O Congresso Nacional aprovou, nesta quinta-feira 13, um projeto de resolução que promete dar mais transparência às emendas parlamentares. A proposta, costurada pelas cúpulas da Câmara e do Senado em conjunto com o Supremo Tribunal Federal, não precisa ser sancionada por se tratar de um conjunto de regras internas do Legislativo.
Entre os deputados, 361 votaram favoravelmente à matéria e 33 foram contrários. No Senado, 64 endossaram o texto e três votaram contra. Era o único item na pauta da sessão conjunta desta quinta.
A regulamentação prevê a padronização das atas das reuniões das comissões e das bancadas, além da criação de planilhas com um padrão único sobre as verbas debatidas nos encontros. Os códigos das emendas e os números completos das notas de empenho também passam a ser exigidos.
As emendas parlamentares representam uma parte cada vez mais significativa do Orçamento da União. São recursos que deputados e senadores destinam a seus redutos eleitorais para a realização de obras e projetos, nem sempre baseando-se em critérios técnicos. No ano passado, o montante reservado para esses gastos foi de cerca de 52 bilhões de reais.
O texto aprovado em sessão conjunta, contudo, manteve a brecha que pode manter ocultos os reais padrinhos das emendas de comissão. A individualização das emendas foi uma das principais cobranças feitas pelo ministro do STF Flávio Dino na série de decisões que suspendeu o envio dos recursos federais a estados e municípios até a adoção de novas regras de transparência e rastreabilidade.
Atualmente, a forma como as verbas de comissão são indicadas impede o reconhecimento dos parlamentares. Nas plataformas de transparência, a emenda é registrada apenas como “RP-8 – emenda de comissão”, inviabilizando que cidadãos e órgãos de controle detectem qual congressista sugeriu a destinação do recurso.
O parecer do senador Eduardo Gomes (PL-TO) inicialmente definia que que propostas de indicações seriam analisadas primeiro de forma interna, nas bancadas partidárias. Neste modelo, caberia aos membros de determinada sigla aprovar as sugestões de emendas e enviá-las para aprovação final nas comissões.
Uma nova versão apresentada ao longo desta quinta permite que líderes e parlamentares indiquem as emendas. Mas, na ata a ser encaminhada aos colegiados com informações sobre os valores e os favorecidos, não há qualquer menção ao nome do parlamentar que solicitou o repasse.
Depois de aprovar as indicações acatadas, a comissão deverá enviar uma nova ata com os detalhes das emendas ao governo federal. No documento em questão há um campo previsto para indicar o congressista que pediu a verba, mas não está claro se o espaço deve ser preenchido em nome do verdadeiro padrinho ou do líder partidário que encaminhou os pedidos ao colegiado.
Durante a sessão, parlamentares contrários à iniciativa, como os deputados Glauber Braga (PSOL-RJ) e Adriana Ventura (Novo-SP), também reclamaram que o texto foi protocolado menos de 24 horas antes do início da votação. O presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), decidiu manter a deliberação.
Os partidos também solicitaram que a proposta fosse alterada para explicitar o autor das emendas indicadas pelas bancadas, o que o relator não acatou. Ainda propuseram um destaque para que esse trecho fosse retirado da resolução, mas Alcolumbre argumentou que a medida não tinha amparo no regimento comum do Congresso e a rejeitou sem votação.
As emendas de bancada estadual também contam com uma brecha. Inicialmente o texto pede a apresentação de um formulário que indica a autoria do autor da emenda, mas em um segundo momento faz referência a um documento diferente, no qual não se exige esse nome.
Turbinadas após o STF declarar a inconstitucionalidade do orçamento secreto, as emendas de comissão estão no centro do que Dino considerou uma “balbúrdia” no Orçamento da União. Após o julgamento no tribunal, os congressistas passaram a utilizar os recursos dos colegiados temáticos para direcionar dinheiro a seus redutos eleitorais, sem a identificação dos autores.
O magistrado, então, cobrou mais transparência e exigiu que as indicações passassem por votação nos colegiados. Ele também criticou o mecanismo por transformar emendas de comissão em “emendas de líderes partidários”, uma vez que estes eram os únicos nomes que apareciam nos registros oficiais.
Ainda assim, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), driblou a determinação e manobrou para que não houvesse votação e para que as indicações fossem assinadas em conjunto pelos líderes da Câmara, mais uma vez escondendo os autores originais. Foi o estopim da tensão entre Legislativo e Judiciário, mesmo após terem chegado a um consenso sobre as emendas.
Na ocasião, Dino não apenas mandou anular os efeitos de um ofício sigiloso assinado por 17 líderes partidários com a inclusão direta de 5.449 indicações de emendas que não têm registro em atas nem passaram por deliberação formal (ao todo, as indicações representariam 4,2 bilhões de reais), mas determinou que a Polícia Federal investigasse o caso por suposto peculato.
“A proposta ignora o ponto central das determinações feitas até o momento pelo STF e insiste em institucionalizar a prática característica do ‘orçamento secreto’ em suas diversas versões históricas: a ocultação dos autores de proposições e indicações de emendas”, pontuaram as ONGs Transparência Brasil e Associação Contas Abertas em nota divulgada na quarta-feira.
A minuta do anteprojeto, conforme mostrou CartaCapital na quarta-feira, continha um dispositivo que esvaziava a competência da consultoria técnica do Congresso. Tratava-se da criação de uma Secretaria Especial do Orçamento, que trabalharia no assessoramento dos parlamentares sobre o tema. No entanto, o trecho foi retirado do texto após protesto de deputados.
Veja as principais mudanças aprovadas pelos congressistas:
- Emendas de bancada estadual: Cada estado terá direito a até onze emendas, sendo que três delas devem ser destinadas exclusivamente para concluir obras já iniciadas. As indicações, de acordo com o texto aprovado nesta quinta, terão de ser aprovadas por três quartos dos deputados e dois terços dos senadores que compõem cada bancada estadual.
- Emendas individuais – Pix: Poderão chegar a até 2% da receita corrente líquida (soma da arrecadação) do ano anterior. O montante será dividido igualitariamente entre os parlamentares de cada Casa, seguindo os seguintes percentuais: 1,55% dos recursos de emendas individuais devem ser partilhados entre os deputados e 0,45% entre senadores. Também neste caso as emendas devem ser destinadas “preferencialmente para a conclusão de obras inacabadas”.
- Mudanças no rito de análise do Orçamento: A Comissão Mista de Orçamento não poderá votar as emendas às leis orçamentárias sem que o Comitê de Admissibilidade de Emendas aprecie anteriormente as indicações. O texto também dá poder à CMO para criar novas normas complementares para o processo de análise de emendas parlamentares.
- Emendas já aprovadas: A proposta estabelece que as comissões da Câmara e do Senado deverão ratificar todas as emendas aprovadas pelos colegiados ao Orçamento de 2024. Na nova análise, de acordo com o texto, os colegiados deverão seguir os novos formatos de atas, tentando atender às determinações para identificar os padrinhos verdadeiros das indicações.