Ao comentar os bastidores da criação do programa do Governo Lula, Conhecimento Brasil, o diretor científico do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Olival Freire Jr., é categórico: “O Estado brasileiro, até então, ignorava a diáspora científica”. Em entrevista ao Portal Vermelho, o professor da Universidade Federal da Bahia explicou que foi apenas com o novo governo Lula, em 2023, que se reconheceu a existência de milhares de pesquisadores brasileiros atuando no exterior como um ativo estratégico — e não como um “problema administrativo”.
“O tratamento da diáspora científica brasileira passou a ser um problema do Estado brasileiro. O Estado fazia de conta que o problema não existia”, conta ele. Olival relata que muitos países enfrentaram problemas semelhantes e, ao invés de ignorá-los, tiraram proveito disso. Ele cita o caso notável da China, mas também da Argentina e da Índia.

Sem pesquisas de campo estruturadas, o diagnóstico veio de escutas ativas, reuniões com redes de cientistas no exterior e visitas feitas pela ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. “Identificamos três perfis: os que querem voltar, os que não querem voltar mas querem colaborar, e os que têm pendências jurídicas e desejam regularizar sua situação cooperando com a ciência brasileira”, detalhou Freire Jr.
A repatriação como política de Estado
O programa Conhecimento Brasil nasce com a ambição de ser mais do que uma resposta pontual: ele representa, segundo Freire Jr., “uma política estruturante de ciência e tecnologia”. São 599 projetos aprovados para repatriação, com aporte de R$ 604 milhões, viabilizados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A seleção contemplou pesquisadores que atuavam em instituições de ponta como Harvard, Oxford, Karlsruhe, Porto e Cambridge.
“O que oferecemos foi um programa robusto, equivalente a um salário inicial de professor federal, com duração de até cinco anos, auxílio-instalação, recursos para pesquisa e apoio familiar”, afirmou. Para ele, a adesão de quase 900 candidatos comprova que o Brasil passou a competir em pé de igualdade com ofertas internacionais, ao menos no que diz respeito à estrutura de pesquisa e condições de trabalho.
Colaboração sem fronteiras e redes de inovação
Além da repatriação direta, o programa se desdobra em outra frente poderosa: a criação de redes de colaboração internacional. Um segundo edital do Conhecimento Brasil recebeu 1.600 propostas e aprovou 640 projetos de parcerias entre pesquisadores no exterior e instituições brasileiras. Segundo Freire Jr., esse mecanismo se mostra fundamental para envolver cientistas que não desejam regressar ao país, mas estão dispostos a colaborar.
“Há um público que não foi repatriado, mas se engajou nesse processo de colaboração com o desenvolvimento científico do país. Nós transformamos uma obrigação — o retorno ou o ressarcimento da bolsa do Ciência Sem Fronteiras — em compromisso produtivo com a ciência nacional. E isso fez o número de propostas aprovadas subir de cinco ou sete por ano, para mais de cem”, destacou. Para ele, a portaria conjunta CAPES-CNPq aprovada em 2023 é um divisor de águas na relação entre o Brasil e sua diáspora acadêmica.
Para outros que não tinham pendências jurídicas, mas que não planejavam voltar e queriam colaborar, o atrativo foi o edital do Conhecimento Brasil, com recursos do FNDCT. Nele, equipes baseadas no Brasil colaboram com brasileiros no exterior. Esse edital recebeu cerca de 1.600 propostas para redes. “Isso mostra que havia 2.500 brasileiros qualificados no exterior querendo colaborar ativamente com o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil”.
Diversidade de áreas e atenção às regiões historicamente subfinanciadas
Um dos méritos do programa, segundo Freire Jr., é a abrangência nas áreas do conhecimento. “Estamos recebendo pesquisadores das engenharias, biotecnologia, ciências exatas, mas também das ciências humanas, sociais e até das artes. Não há exclusão”, frisou. Ele também celebrou o cumprimento — e superação — da meta de destinar 30% dos investimentos às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: 32% dos projetos de repatriação estão nessas localidades.
Universidades como a Federal da Paraíba e a Federal da Bahia, por exemplo, vão receber cerca de 15 novos pesquisadores cada uma. “É um aporte qualitativo e quantitativo que muda o ambiente de pesquisa de uma instituição do dia para a noite”, apontou o diretor científico.
Expectativas elevadas e próximos passos
As expectativas com o retorno desses pesquisadores são altas. Para Freire Jr., o impacto não se limita à produtividade científica. “Estamos promovendo o reencontro de talentos com suas origens, com redes locais, e contribuindo para transformar as condições estruturais da pesquisa no Brasil.”
Quanto ao futuro, o CNPq já planeja novas chamadas e ações específicas para fixar jovens doutores no país, evitando uma nova onda de evasão. “Estamos ampliando bolsas para retenção de talentos e garantindo apoio aos primeiros projetos dos recém-chegados”, explicou. O governo também planeja estender o programa para atrair pesquisadores estrangeiros dispostos a trabalhar no Brasil em ambiente de liberdade acadêmica.
A colaboração das empresas com o programa
O edital de repatriação envolvendo as empresas foi importante devido ao desafio da empregabilidade dos doutores. Enquanto na primeira linha de editais o pesquisador se candidata com o aceite de uma instituição brasileira de ensino ou de ciência e tecnologia — sendo ele o proponente da candidatura —, nessa linha de absorção pelas empresas quem se candidata é a empresa. “Entre as 599 propostas aprovadas, temos cerca de 100 pessoas jurídicas (PJs)”, distingue ele.
A empresa selecionada, que ganha o apoio para absorver um profissional desse tipo, é quem vai selecionar o profissional brasileiro no mundo. “Certamente, as que se candidataram já tinham em mente quem buscaria, mas nós não demandamos que apresentassem esses nomes. Demandamos que apresentassem o projeto do que esse profissional faria na empresa”.
Do Ciência Sem Fronteiras ao Conhecimento Brasil: um resgate
Freire Jr. considera o novo programa uma espécie de desdobramento maduro do antigo Ciência Sem Fronteiras. “Muitos bolsistas do programa anterior ficaram no exterior após a crise de 2015. Agora, estamos resgatando os frutos daquela política, que foi acertada ao qualificar brasileiros em centros de excelência mundo afora.”
Mais do que reverter um problema, o programa Conhecimento Brasil revela o potencial transformador da ciência quando apoiada por políticas públicas consistentes. Ao atrair cérebros de volta ao país e consolidar uma rede global de cooperação, o Brasil reafirma que desenvolvimento nacional passa, necessariamente, pelo conhecimento.