Ao voltar à Casa Branca para exercer o seu segundo mandato presidencial, Donald Trump mostrou que as tradições, os protocolos e os costumes ordinários relativos ao cargo que exerce podem não ser impeditivos para a realização das suas vontades. 

Da semana passada para cá, o republicano vem demonstrando mais abertamente a pouca atenção que dá a essas barreiras, ao convocar agentes da Guarda Nacional para conter manifestações na Califórnia. A medida, que contraria a autoridade do governador californiano, Gavin Newsom, é rara na história moderna dos Estados Unidos.

Uma decisão dessa natureza, em tese, deve ser justificada por uma necessidade de igual importância. Para a administração Trump, esse é o caso. Os protestos em Los Angeles – que ganharam força e partiram a cidades como São Francisco, Atlanta, Nova York e Chicago – são contrários a um dos pilares do governo republicano: suas políticas anti-imigração ilegal.

A origem dos protestos

Desde a noite de terça-feira 10, a prefeitura de Los Angeles impôs um toque de recolher, válido até o início desta quarta-feira 11. A medida foi necessária por conta dos tumultos na cidade, inflamados pelos conflitos na Rodovia 101, em que policiais usaram cassetetes para afastar manifestantes.

Os policiais têm feito prisões em massa de manifestantes, segundo relatos da imprensa local. Estima-se que quase 200 prisões tenham sido feitas só na terça-feira, o que levaria o total de presos para a casa dos 400.

Mas nem sempre os protestos tiveram esse nível de tensão. Tudo começou na última sexta-feira 6, quando os policiais de imigração fizeram batidas contra supostos imigrantes ilegais na cidade. Vídeos daquela tarde mostram manifestantes se reunindo em frente a um depósito de roupas que era alvo de agentes da imigração, tentando parar os veículos dos policiais. 

A insatisfação foi ganhando força, assim como a contrariedade dos agentes de segurança. Só na sexta-feira, quase 50 pessoas foram presas nos protestos, que se espalharam pelo centro da cidade e em direção a outros bairros.

Um deles foi o bairro de Paramount, ao sul de Los Angeles, já no sábado 7. A região é conhecida pela grande concentração de imigrantes latinos, já que, segundo o Censo norte-americano, cerca de 81% dos mais de 51 mil residentes de lá são hispânicos, enquanto 36% nasceram em outro país. 

Protestos crescem

Tratando em perspectiva, os protestos iniciados na semana passada são reações não apenas às ações pontuais da polícia na sexta-feira, mas ao conjunto da obra da ferrenha política anti-imigração de Trump. 

Embora ainda não existam dados consolidados sobre as deportações promovidas pelo governo até o momento, o secretário de fronteira da Casa Branca, Tom Homan, confirmou em abril que o número de deportados já tinha superado a casa dos 130 mil. 

Não são poucos, porém, os relatos que mostram que algumas dessas deportações têm sido feitas sob critérios nebulosos. Há casos em que cidadãos teriam sido expulsos dos EUA sem aviso prévio. Há, ainda, casos de deportados que não têm histórico criminal.

Em outros termos, Trump vem avançando na sua política de tratar o imigrante como uma espécie de ‘inimigo’, inflamando no imaginário norte-americano a noção de que aquele que vem de fora representa uma ameaça, seja à segurança pública ou aos empregos na indústria.

Gasolina na fogueira

Voltando a Los Angeles, a atuação rigorosa da polícia motivou mais protestos. No último final de semana, as ordens de dispersão foram pouco frutíferas. A polícia seguiu usando balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral. 

Dessa maneira, as ações foram se desencadeando. Elas, de fato, partiram das batidas policiais, mas foram se intensificando à medida que o próprio governo Trump dobrou a aposta ao decidir pelo envio de tropas federais.

Esse grupo de manifestantes que se formou não é, necessariamente, homogêneo. Há, por exemplo, quem tenha ido se manifestar justamente por conta do envio de tropas, segundo relato de analistas de inteligência da polícia à canais norte-americanos, como a CNN

Em números totais, o governo Trump já enviou 4 mil soldados da Guarda Nacional para a região, além de outros 700 fuzileiros navais. Newson, desde o começo das ações, não tem poupado críticas às decisões de Washington, dizendo que o envio de tropas seria uma “fantasia tresloucada de um presidente ditatorial”.

Não há indicativo de que esse modo de atuação do governo republicano terá um freio. Exemplo disso é que há uma expectativa de que membros da Guarda Nacional do Texas sejam mobilizados já nesta semana, segundo confirmou o governador Greg Abbott. Isso se deve ao fato de que existem manifestações planejadas para os próximos dias.

Trump quer mais prisões

Do ponto de vista político, a Casa Branca tem demonstrado insatisfação com o ritmo atual das prisões de imigrantes. Stephen Miller, vice-chefe de Gabinete, já disse que espera que o Serviço de Imigração (ICE, na sigla em inglês) alcance cerca de 3 mil prisões por dias. 

Nos primeiros 100 dias do segundo governo Trump, a média diária era de cerca de 660 prisões, segundo o governo. Esse número, inclusive, está no mesmo patamar do que foi registrado durante a gestão do democrata Joe Biden. 

“Não estou satisfeito com os números”, já disse Homan, conhecido como “czar da fronteira”. “Precisamos aumentar”, declarou a autoridade, dizendo que o aumento na equipe o faz esperar “rápido crescimento do número de prisões”. 

A segurança dos EUA justifica as detenções recentes pelo fato de que os imigrantes seriam pessoas condenadas por crimes sexuais, roubos e delitos ligados a drogas. Manifestantes contrários às prisões, por outro lado, questionam o fato de que as prisões dividiram famílias e que, na prática, vários imigrantes não violentos foram presos. 

O impacto para o governo

Ainda é cedo para se saber os efeitos da crise atual sobre a imagem política de Trump. Entretanto, não é de hoje que, de modo geral, a população norte-americana não é unânime no apoio às políticas anti-imigração do republicano.

Segundo pesquisa CBS/YouGov, divulgada antes do início dos protestos, 54% da população dos EUA apoia a política de deportação do governo. Além disso, 42% dizem que se sentem mais seguros por conta das deportações, enquanto 30% afirmam que estão menos seguros e 27% acham que nada muda. 

O desenrolar dessa história mostrará com mais clareza os efeitos dos protestos sobre a percepção dos norte-americanos sobre o governo, especialmente porque Trump, no seu embate com o governador da Califórnia, ganhou um adversário político com quem decidiu polarizar.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 11/06/2025