O genocídio em Gaza continua, apesar da dificuldade que tem o regime sionista e fascista de sustentar o massacre e iniciar uma guerra com o Hesbolá. O isolamento internacional e as contradições internas do governo, além do fracasso das Forças armadas em derrotar o Hamas podem determinar o fim do regime de apartheid e do próprio Estado de Israel.
Um outro genocídio, que não tem nenhuma divulgação na imprensa capitalista ocorre há muito tempo na chamada República Democrática do Congo (RDC), na África Central. Assim como acontece com a ocupação da Palestina por Israel, a ONU e os vários organismos internacionais fingem que não enxergam a exploração criminosa das grandes riquezas da RDC por grandes multinacionais do setor tecnológico e mineração.
Um genocídio que se iniciou na década de 1990, quando a guerra civil na República Democrática do Congo (1996-1998) e a chamada guerra mundial africana (1998-2003) fizeram mais de cinco milhões de mortos. Embora apresentadas como um conflito étnico entre tutsis e hutus, ou como um conflito regional entre a RDC e os seus vizinhos a leste (Uganda, Ruanda e Burundi), estas guerras foram uma consequência direta do brutal colonialismo aplicado pela Bélgica durante um século e do roubo das suas enormes riquezas perpetuado pelas grandes potências imperialistas.
República “Democrática” do Congo: A exploração imperialista
Com reservas minerais avaliadas em 25 bilhões de dólares, o Congo é fundamental para setores como o dos carros elétricos, celulares e telecomunicações. Estima-se que possui 80% das reservas mundiais de coltan, que contém tântalo, um componente essencial na indústria dos celulares, 60% das reservas mundiais de cobalto, cobre, estanho, diamantes e ouro, bem como terras raras e volfrâmio.
Grande parte desta riqueza, como o coltan, está concentrada nas regiões orientais do país, que fazem fronteira com o Uganda, a Ruanda e o Burundi de norte a sul. Neste contexto, os mais de 120 grupos armados presentes na RDC lutam pelo controle das minas como fonte de financiamento. Eles agem devastando as regiões e subjugando a população civil e tem como cúmplices o próprio exército congolês e as missões “de paz” da ONU. Há denúncias de que estas instituições participam da exploração das minas e no subsequente contrabando de minerais para os países vizinhos.
Desde 2021, a tensão na região tem aumentado com o ressurgimento do grupo M23, de origem tutsi e financiado pela Ruanda. Seus avanços militares o levaram a cercar a cidade de Goma, capital da região do Kivu do Norte e a cidade mais importante da região, com dois milhões de habitantes.
Tanto o Congo como Ruanda são acusados de apoiar os diversos grupos armados que se opõem aos respectivos Governos. O imperialismo norte-americano é, juntamente como o imperialismo britânico, o principal responsável por esse sistema criminoso, que garante que o fluxo de minerais não seja interrompido. A intensificação dos combates provocou, uma vez mais, uma vaga de deslocados internos para campos de refugiados insalubres, que formam uma população de 6,9 milhões de pessoas.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), um total de 23,4 milhões de pessoas sofreram de insegurança alimentar aguda entre janeiro e junho de 2024, e estima-se que 2,8 milhões de crianças já sofram de subnutrição aguda na RDC. A isto junta-se o perigo da violência sexual contra as mulheres, também nos campos de refugiados. De acordo com o ACNUR, só no Kivu do Norte foram registados 50.159 casos de violência de género em 2023.
O M23 surgiu em 2012 na sequência de uma rebelião de um setor das forças armadas da República Democrática do Congo, insatisfeito com o governo de Joseph Kabila e composto maioritariamente por tutsis congoleses. Após uma década de inatividade, por detrás desta nova ofensiva poderão estar as tentativas de Ruanda de pôr fim à aproximação entre o Uganda e a RDC em termos de cooperação militar.
Em 2021, Tshisekedi, presidente da RDC, autorizou o exército ugandês a operar no seu território para combater as Forças Democráticas Aliadas (FDA), um grupo terrorista ligado ao Estado Islâmico, de origem ugandesa, que tem a sua base de operações na zona de selva entre os dois países e que é atualmente um dos grupos armados mais sanguinários do país. Estima-se que cerca de 20.000 pessoas tenham morrido desde 2017 nas mãos destes grupos.
Apesar, ou precisamente por causa, do conflito em curso na região, a extração mineira nunca para e, com ela, continua o saque e o contrabando para países vizinhos como Ruanda, sob a tutela dos EUA e do Reino Unido. Embora não disponha de reservas conhecidas de coltan, Ruanda tornou-se, em 2014, o maior exportador mundial de tântalo. O mesmo acontece com o ouro, que, sem minas, representou 71% das suas exportações, em comparação com a RDC, que exportou apenas 0,11%, com reservas estimadas em 28 bilhões de dólares. A inação do governo e da MONUSCO (missão de “manutenção da paz” da ONU para a RDC) para travarem o avanço do M23 levou ao aparecimento de milícias de autodefesa que se autodenominam Wazalendo (patriotas).
O descontentamento da população com a MONUSCO é muito forte. Depois de 20 anos e um destacamento de mais de 15.000 soldados, a MONUSCO não conseguiu pôr termo ao conflito. Mal-armados e treinados, os Wazalendo são empregues pelo Governo em Kinshasa (capital da RDC) como milícias de vigilância e apoio ao exército, mas o receio de que estes grupos possam escapar ao seu controle levou Tshisekedi a impedir que as milícias possuam armas, apesar de, em cidades como Goma, serem o único entrave ao M23 após a retirada do exército.
Em julho de 2022, por exemplo, registaram-se vários confrontos entre a população civil e os capacetes azuis, dos quais resultaram 36 mortes. As manifestações que se seguiram contra a MONUSCO levaram o Governo de Tshisekedi, reeleito presidente no final de 2023, a acelerar a partida dos capacetes azuis que, após 20 anos e um destacamento de mais de 15.000 soldados, não conseguiram travar o conflito.
É graças a este “eterno” confronto e à exploração da população congolesa através destes grupos armados em centenas de minas ilegais, ou em condições de trabalho semi-escravo nas minas legais, que as grandes multinacionais garantem e engordam os seus enormes lucros e asseguram o acesso a minerais críticos.
Apenas 2,8% das mais de 5.000 minas existentes no país podem ser classificadas como oficiais. Segundo a UNICEF, cerca de 40.000 crianças trabalham nelas, nos veios menores e perigosos. Sem qualquer medida de proteção, a extração destes minerais implica a exposição a elementos tóxicos como o arsênio. Com jornadas de mais de 14 horas, um mineiro ganha cerca de dois dólares por dia, na melhor das hipóteses. Pode não parecer muito, mas um estudo da ONU revela que o trabalhador médio na República Democrática do Congo ganha apenas 10 dólares por mês.
Apesar dos riscos, como deslizamentos de terra, desmoronamentos ou grupos armados como o M23 que se apoderam do minério, para muitos esta é a única forma de sobreviver e ganhar algum dinheiro. O auge da exploração mineira levou muitos congoleses a abandonar a agricultura, expondo ainda mais o país à fome e à subnutrição, à poluição dos rios e à desflorestação do segundo maior pulmão do mundo depois da Amazônia. De acordo com o Global Forest Watch, a RDC perdeu 8,6% da sua cobertura vegetal desde 2000.
Depois de extraído, o minério bruto é comprado por intermediários ou traficantes, transportado para refinarias em Ruanda ou na Uganda, ou diretamente para as do Sudeste Asiático, de onde o produto acabado é enviado para a China.
Em 2019, a ONG South Africa Resource Watch apresentou uma lista de 22 empresas envolvidas no comércio ilegal de coltan, principalmente estado-unidenses (5), alemãs (2), belgas (3), britânicas (4) e chinesas (2), além das ugandesas ou ruandesas. Só na União Europeia, há cerca de 800.000 empresas que utilizam estanho, tântalo, volfrâmio e ouro na produção de bens de consumo. A hipocrisia do regulamento adotado em 2017 pela UE “para combater os minerais de sangue” é evidente, uma vez que se centra nas matérias-primas e não no produto acabado, que é o que chega aos países ocidentais.
Num estudo sobre a Lei Dodd-Frank — aprovada pelo Governo de Obama em 2015 para “combater a utilização de minerais de sangue” — a Anistia Internacional analisou 100 dos relatórios apresentados por 1.312 empresas norte-americanas, como a Apple, a Boeing e a Tiffany & Co, e constatou que 80% destas empresas não sabiam de onde vinham os minerais que utilizavam.
Félix Tshisekedi foi reeleito presidente da RDC obtendo 73,34% dos votos durante a votação organizada em 20 de dezembro de 2023. Os números colocaram o presidente bem à frente do seu principal adversário, Moïse Katumbi (18,08%) e Martin Fayulu, que ficou em terceiro lugar com 5,33% dos votos expressos. O vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2018, Denis Mukwege, não ultrapassou 1% dos votos. Na época, os 9 candidatos da oposição listaram as irregularidades que dizem ter observado durante o processo eleitoral, em uma declaração conjunta.
Eles destacam violações da lei eleitoral, através da continuação da votação durante seis dias, da existência de mesas de voto paralelas e do controle das máquinas de votação por candidatos ligados ao regime em vigor. Estas irregularidades fazem, segundo eles, da votação de 20 de dezembro, uma “farsa”.
Ruanda: um agente do imperialismo
Após quase três décadas no poder, Paul Kagame, o atual presidente de, deve ser reeleito nas próximas eleições, em 15 de julho de 2024, sem qualquer oposição. Governa o país com mão de ferro desde 1994, primeiro como vice-presidente e, desde 2000, verdadeiro ditador.
A Suprema Corte ruandesa negou à principal voz opositora em Ruanda o direito de concorrer a eleição presidencial. Kagame condenou a principal opositora com a acusação de que ela “ignora o genocídio” utilizando o genocídio como arma política para esmagar qualquer oposição, impondo uma reconciliação fraudulenta na elite, enquanto patrocina abusos e assassinatos que a FPR vem cometendo depois de ter chegado ao poder. O método de Kagame é o mesmo que utilizam os sionistas para acusar de antissemitismo aqueles que “ignoram o holocausto” enquanto massacram os palestinos em Gaza.
Victoire Ingabire, presa em 2010 quando se lançou candidata, havia pedido a restituição de direitos civis perdidos quando foi solta antes do cumprimento total da pena, em 2018. Além de enfrentar nas urnas o atual presidente, Paul Kagame, ela queria poder sair do país e visitar a família que vive na Holanda. O marido, quem ela viu pela última vez em 2010, está muito doente. Vê-se que os STFs são iguais em todos os lugares…
Kagame foi um dos fundadores da Frente Patriótica de Ruanda (FPR) no final da década de 1990. Este partido milícia — fundado na Uganda por refugiados tutsis que tinham fugido à ditadura ruandesa de Habyarimana — pôs fim ao genocídio ruandês que, após 100 dias de matança indiscriminada da minoria tutsi e opositores hutus, resultou em mais de 800.000 mortos, cerca de 70% da população tutsi do país.
Recentemente foram divulgados pelo Governo Francês os documentos oficiais protegidos pela cláusula de segredo oficial. O chamado relatório Duclert traçou um balanço sem concessões do envolvimento militar e político da França no genocídio. O material divulgado destaca sobretudo a responsabilidade de François Mitterrand e de seus colaboradores mais próximos, ignoraram as informações e advertências sobre os crimes em larga escala que poderiam ser cometidos. O documento concluiu que o governo francês foi o principal culpado em permitir o massacre.
Com uma imagem internacional favorecida pela imprensa imperialista, o presidente é elogiado nos círculos financeiros e até obteve um prêmio da OMS pela campanha de vacinação durante a Covid.
Apesar da imagem do regime vendida pelo imperialismo, metade da população do país continua a viver abaixo do limiar da pobreza. Sem as riquezas minerais da vizinha RDC ou uma saída para o mar, o regime de Kagame fez do contrabando de minérios a sua principal fonte de rendimento, financiando o grupo M23 e servindo às potências ocidentais.
Graças precisamente ao seu papel de representante do imperialismo, o Governo do Ruanda recebe todos os anos mais de um bilhão de dólares em “ajuda ao desenvolvimento” de vários parceiros. Isto equivale a 15% do seu PIB e a 40% do orçamento nacional. A UE financiou o Governo ruandês com 260 milhões de euros entre 2021 e 2024, além de ajuda específica, como um pacote de 300 milhões de euros para investimento privado em proteção ambiental.
Com este dinheiro, Ruanda reforçou as suas forças armadas e tornou-se um parceiro de segurança no exterior vital para as potências ocidentais. Deixou de ter uma missão de manutenção da paz no seu país e passou a ser o quarto maior contribuinte de tropas para a ONU, com 5.919 capacetes azuis operando no Sudão, na República Centro-Africana e no Sudão do Sul. Recentemente, o Governo assinou acordos com países como a República Centro-Africana e Moçambique, empenhados na luta contra os rebeldes e os jihadistas, assegurando, em contrapartida, contratos para empresas ruandesas. Em 2021, enviou 3.000 soldados financiados pela UE para reprimir uma rebelião islamista no empobrecido norte de Moçambique, onde o gigante francês da energia Total tem investimentos no valor de 20 bilhões de dólares em gás natural liquefeito.
A União Europeia: tudo pelos super lucros
O conflito na RDC, herança direta do colonialismo europeu, é marcado pela hipocrisia que caracteriza os vários governos da UE. Ao mesmo tempo que se proclamam defensores globais dos direitos humanos, dos direitos LGBTI+ e dos direitos das mulheres, não hesitam em assinar leis para salvaguardar os interesses dos capitalistas europeus e do imperialismo.
O governo conservador de Sunak, o ex- primeiro-ministro britânico, assinou um acordo vergonhoso com o Governo do Ruanda para a extradição de migrantes sem documentos para este país. Esta medida, pela qual Kagame recebeu um pagamento inicial de 140 milhões de libras, foi impulsionada por Boris Johnson em 2022 e finalmente aprovada em abril de 2024, legalizando efetivamente o tráfico de seres humanos. Em 15 de abril, um vazamento de informação de documentos do Governo britânico revelou que mais de 30.000 requerentes de asilo deveriam ser deportados para Ruanda nos próximos cinco anos, medida que foi abolida, pelo menos por enquanto, pelo novo governo trabalhista.
Não se pode esquecer que a UE assinou o Memorando de Entendimento com Ruanda, em fevereiro de 2024, com o objetivo de garantir as cadeias de abastecimento de minerais considerados críticos para a UE. Esta iniciativa faz parte do Regulamento Europeu de Matérias-Primas Críticas aprovado no final de 2023, com a qual a UE continuará a financiar o regime de Kagame em troca deste fazer o seu trabalho sujo, ou seja, cuidar dos refugiados e perpetuar a pilhagem e a guerra na vizinha República Democrática do Congo.
Thierry Breton, comissário do Mercado Interno da zona euro, afirmou: “A Ruanda é um importante fornecedor de tântalo, estanho, volfrâmio, ouro e nióbio, e tem potencial para o lítio e as terras raras. Com esta parceria mutuamente benéfica, pretendemos construir uma cadeia de valor de matérias-primas críticas e sustentável que englobe a extração, a refinação, a transformação, a reciclagem e a substituição. A transparência, a rastreabilidade e o investimento são elementos centrais da parceria UE-Ruanda no domínio das matérias-primas críticas”.
Um bom exemplo da “democracia” que apregoam e que também ignora as numerosas críticas que esta lei recebeu de associações e peritos ambientais. Com a aprovação desta lei, a indústria mineira, uma das mais opacas e corruptas do mundo, será reforçada e continuará a apoiar um modelo de produção obsoleto e altamente destrutivo, sem considerar medidas de reciclagem e reutilização. Um novo ataque ao meio ambiente que continua a perpetuar conflitos e guerras no continente africano, e que demonstra que o imperialismo europeu não tem interesse na propalada transição para uma economia mais sustentável, pois o que realmente importa é a obtenção de super-lucros para seus monopólios sem se importar com a super exploração dos trabalhadores congoleses e ruandeses que são obrigados a viver na miséria e subnutrição e submetendo os dois países a uma eterna guerra.