A noite do último domingo 28 revelou um misto de sensações não apenas na Venezuela, mas em todo o continente: ao mesmo tempo que o resultado das urnas indicava a reeleição de Nicolás Maduro, a carga de desconfiança sobre a lisura do pleito veio à tona por aqueles que duvidavam dos dados. Seriam legítimos os números divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral venezuelano, o CNE?

Com pouco mais de 80% das urnas apuradas, o órgão anunciou Maduro teria sido reeleito com 51,2% dos votos. O seu principal adversário, Edmundo González, por sua vez, teria ficado apenas com 44,2%.

Desde então, a instabilidade – uma marca da realidade social e política da Venezuela de hoje – se agravou no país e avançou sobre o continente. Enquanto Maduro decidiu expulsar os embaixadores dos países que questionaram o resultado – Chile e Argentina entre eles –, o Brasil vem colocando em teste a sua influência diplomática na região e o seu poder de mediação.

Na noite de terça-feira, um dos principais observadores internacionais do processo eleitoral na Venezuela, o Centro Carter, dos Estados Unidos, afirmou não ser possível “verificar ou corroborar” os resultados anunciados pelo CNE.

Para os que questionam o resultado, a solução para que a dúvida comece a ser resolvida, minimamente, passa pelo seguinte: é preciso divulgar as atas detalhadas das mesas de votação. Sem isso, é inviável o reconhecimento e mais problemas podem aparecer no horizonte venezuelano. Esse argumento, bancado pelos Estados Unidos, também foi acolhido pelo Itamaraty.

O único órgão que tem o poder para divulgar tais dados é o próprio CNE. Tecnicamente, ele não funciona nos mesmos termos do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro, mas age como instância máxima do sistema eleitoral venezuelano. 

Ainda assim, há dúvidas sobre o que, de fato, é o CNE. E sobre como ele é composto. Seria, no final das contas, um órgão dominado pelo chavismo ou teria, de fato, independência institucional?

O labirinto eleitoral

O CNE tem seus poderes definidos pela Constituição venezuelana, que consagra, ao menos formalmente, a sua autonomia. Ele surgiu com o objetivo de formar um regime democrático mais participativo, missão que o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, tentava destacar.

O órgão é composto por cinco membros, e a forma como esses integrantes eram e são distribuídos sempre foi objeto de disputa política. Com maior ou menor influência ao longo do tempo, o chavismo nunca deixou de ter maioria entre os membros que chancelam as regras eleitorais na Venezuela.

Para entender quem é quem no CNE venezuelano, é preciso voltar pouco no tempo. Mais precisamente, para abril de 2023, quando Tibisay Lucena, que chefiou o órgão por mais de 15 anos, faleceu. Com o país castigado por mais um capítulo da crise política, coube ao CNE mediar negociações entre o governo Maduro, a oposição e a comunidade internacional. 

A direção atual, eleita pela Assembleia Nacional, é composta por três membros chavistas e dois de oposição. O manda-chuva do órgão é o presidente Elvis Amoroso. Coube ele, por exemplo, anunciar o resultado do último domingo.

Histórico militante chavista, Amoroso foi um dos fundadores do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que é presidido por Maduro. Antes de chegar no CNE, foi deputado e, até 2023, presidia a Controladoria Geral da Venezuela.

Outros dois nomes importantes do chavismo no CNE são Carlos Quintero (vice-presidente) e Rosalba Gil Pacheco (presidente da Comissão de Registro Eleitoral). O primeiro já foi alvo de sanções dos Estados Unidos, em razão da sua ligação com supostas irregularidades eleitorais. Já Pacheco, que é advogada, atuou na militância do PSUV.

Juan Carlos Delpino e Jaime Nogal, que fecham a lista, são, respectivamente, membros da Comissão de Registro Civil e presidente da Comissão de Participação Política e Financiamento. Eles não têm relação com o grupo político de Maduro, tendo sido, no passado, mais próximos a diferentes forças de oposição na Venezuela.

E as atas?

Apesar da pressão internacional, o CNE ainda não se pronunciou sobre quando e como pretende divulgar as atas das mesas de votação.  

Segundo o órgão, a demora se deve a uma “agressão ao sistema de transmissão de dados que atrasou de maneira adversa a transmissão dos resultados dessas eleições presidenciais”. O órgão chegou a indicar, na madrugada da última segunda-feira 29, que divulgaria as atas “nas próximas horas”. Até agora, porém, nenhum outro detalhe foi divulgados.

Já Maduro se limitou a dizer ao Tribunal Supremo de Justiça que “está pronto para apresentar 100% das atas eleitorais” em posse de seu partido, e pediu que a Corte cobre os mesmo dos demais candidatos.

Com eleições automatizadas desde 2004, a Venezuela utiliza, ao mesmo tempo, urnas eletrônicas e urnas em papel. Depois que o eleitor realiza o voto no dispositivo eletrônico, ele deve depositar em um recipiente físico o comprovante da votação. Os comprovantes servem para uma eventual auditoria.

As atas servem para deixar registrados os resultados de todos os centros de votação. Na Venezuela, são cerca de 30 mil atas.

Por lei, a informação impressa deve ser registrada em uma ata eletrônica. Essa ata deve ser gravada em um arquivo, que tem que ser enviado ao CNE por meio de linha telefônica ou via satélite. 

A oposição, por sua vez, divulgou números indicando que teria vencido o pleito. Entretanto, mesmo os números dos representantes contrários a Maduro são, no momento, difíceis de serem comprovados ou rechaçados, já que não há referência oficial com os números do CNE ainda não divulgados. Enquanto isso, a pressão sobe a níveis poucas vezes antes visto na história recente da Venezuela.

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Última Atualização: 01/08/2024