Conhecimento na era “quem tem pressa”

por Francisco Fernandes Ladeira

No presente contexto, há um forte consenso sobre nosso cotidiano estar cada vez mais corrido. As vinte e quatro diárias parecem insuficientes para tantos afazeres: trabalho, vida social, família e, é claro, checar as principais novidades na internet (cada vez mais efêmeras). Estamos sempre com pressa. Bauman chamou essa realidade contemporânea de “modernidade líquida”.

Sentimos uma grande necessidade (ou seria pressão?) de estarmos atualizados sobre tudo. O medo/receio de haver alguma novidade bombando nas redes sociais, e não estarmos devidamente a par, bem como a curiosidade em saber o que nossos amigos virtuais estão fazendo, vestindo, comendo ou sentindo, tem até nome: síndrome de F.o.M.O (Fear of missing out).

De alguma forma, somos induzidos a ter uma opinião sobre tudo, os mais variados assuntos. Só para ficarmos nas temáticas do momento (que, na próxima semana, seguindo os preceitos da modernidade líquida, já serão datadas), temos que nos posicionar sobre o uniforme vermelho da seleção brasileira de futebol, o pastor mirim proibido de pregar e a eleição de Míriam Leitão para a Academia Brasileira de Letras.

Costumo dizer que temos uma geração de leitores de posts. Geralmente, o indivíduo lê o título de uma publicação nas redes sociais, não lê o conteúdo, tampouco reflete sobre, mas já emite sua opinião.

Para solucionar essa necessidade existencial do Homo interneticus, surgiram as coleções de livro “para quem tem pressa”. Desse modo, o mercado editorial é inundado de títulos como “História do Mundo para quem tem pressa”, “História do Universo para quem tem pressa”, “História da Filosofia para quem tem pressa” e “História da Ciência para quem tem pressa”.

De fato, podemos ter pressa para ir ao trabalho, à universidade, acessar às redes sociais e saber das novidades do momento (que já podem estar obsoletas, se demorarmos algumas horas). Mas, se há algo que não combina com a pressa, é o conhecimento.

Imagine, compreender, em 200 páginas e em um tempo curto, toda a complexidade presente no universo, na ciência, na filosofia e na história humana. Evidentemente, “quem tem pressa” vai desenvolver um entendimento muito superficial.

Daí surgem os posicionamentos rasos que presenciamos diariamente nas redes sociais. Como diz o meme, são os “especialistas” em vacina, geopolítica, teoria da evolução e por aí vai. Assim são os “tudólogos”: experts na área de “tudologia”, aptos a dissertar (com “propriedade”) sobre qualquer tipo de assunto. Há também os sofomaníacos, sujeitos estúpidos que se consideram extremamente inteligentes. Inclusive, não aceitam, de forma alguma, opiniões contrárias ao que pensam.

É importante frisar que informação não é conhecimento. A simples aquisição de dados não leva, automaticamente, à aprendizagem. O ato de aprender não significa, simplesmente, memorizar informações, pois demanda engajamento e mobilização dos sujeitos em um longo processo hermenêutico. De acordo com a “Teoria da Aprendizagem Significativa”, formulada pelo psicólogo David Ausubel, a construção do conhecimento ocorre quando uma nova informação é assimilada e interage com o repertório de conhecimentos, potencialmente significativos, já existentes na estrutura cognitiva (denominados subsunçores) para, finalmente, constituir-se em um novo conhecimento.

Consequentemente, em tempos de sobrecarga cognitiva e enxurrada de estímulos, muitas pessoas não estão adquirindo a compreensão necessária, e a informação não está sendo processada nem associada a outras para gerar um entendimento mais profundo.

Também é irônico constatar que, antes do advento do Homo interneticus e sua “pressa”, havia uma coleção de livro chamada “primeiros passos”. Desse modo, não se oferecia ao leitor o “domínio sobre um conteúdo”, mas apenas uma introdução a determinada questão. Ele era incentivado a buscar outras fontes e se aprofundar. Obviamente, isso demanda um bom tempo e paciência.

Em síntese, o que menos precisamos, ao construir o conhecimento, é pressa.

Francisco Fernandes Ladeira é professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)

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Last Update: 05/05/2025