O conclave, procedimento secular da Igreja Católica para escolher um novo Papa, também determina o futuro político da Igreja Católica – essa nuance não passa despercebida por países de peso do tabuleiro global, incluindo os Estados Unidos.
Documentos, telegramas e minutas do acervo diplomático dos EUA e da CIA mostram que o conclave é considerado estratégico pela Casa Branca. O jornalista Jamil Chade, do UOL, em texto publicado nesta segunda-feira 28, detalha como o país norte-americano passou décadas estabelecendo parcerias com o Vaticano. Esse método foi aplicado mais intensamente durante a Guerra Fria.
Chade destaca um episódio ocorrido em outubro de 1958, quando os cardeais escolheram Angelo Giuseppi Roncalli como novo Papa. Ele assumiu o papado com o nome de João XXIII. Washington reconhecia que uma boa relação com o Vaticano faria com que “fontes valiosas de informação” poderiam ser repassadas aos norte-americanos. Esse estreitamento faria com que se tivesse “a oportunidade de utilizar, por meio de persuasão, o considerável recurso político e a influência do Vaticano em apoio aos objetivos da política externa americana”.
Essa troca de influências teve peso no papado de João XXII. Foi nesse contexto que cardeais passaram a falar de modo aberto, já no início da década de 1960, a respeito de caminhos para lidar com a “ameaça comunista”. Eram os tempos de ápice do embate geopolítico entre os EUA e a antiga União Soviética.
“O Vaticano se opôs à fórmula de compromisso histórico para a Itália e ficou apreensivo com a possibilidade de uma vitória marxista na França, o que traria comunistas para o processo de governo dos dois países”, diz um trecho dos documentos da diplomacia norte-americana.
Outro momento-chave destacado por Chade envolve a relação entre os EUA e o Vaticano durante o papado de João Paulo II [1978-2005].
Em 1984, três anos depois do atentado a João Paulo, um informe da CIA indicava que a espionagem norte-americana acreditava que o atentado seria um gesto da União Soviética para tentar interromper a pressão contra aliados búlgaros.
“Em dezembro de 1982, o encarregado soviético em Roma ameaçou oficialmente congelar os contatos bilaterais de alto nível se a campanha italiana continuasse. Ao mesmo tempo, o encarregado soviético em Washington emitiu um protesto excepcionalmente duro, alegando que as alegações faziam parte de uma campanha caluniosa dos EUA contra a Bulgária e a URSS”, diz um trecho do documento.
Segundo a CIA, a “KBG [agência de inteligência e espionagem soviética] aparentemente também usou medidas ativas para ajudar seu aliado”. “Por exemplo, em meados de 1983, uma revista italiana de esquerda publicou dois telegramas forjados da Embaixada dos EUA — semelhantes em padrão a outras falsificações da KGB”. Esses documentos falsos seriam, na visão da CIA, uma tentativa de ligar os búlgaros ao ataque contra João Paulo II.
O futuro da Igreja Católica após o papado de João Paulo II também era uma preocupação para os EUA. Em 2005, pouco depois da morte de João Paulo XX, a embaixada dos EUA no Vaticano correu para sinalizar a Washington que o fim do papado do polonês iria abrir uma nova era na Igreja Católica. A ordem foi para que o governo do então presidente George W. Bush desse início a uma ação política para se aproximar do novo pontífice. O cardeal Joseph Ratzinger assumiu o papado com o nome de Bento XVI.