A recente ruptura das negociações de paz entre o governo de Gustavo Petro e o Exército de Libertação Nacional (ELN) marca um retrocesso significativo na busca por uma solução pacífica para o conflito armado que assola a Colômbia há mais de seis décadas. Os confrontos em Catatumbo, que já resultaram em pelo menos 80 mortes e oito mil deslocados, expõem as complexas dinâmicas entre os grupos armados, o tráfico de drogas e as fragilidades estruturais do Estado.
Desde sua posse, Petro tem enfatizado a chamada “paz total”, uma política que busca incluir todos os grupos armados — desde guerrilhas como o ELN até organizações criminosas — em processos de negociação. Contudo, a incapacidade de o ELN demonstrar um compromisso consistente com a desescalada da violência desafiou essa estratégia. A acusação de que o grupo cometeu crimes de guerra, além de sua participação no assassinato de lideranças comunitárias e civis, reforça a percepção de que o ELN não é um parceiro confiável para a paz.
A decisão de encerrar as negociações também reflete a pressão política interna. Apesar do apelo por diálogo, o governo não pode ignorar as demandas por justiça e segurança das comunidades afetadas pela violência, nem a necessidade de manter a credibilidade internacional perante organizações como a ONU, que monitoram os processos de paz no país.
Catatumbo: epicentro do conflito
A região de Catatumbo, na fronteira com a Venezuela, é um microcosmo dos desafios enfrentados pela Colômbia. Rica em plantações de coca e com acesso estratégico a rotas de tráfico de drogas, é disputada por diversos grupos armados, incluindo o ELN, dissidências das FARC e o Clan del Golfo. Esses grupos não apenas buscam o controle territorial, mas também exploram a população civil, que frequentemente se torna vítima de extorsão, deslocamento forçado e massacres. O conflito já vitimou mais de 9,5 milhões de pessoas em seis décadas.
Os recentes confrontos entre o ELN e dissidências das FARC ilustram como as alianças e rivalidades entre grupos armados podem mudar rapidamente. A quebra da trégua entre esses grupos, somada à escalada de violência, não apenas amplia a crise humanitária, mas também dificulta as intervenções governamentais e humanitárias na região.
Embora as FARC tenham sido desmanteladas em 2016 após um histórico acordo de paz, facções dissidentes continuam ativas e disputam território com outros grupos armados, como o ELN.
O ELN, fundado na década de 1960 e com cerca de seis mil combatentes, financia suas atividades através do tráfico de drogas e da mineração ilegal. O governo acusou o grupo de executar civis e ex-combatentes das FARC, enquanto o ELN culpou os dissidentes pelo colapso da trégua, afirmando que os ataques à população civil tornaram o confronto inevitável.
Impacto humanitário e resposta do governo
O deslocamento de mais de 5.000 pessoas é um lembrete do custo humano do conflito. Famílias inteiras foram forçadas a abandonar seus lares, muitas vezes sem tempo para levar bens essenciais, buscando abrigo em condições precárias. A assistência estatal — incluindo o envio de alimentos e kits de higiene — é insuficiente para atender às necessidades de longo prazo dessas comunidades.
O ministro da Defesa, Iván Velásquez, visitou a cidade de Cúcuta no domingo e pediu aos grupos armados que cessassem os combates. “A prioridade é salvar vidas e garantir a segurança das comunidades”, afirmou. Mais de 5.000 soldados foram mobilizados para a região, e as autoridades enviaram 10 toneladas de alimentos e kits de higiene para atender cerca de cinco mil pessoas deslocadas.
Pela rádio do Exército Nacional, Velásquez destacou o heroísmo dos soldados e policiais que trabalham para proteger a população de Catatumbo. “Seu compromisso com a proteção de nossa pátria e de todos os colombianos desta região é um exemplo de coragem e dedicação. Estamos com você. Apoiamos todos os esforços que fazem para estabilizar este território e devolver a tranquilidade aos seus habitantes”, afirmou o ministro. “O mais importante agora é cercar a população, para que saibam que nenhum habitante está sozinho”, disse a diretora da Unidade de Vítimas, Lilia Solano.
Da mesma forma, enviou uma mensagem direta às comunidades afetadas, lembrando-lhes que não estão sozinhas. “Entendemos as dificuldades que enfrentam e estamos aqui para protegê-los. Desdobrámos as nossas tropas por toda a região, reforçando a nossa presença com novos contingentes e tecnologia avançada para garantir a sua segurança. Pedimos que sigam as recomendações das nossas autoridades e se dirijam aos pontos estabelecidos para receber cuidados humanitários e proteger a sua integridade”, explicou.
O ministro informou que foram criados pontos de atenção humanitária e abrigos nas localidades de Tibú, Cúcuta e Ocaña, com o objetivo de fornecer abrigo e apoio às pessoas deslocadas pela violência. O envio de tropas à região, embora necessário para conter a violência, também levanta questões sobre a dependência de soluções militares em detrimento de abordagens estruturais. A ausência do Estado em áreas como Catatumbo cria um vácuo de poder que é rapidamente ocupado por atores armados.
Como paramilitares
O ministro denunciou que o ELN de Catatumbo realiza práticas criminosas de “caça” semelhantes às dos grupos paramilitares.“O ELN praticamente realizou ações de caça, o que é inconcebível numa organização que se autodenomina guerrilheira, que o que faz é nos lembrar daqueles tempos de paramilitarismo realizando massacres. Ações semelhantes, indo de casa em casa, procurando suas vítimas para executá-las em ações tipicamente de assassino de aluguel”, disse.
A ofensiva resultou em um êxodo de milhares de pessoas que fugiram do fogo cruzado em direção a abrigos temporários em Tibú e outras localidades. Entre as vítimas mortais estão Carmelo Guerrero, líder de uma associação de agricultores, e outras sete pessoas que tentavam intermediar um acordo de paz.
“Catatumbo precisa de ajuda”, declarou William Villamizar, governador do departamento de Norte de Santander. Segundo ele, “famílias inteiras estão fugindo a pé ou em qualquer meio de transporte disponível para evitar serem vitimadas”. O exército colombiano tem trabalhado para evacuar os moradores, mas a situação permanece crítica.
A crise em Catatumbo também atraiu atenção internacional. A Colômbia deve apresentar um relatório sobre os “crimes de guerra” do ELN em uma sessão do Conselho de Segurança da ONU na próxima semana. O presidente Petro, que assumiu o cargo com o compromisso de buscar a paz, enfrenta agora o desafio de equilibrar a segurança nacional com sua agenda de reconciliação.