A empresa que comprou a Sabesp, ex-estatal de saneamento de São Paulo, Equatorial Energia, já tem um histórico de privatizações que levaram à falência do sistema público à mercê da entrega de milhões a grupos privados e é acusada de um episódio de grave conflito de interesse na venda da estatal paulista.
A Equatorial é controlada pelo grupo Private Equity GP, que posteriormente se tornou a 3G. Ambos grupos econômicos compraram importantes estatais do setor elétrico, como a Cemar e a Eletrobrás, com indicativos de uso de manobras de interesses para a efetivação dessas privatizações.
O roteiro não foi diferente para a Sabesp. Entre as incoerências da venda, a Equatorial foi a única finalista do leilão de compra da estatal, que ofereceu um valor 18% abaixo do negociado na Bolsa de Valores no dia da privatização, derrubando o valor de suas ações de R$ 87 a R$ 67.
O próprio governo de Tarcísio de Freitas esperava receber R$ 30 bilhões na venda, mas receberá R$ 14,8 bilhões com a privatização. Para essa barata venda do estado, que deixará de receber participação nos lucros da companhia, a articulação de uma conselheira teria sido determinante: Karla Bertocco Trindade.
Até dezembro de 2023, Bertocco fazia parte do Conselho da Equatorial. Visualizando o avanço da privatização, ela assumiu a Presidência do Conselho de Administração da estatal paulista, a Sabesp. No cargo, Karla participou das reuniões, junto a representantes do governo de Tarcísio, que definiram os termos do leilão da Sabesp, que posteriormente garantiram a vitória da Equatorial, a empresa da qual ela integrava anteriormente.
O caso está sendo atualmente investigado no Supremo Tribunal Federal (STF), após a Advocacia-Geral da União (AGU) detectar a grave interferência como “existência de conflito de interesses no processo de desestatização, o que viola os princípios da impessoalidade e da moralidade”.
No dia 18 de julho, a AGU pediu ao Supremo a suspensão da lei que autorizava privatizar a Sabesp. O pedido ainda está em análise na Corte, mas nesta terça (23), o governador Tarcísio de Freitas formalizou a privatização da Sabesp à Equatorial com uma festa oficial aos acionistas.
Sabesp segue os passos de Eletrobrás e outras
O futuro da Sabesp privatizada pode, ainda, seguir os mesmos passos de outras estatais que foram privatizadas e seu controle entregue aos mesmos grupos econômicos. É o caso da Eletrobrás que, conforme revelado por Luis Nassif em 2023, estava seguindo caminho similar à da Light, concessionária de energia elétrica do Rio de Janeiro e que no ano passado pediu recuperação judicial, quebrada com um passivo de R$ 5 bilhões.
No referido artigo, Luis Nassif descreveu a situação da Eletrobrás e da Light como um “assalto ao setor elétrico”, que vinha ainda do caminho de outras privatizações, como o caso da Cemar (Centrais Elétricas do Maranhão).
Ocorre que a Equatorial Energia que hoje comprou a Sabesp é a mesma empresa da reestruturada Private Equity GP, o grupo que adquiriu a Cemar, em 2004, em uma divisão comercial que deixou dividendos milionários à à Equatorial, que se tornou responsável por 64,5% da Cemar e deixando somente 34% à Eletrobrás.
Além disso, o fundo 3G foi o responsável pela aquisição da própria Eletrobrás, durante o governo de Jair Bosonaro.
A entrada de Karla Bertocco Trindade no Conselho de Administração da Sabesp, logo após deixar importante posto na Equatorial, para concretizar a venda, mostra que as coincidências das disputas societárias pelo controle das estatais brasileiras não pararam por aí.
Assim como denunciado por Luis Nassif, em 2017, os movimentos se repetem com o de Paulo Pedrosa, então secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia do governo de Michel Temer, quando a privatização da Eletrobrás estava sendo trabalhada.
Antes de assumir o cargo na pasta, Pedrosa passou como conselheiro da Equatorial e da Cemar, e ligado ao fundo de private equity GP Investimentos. No governo Temer, ele possibilitou que a venda da Eletrobrás ao grupo fosse concretizada.