRICS.

Participação popular e diálogos estratégicos

Outro ponto importante é a relevância do BRICS para o cenário global que se estende à produção agroecológica e à segurança alimentar. Os países membros são líderes na produção de grãos, carnes, fertilizantes e fibras, respondendo por cerca de 70% da produção agrícola global. Além disso, concentram mais da metade da agricultura familiar do planeta, que geram aproximadamente 80% do valor da produção global de alimentos. Essa posição estratégica confere ao bloco uma responsabilidade ainda maior na construção de sistemas alimentares sustentáveis e equitativos, pautas que o Conselho Popular do BRICS busca integrar nas discussões e propostas apresentadas aos líderes.

Além disso, o encontro será um espaço para planejar estrategicamente o papel do Conselho Popular nos próximos anos, buscando sua consolidação em todos os países membros e o engajamento de setores populares da sociedade em cada presidência do BRICS.

Dos 11 membros oficiais do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos – o Conselho viabilizou a sessão especial no Rio de Janeiro, com a participação de grupos de trabalho, movimentos populares e representantes internacionais da Rússia, África do Sul, Etiópia, Indonésia e Emirados Árabes.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes da República Popular da China, Xi Jinping e da África do Sul, Cyril Ramaphosa; o primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi; e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, na Cúpula de Líderes do BRICS 2023, em Joanesburgo. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Os três participantes brasileiros oficiais do Conselho são Fabiano Mielniczuk, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Membro Pesquisador do NEBRICS; Rita Coitinho, Secretária-Geral do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ), e Marco Fernandes, Pesquisador no Instituto de Pesquisa Social Tricontinental e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que irá contribuir com a visão dos movimentos populares e a análise da economia internacional. A participação desses representantes brasileiros demonstra o compromisso do país em fortalecer o Conselho Popular e garantir que as vozes da sociedade civil sejam ouvidas.

Análise geopolítica e lançamento do documento final

De acordo com Judite, o debate durante a reunião no Rio de Janeiro será dividido em três momentos. O primeiro focará na conjuntura e geopolítica mundial, analisando o cenário atual de escalada de guerras e genocídio e o papel do imperialismo estadunidense.

“Para nós será um momento importante e simbólico, pois será a primeira vez na história do BRICS que uma cúpula de líderes escuta a voz dos movimentos populares”, afirma Judite.

O segundo momento será dedicado à apresentação dos resultados do trabalho do Fórum de debates, com cada GT apresentando uma síntese de suas propostas. Por fim, uma sessão remota permitirá ouvir a opinião de todos os países membros sobre a conjuntura e a projeção do Conselho para os anos seguintes. O encontro será encerrado na tarde do dia 5 de julho com o lançamento público do documento final.

Durante a Cúpula de Líderes, o Conselho Popular participará de uma sessão especial dedicada à escuta da população, ocasião em que também estarão presentes o Conselho Empresarial e a Aliança Empresarial de Mulheres do BRICS. As principais ideias debatidas no Fórum Popular serão transmitidas aos líderes dos países do bloco.

Participação social e novas perspectivas

O documento final será utilizado como subsídio para os governos e para que a sociedade em geral conheça a opinião do Conselho Popular do BRICS sobre temas como finanças, educação, soberania digital, cultura, questão ambiental, paz e soberania dos povos. Mais do que o documento em si, o Conselho busca destacar o processo participativo e representativo que lhe confere legitimidade para dialogar com os governos e pautar a participação popular em debates estratégicos.

“Não temos nenhuma ilusão de que vamos influenciar a decisão dos líderes acerca dos temas que estarão na mesa, mas, sem dúvida, a presença do Conselho na reunião demarca uma abertura ao diálogo entre os espaços oficiais e os setores populares”, comenta Judite Santos.

Arte: Divulgação

A presidência brasileira, ao abrir espaço para a participação da sociedade como um todo nos processos decisórios, deixa um legado importante para os demais países. Para Judite, a reunião do Rio de Janeiro abrirá precedente para a continuidade da participação social no âmbito do BRICS, uma iniciativa que tem ganhado relevância e atraído diversos segmentos interessados em participar.

A expectativa é que o Conselho ganhe maior legitimidade como parte do BRICS e receba apoio para a realização de seu trabalho, dando continuidade às ações iniciadas na presidência russa e que estão sendo realizadas no Brasil. A importância do BRICS no contexto atual vai além das pautas econômicas, configurando-se como uma alternativa contra-hegemônica na nova ordem global.

Neste sentido, os debates sobre os BRICS, na sua centralidade, devem promover a construção de uma nova sociabilidade para enfrentar a crise civilizatória e, para isso, a participação popular é vista como um passo fundamental para o futuro do Conselho e para que o bloco realmente represente os anseios de seus povos.

Agenda

A programação do Encontro reflete os temas abordados pelo Conselho Popular, começando na sexta-feira, 4 de julho, com uma mesa de abertura que reúne figuras proeminentes como o Embaixador Celso Amorim e representantes de movimentos sociais e instituições. A seguir, a I Sessão focará na conjuntura internacional, discutindo “Os BRICS e a Ordem Multipolar emergente”, com a participação de especialistas e membros dos conselhos internacionais. A tarde será dedicada ao debate sobre “os BRICS e a economia internacional”, contando com a experiência de Paulo Nogueira Batista Jr. e representantes do Ministério da Fazenda. O dia se encerra com a apresentação remota das posições dos Conselheiros de diversos países do BRICS, coordenada por Judite Santos.

No sábado, 5 de julho, a programação se aprofunda nos resultados dos trabalhos do Fórum Civil Popular dos BRICS. A manhã será marcada pela apresentação dos relatórios dos GTs sobre Saúde, Educação, Ecologia e Cultura, coordenada por Aliona (BRICS Civil Council – Rússia) e Rita Coitinho. A segunda parte da manhã trará as apresentações sobre Finanças, Economia Digital, Institucionalidade e Paz, sob a coordenação do Dr. Hoda (BRICS Civil Council – Emirados Árabes Unidos) e Fabiano Mielniczuk. Essa estrutura programática demonstra o compromisso do Conselho Popular em trazer para o debate oficial do BRICS uma visão multifacetada e progressista, consolidando a voz da sociedade civil nas discussões que moldarão a nova ordem global e os desafios civilizatórios contemporâneos, conforme destacado ao longo do texto.

*Editado por Solange Engelmann

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Last Update: 30/06/2025