O Supremo Tribunal Federal tem assumido um papel cada vez mais direto diante de conflitos entre os Poderes, e as audiências de conciliação se tornaram uma ferramenta estratégica nesse processo. Mais do que um encontro técnico, essas reuniões têm servido para que os ministros da Corte atuem como mediadores entre Executivo, Legislativo e sociedade.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender decretos sobre o IOF e convocar uma audiência entre os chefes dos Poderes é o exemplo mais recente de uma tendência crescente.
A audiência
As audiências de conciliação são encontros de norma processual, cujo objetivo é buscar acordos antes de uma decisão judicial definitiva. Embora muito comuns no âmbito do direito civil e do direito trabalhista, essas audiências passaram a ser empregadas em questões institucionais e constitucionais pelo STF, especialmente em casos de repercussão nacional.
Desde 2015, segundo a Corte, 106 processos passaram por tentativa de acordo. Do total, 46 foram homologados, 39 ainda estão em análise e 21 ficaram sem consenso.
Marco Temporal
Após nove meses de negociações e 23 audiências promovidas de agosto de 2024 a junho de 2025, a comissão liderada pelo ministro Gilmar Mendes encerrou sua fase de conciliação sobre o Marco Temporal sem chegar a um consenso.
Como resultado, nasceu um anteprojeto com mudanças pontuais na Lei 14.701/2023 – prevendo, por exemplo, participação de estados e municípios no processo demarcatório, maior transparência e definição coletiva de terras indígenas – que será encaminhado ao Congresso Nacional. A medida mantém, no entanto, a tese do Marco Temporal, que restringe as demarcações às áreas ocupadas até 5 de outubro de 1988.
Fraudes no INSS
Conduzida pelo ministro Dias Toffoli, a conciliação articulou um acordo que autoriza ressarcimento imediato pela folha de pagamento, com participação de AGU, MPF e entidades de aposentados, evitando uma judicialização em massa.
Em resposta à fraude, o governo propôs ao STF um acordo para ressarcimento a partir de 24 de julho, corrigido pelo IPCA, com devolução integral aos que contestaram os descontos e desistirem de ações judiciais.
O pacto, homologado pelo ministro Toffoli ena última quinta-feira 3, também suspende prazos prescricionais e busca evitar uma avalanche de litígios judiciais.
Royalties de petróleo
Em uma das primeiras ocasiões em que o STF recorreu à mediação de conflitos federativos, o ministro Luiz Fux conduziu audiências em 2016 envolvendo a União e o estado do Rio de Janeiro, para revisar os critérios de cálculo dos royalties. Embora o julgamento tenha seguido, as sessões não só suspenderam uma resolução do CNPE que travava a revisão como fixaram prazos e estabeleceram parâmetros de transição mais suaves para estados afetados.
Já em 2024, uma nova rodada conciliatória envolveu Santa Catarina, Paraná e São Paulo, apontando para negociações diretas entre os entes sobre os ressarcimentos acumulados ao longo de décadas, mais uma vez com a interlocução do STF para evitar decisões abruptas e viabilizar acordos graduais.
IOF
No centro do novo conflito está o aumento da alíquota do IOF por decreto presidencial, revogado pelo Congresso. A AGU recorreu ao STF, que optou por suspender os dois atos e convocar uma audiência entre os três Poderes para 15 de julho. Moraes apontou “risco institucional” caso a disputa seguisse no atual ritmo.
O uso da conciliação em ações judiciais envolvendo decisões políticas reflete uma mudança no perfil do Supremo. Em vez de apenas determinar juridicamente, a Corte assumiu um papel de moderação institucional.