Como compatibilizar crescimento com estabilidade e sustentabilidade ambiental, ou como sair da armadilha do “voo da galinha”

por Carmem Feijó e Fernanda Feil

O crescimento do Brasil desde a pandemia (2021) tem superado a média dos anos anteriores – entre a Crise Financeira Global e 2024 a taxa anual de crescimento foi de 1,7%,  enquanto se comparáramos 2021 até o mesmo período a média subiu para 3,6% ao ano. Maior crescimento, paradoxalmente, é visto como um problema, pois aumenta as expectativas inflacionárias o que dispara, automaticamente, medidas de contenção monetária. A visão de que as pressões de preço têm por causa o excesso de demanda, implica diagnosticar o excesso de gasto público como um fator responsável pela elevação da inflação. Assim, na atual conjuntura, a manutenção do crescimento do PIB é interpretada como causa da inflação, levando a políticas de austeridade monetária e fiscal. Esse raciocínio é bastante incoerente, por pelo menos três razões.

Em primeiro lugar, interpretar a dinâmica inflacionaria no período recente requer considerar que a economia brasileira é uma economia periférica, ou seja, emissora de moeda com baixa conversibilidade, o que implica subordinação ao fluxo de capitais internacional. Com elevado grau de abertura aos fluxos financeiros internacionais, a taxa de câmbio apresenta elevada volatilidade, o que impacta na formação de preços domésticos. Movimentos acentuados na taxa de câmbio são, em grande medida, resultado de instabilidade no cenário internacional, como ocorrido no segundo semestre de 2024. A mudança na direção dos fluxos de capitais, sobre os quais o país não tem nenhum controle, pressiona o câmbio e consequentemente os preços domésticos, independente dos fundamentos da economia.

Em segundo lugar, as recorrentes crises climáticas provocam choques de oferta e pressionam preços pela via dos custos, em especial dos alimentos. Em 2024, as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul, as queimadas que afetaram vastas regiões do país, além das longas estiagens, têm impacto sobre a produção de alimentos, restringindo a oferta.

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Em terceiro lugar, a desvalorização do real frente ao dólar como no ano passado, impacta positivamente a dinâmica das exportações brasileiras. Com o dólar valorizado, o exportador se beneficia com a venda para o mercado externo ao invés da comercialização no mercado nacional, o que reduz a oferta doméstica, pressionando preços internos.

Assim, o cenário inflacionário atual está muito pressionado tanto pelo câmbio, dado o elevado grau de abertura da economia e pela especialização de nossa pauta exportadora em commodities, como pela crise climática, e portanto, atribuir ao excesso de demanda, em especial de gasto público, é um diagnóstico que não identifica as reais causas da pressão inflacionária. O diagnóstico falho impede delinear os melhores instrumentos para o combate à inflação no curto prazo.

Além disso, o regime de metas inflacionárias adotado no Brasil é gerido de forma excessivamente conservadora. A meta de inflação de 3%, estabelecida pelo Copom em meados de 2024 é apontada por muitos especialistas como irreal. Não tem como referência a média histórica de inflação brasileira que, desde a implantação do regime de metas de inflação, é de 6,5%. A consequência de se perseguir uma meta tão baixa condena a economia brasileira, na melhor das hipóteses, a uma performance tipo “voo da galinha”.

O receituário ortodoxo para combater a inflação e a elevação das expectativas inflacionárias é elevar a taxa básica de juros. Com a meta de inflação estabelecida em patamar excessivamente baixo, a manutenção de elevados níveis de taxa de juros reais está contratado. Ora, se o diagnóstico de curto prazo para a aceleração inflação é inadequado, pois se abstrai da posição subordinada da economia brasileira no sistema financeiro internacional e dos efeitos duradouras da transição climática sobre uma economia especializada na exploração de bens intensivos em recursos naturais, o efeito da manutenção de elevada taxa real de juros compromete o desempenho da economia a longo prazo. A transição climática demanda elevados investimento para descarbonizar a economia e para a implementação de tecnologias para o uso mais eficiente e racional de recursos ambientais. Mas como investir em transformação produtiva com a taxa de juros real em patamar elevado?

Mais ainda, como os investimentos em transição climática carregam um alto grau de incerteza, o investimento público deveria liderar o processo de retomada e sustentação do investimento agregado. Ou seja, o investimento em infraestrutura promovido pelo setor público seria o componente de demanda mais adequado para liderar o processo de transformação produtiva na direção da descarbonização e maior eficiência no uso dos recursos naturais. A longo prazo, tal movimento deve contribuir de forma positiva para o controle da inflação. Porém, o espaço fiscal para o governo gastar em investimentos estruturantes é limitado, tendo em vista o custo imposto sobre a dívida pública pela elevada taxa de juros.

Para se recuperar a capacidade de crescer de forma sustentada, um novo arranjo de política econômica deve ser implementado. O objetivo do novo arranjo seria ampliar o espaço da política econômica por meio da coordenação das políticas monetária, fiscal (no sentido amplo, incorporando a política tributária, de subsídios e a política de gasto público) e cambial para recuperar a capacidade do Estado em gastar em projetos transformadores da estrutura produtiva. Nesse sentido, a política monetária, coordenada com a política fiscal, deveria conduzir a política de juros que desestimulasse o rentismo e não comprometesse a capacidade de endividamento público. A coordenação de política exitosa alimentaria expectativas empresariais positivas sobre o desempenho futuro da economia, garantido a sustentação do pleno emprego com estabilidade de preços.

Em conclusão, um cenário de crescimento do tipo “voo da galinha” é típico de uma economia periférica, integrada financeiramente, onde o avanço dos interesses financeiros predomina. Isto explica o foco na estabilidade de preços e uma política de austeridade fiscal permanente. Resta saber até quando o atual modelo de política econômica se sustenta, frente à necessidade urgente de transformação produtiva para o enfrentamento das crises climáticas.

Carmem Feijó- Professora titular na Universidade Federal Fluminense, pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia da UFF, pesquisadora de pós-doutorado do programa CAPES/PIPD e pesquisadora do Finde/UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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Last Update: 20/02/2025