Condomínios como espaços políticos democráticos no Brasil
por Aracy Balbani e Sílvia Ricci
Alguns megacondomínios residenciais têm mais moradores do que muitos municípios do País. Embora reflitam os contrastes sociais do Brasil, os condomínios podem se igualar nos problemas de falta de transparência e arbitrariedades na gestão.
Microcosmos habitacionais concentram boa parte da população
Cada vez mais brasileiros passam a viver em condomínios, atraídos por promessas de maior segurança, de uma estrutura de esportes, lazer ou serviços exclusiva ou, ainda, de requinte arquitetônico e luxo.
Dados do Censo Demográfico de 2022 revelaram que 13,3 milhões de endereços do País localizam-se em condomínios. Dentre estes, quase 5 milhões têm mais de 100 habitações. Existem vários megacondomínios com dezenas de torres residenciais, em cada qual há mais moradores do que em muitos municípios pequenos do País.
Microcosmos da sociedade brasileira, os condomínios espelham nossas desigualdades.
Segundo o IBGE, a média nacional de não resposta ao Censo é de 5,5%. Porém, em alguns condomínios de alto padrão, a recusa em receber o recenseador alcança 30%.
Por outro lado, programas habitacionais governamentais comumente financiam apartamentos e casas que integram condomínios voltados para a população de baixa renda.
Pessoas aliviadas por conquistarem a casa própria veem-se na condição inédita de condôminas. Ao receberem as chaves do imóvel, muitas ainda não assimilaram o significado disso. Não estão conscientes de seus direitos e obrigações.
As obras de muitos edifícios residenciais populares mais antigos foram entregues sem hidrômetros individuais. Esses moradores pobres sofrem não apenas com o rateio injusto da tarifa de consumo de água entre os condôminos, mas também com a dificuldade para instalar os hidrômetros individuais na infraestrutura da edificação.
Segundo a Agência Câmara de Notícias, há casos de cobrança de taxas extras para custear melhorias nas áreas comuns de condomínios do Minha Casa Minha Vida que são mais elevadas do que as próprias prestações para quitar o imóvel. Logo, o sonho da moradia própria transforma-se em pesadelo.
Diferentes na renda dos condôminos, mas semelhantes nos problemas
Duas questões podem afetar, indistintamente, condomínios verticais ou horizontais; industriais, comerciais ou residenciais; populares ou de elite.
1. Falta de transparência na gestão condominial. Apesar de existirem ferramentas digitais disponíveis para comunicação eficaz entre administradoras, síndicos e condôminos, boa parte dos proprietários e inquilinos queixa-se de dificuldade para acessar documentos do condomínio (como plantas e projetos arquitetônicos) e da falta de livros contábeis que detalhem a prestação de contas.
Nesses meandros, podem ocorrer a contratação e o pagamento de empresas de serviços terceirizados de segurança patrimonial, videomonitoramento, manutenção predial, paisagismo e limpeza. Abrem-se brechas para desrespeito à legislação trabalhista, transações financeiras nebulosas, corrupção e lavagem de dinheiro no setor privado de condomínios.
Os condôminos brasileiros não estão protegidos, de fato, contra ações do crime organizado. Elas podem estar camufladas na própria gestão condominial.
2. Arbitrariedades. Contratação de fornecedores e prestadores de serviços sem comparação de orçamentos, e execução de obras sem que o síndico sequer consulte o conselho de administração e os demais condôminos ainda são comuns.
Num país em que a consolidação da democracia exige esforço diário, e onde não há uma lei de responsabilidade orçamentária condominial, sobra espaço para alguns síndicos e administradoras abusarem do poder. Afinal, eles têm meios de reduzir os direitos dos condôminos e aumentar apenas o dever destes de cobrirem o rombo financeiro decorrente da má gestão.
Aos condôminos, o prejuízo.
Legislação ultrapassada e representatividade em xeque
A legislação original sobre condomínios no País data de 1964. Apesar das modificações introduzidas pelo novo Código Civil, o marco legal ainda está em descompasso com as mudanças sociais, econômicas e culturais acontecidas no Brasil nesse intervalo de 60 anos.
A tendência de pequena participação dos condôminos nas assembleias gerais também preocupa.
O desinteresse dos cidadãos em ocupar os espaços políticos e tomar decisões reflete o quê? Predomínio do individualismo sobre o interesse coletivo? Protesto contra a forma atual de representatividade? Renúncia a um direito muito importante? Comodismo? Prática de chantagem ou intimidação contra cidadãos?
Esse sinal de alerta motiva um debate amplo e democrático. É preciso atualizar a legislação e aprimorar o exercício da cidadania por brasileiros que moram ou trabalham em condomínios.
Basta de violência em ocasiões de conflito, como: atos de racismo, agressões e trocas de tiros nas brigas entre vizinhos, síndicos espancados por moradores, ou os casos recentes do subsíndico baleado e morto ao tentar impedir perturbação do sossego no condomínio, e do morador idoso agredido a socos e pontapés por um vizinho ao sair do elevador de um condomínio no litoral paulista.
Muitos condomínios, mas nenhuma autoridade?
As empresas administradoras de condomínios não ocupam o topo do ranking de reclamações no Procon de São Paulo, nem figuram no Consumidor.gov.br. Entretanto, as plataformas privadas de queixas de consumidores registram dezenas de páginas com relatos de condôminos e inquilinos muito insatisfeitos com empresas administradoras e síndicos de vários Estados.
No Brasil, não há uma autoridade designada para conscientizar a população sobre a legislação de condomínios. No Canadá, encontramos modos interessantes de como isso pode ser feito.
A Autoridade de Condomínios de Ontário (sigla em inglês CAO), por exemplo, é uma agência de proteção do consumidor. Ela divulga a legislação e os fundamentos da boa governança de condomínios: sempre em defesa do melhor interesse da coletividade; baseada na honestidade, boa-fé, diligência e prudência.
A Autoridade informa os cidadãos, em linguagem acessível, sobre a transparência na relação entre gestores e condôminos. Também sugere: a matriz de competências desejáveis, para cada condomínio buscar eleger os gestores mais capacitados; um código de ética da gestão condominial; e um modelo da declaração de conflito de interesses, a ser preenchida pelos gestores. Oferece, ainda, treinamento para gestores de condomínios daquela Província canadense.
Luzes no horizonte?
No Brasil, os Projetos de Lei 4739/2024, do Deputado Federal Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), e 550/2025, do Deputado Federal Joaquim Passarinho (PL-PA), que propõem regulamentar a atuação do Síndico Administrador Profissional, tramitam na Câmara dos Deputados.
As iniciativas dos parlamentares pretendem coibir a atuação de síndicos profissionais sem nível técnico ou superior em Administração em todo o território nacional.
Muitas atitudes na gestão de um condomínio podem ocorrer na legalidade. Contudo, havendo conflitos de interesse, o bom senso recomenda considerar a questão ética envolvida.
Resumindo, atualizar a legislação brasileira de condomínios é uma necessidade urgente. Conscientizar nossa população da sua responsabilidade para uma vida coletiva baseada na ética e na democracia talvez seja um desafio ainda maior.
A mobilização nacional de condôminos pela segurança, legalidade, ética e transparência nos condomínios é muito bem-vinda. Mãos à obra!
Aracy Pereira Silveira Balbani é médica.
Sílvia Aparecida Ricci é advogada.
Fontes consultadas:
Agência de Notícias IBGE. Na reta final do Censo, IBGE faz campanha em condomínios de alta renda. 2023.
Agência Câmara de Notícias. Programa habitacional poderá financiar obras de melhorias em condomínios. 04/03/2021.
Consumidor.gov.br. https://www.consumidor.gov.br/pages/principal/?1746800077422
Condominium Authority of Ontario. The Condominium Act.
Nova Scotia. Condominium owners: your rights and responsibilities. https://beta.novascotia.ca/condominium-owners-your-rights-and-responsibilities
PL 4739/2024. Disciplina o exercício da profissão de síndico administrador de condomínios, e dá outras providências. Autor: Paulo Alexandre Barbosa (PSDB/SP).
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao/?idProposicao=2476659
PL 550/2025. Regulamenta a profissão de Síndico Administrador Profissional e dá outras providências. Autor: Joaquim Passarinho (PL/PA).
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2484488
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