As redes sociais foram criadas para democratizar a informação e conectar pessoas globalmente. No entanto, ao longo do tempo, elas se tornaram ferramentas de polarização, desinformação e manipulação emocional. As bolhas digitais, criadas por algoritmos que priorizam o engajamento acima de tudo, moldam percepções, limitam debates plurais e distorcem realidades.
Ao DCM, especialistas em direito, ciência política, linguística, análise de geopolítica e figuras públicas compartilham suas visões sobre o impacto das bolhas digitais na sociedade. Em destaque, as narrativas polarizadoras e o enfraquecimento da democracia causado por desinformação amplificada algoritmicamente.
A mecânica das bolhas digitais
As bolhas digitais, também conhecidas como “echo chambers”, formam-se quando algoritmos personalizam conteúdos com base em interações anteriores dos usuários. “Essas bolhas criam uma falsa ideia de debate multiplural, mas, na verdade, são espaços onde ideias semelhantes são repetidas incessantemente”, explicou Emerson Palmieri, cientista político da USP.
Embora possam oferecer benefícios como recomendações úteis – exemplificadas por plataformas como a Netflix –, Palmieri argumenta que, no campo político, os efeitos das bolhas são nocivos. “Os algoritmos amplificam conteúdos sensacionalistas, polarizando ainda mais os usuários”, afirmou.
O papel dos algoritmos na amplificação do extremismo
Vinícios Betiol, mestre em Geopolítica pela UERJ e autor do livro A Arte da Guerra Online, destacou o papel dos algoritmos na amplificação de conteúdos extremistas: “Os algoritmos maximizam a atenção dos usuários ao priorizar conteúdos que provocam emoções fortes, como medo e revolta. Esse engajamento prolongado é lucrativo para as plataformas”.
Durante tragédias, como a pandemia, essa lógica tornou-se ainda mais evidente. Segundo Betiol, “as fake news têm como objetivo manipular emoções para criar heróis falsos ou vilões políticos. Elas viralizam rapidamente porque apelam aos sentimentos humanos em momentos de vulnerabilidade, e os algoritmos amplificam isso por reconhecerem o aumento no engajamento”.
Impactos jurídicos e democráticos
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas e fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), ressaltou a necessidade urgente de regulamentar as plataformas digitais. “A liberdade de expressão não pode ser usada como um escudo para crimes ou desinformação”, afirmou. Ele propôs acordos de cooperação técnica entre partidos, plataformas e tribunais eleitorais como uma solução viável para enfrentar os desafios das eleições. “É necessário impor punições pedagógicas e rápidas para evitar a proliferação de conteúdos nocivos”.
Pedro Serrano, jurista e professor de Direito Constitucional, destacou a importância de diferenciar repressão e censura. “A repressão deve se concentrar em casos de má-fé ou dolo, onde há intenção deliberada de enganar. Medidas preventivas, como censura prévia, devem ser evitadas para proteger a liberdade de expressão”, explicou Serrano. Ele também defendeu a remoção de conteúdos apenas em situações extremas, como riscos à saúde pública ou à democracia.
O impacto pessoal: arrependimento e ruptura
Victor Panchorra, ex-candidato ao cargo de Deputado Estadual pelo PSL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro até 2019, compartilhou sua experiência com a manipulação política. “Meus amigos me apresentaram ao Bolsonaro como alguém contra a corrupção. Mas, ao investigar mais profundamente, percebi incoerências em seu discurso”, revelou. Ele explicou que, ao questionar as alianças políticas do ex-presidente durante a campanha de 2018, foi isolado por antigos aliados. “Perdi muitos amigos e fui taxado de comunista simplesmente por discordar”.
Panchorra apontou a desinformação como uma das razões de sua adesão inicial ao bolsonarismo. “O maior arrependimento que tenho é ter acreditado na Lava Jato e pensado que Lula era culpado. Foi só ao estudar a sentença de Moro que percebi os erros”, confessou.
A manipulação psicológica nas redes
Letícia Sallorenzo, doutoranda em linguística pela UnB, descreveu como a manipulação emocional sustenta as bolhas digitais. “A extrema direita manipula medos e inseguranças para cooptar pessoas, criando o que chamo de ‘chantagem psicológica’. Não se trata de debate de ideias, mas de exploração emocional”, afirmou. “Quando você escuta algo zilhões de vezes por dia, você passa a acreditar nisso como verdade. Essas bolhas digitais cancelam o debate e nos transformam em reféns de uma única narrativa”.
Sallorenzo destacou o papel do viés de confirmação, que leva indivíduos a buscar informações que reforcem suas crenças preexistentes. “Se uma pessoa acredita que Lula é ladrão, ela ignora qualquer evidência contrária. As redes sociais criam um ambiente perfeito para isso”.
A urgência de regulamentação
Rogério Anitablian, analista de geopolítica, alertou para o uso das redes sociais como ferramentas de desestabilização política em guerras híbridas. “Essas plataformas são controladas por interesses estrangeiros e podem ser usadas para fomentar divisões internas. A regulamentação dessas redes é uma questão de segurança nacional”, afirmou.
Anitablian citou exemplos internacionais, como a tentativa dos EUA de controlar o TikTok, para ilustrar os riscos associados à falta de regulamentação. “Se não regularmos, continuaremos vulneráveis a manipulações externas que enfraquecem nossa democracia”, alertou.
O desafio de quebrar as bolhas
Hugo Albuquerque, advogado, cientista político e editor da Autonomia Literária, descreveu as redes sociais como “o inferno em sua forma pura”, devido ao controle de algoritmos por corporações trilionárias. Ele argumentou que a concentração de poder em gigantes como Meta e Twitter ameaça a soberania nacional. “Precisamos de uma legislação que regule as plataformas digitais, mas isso só será possível com uma gestão democrática e transparente”, afirmou.
Albuquerque também destacou o impacto das bolhas nas eleições. “Os algoritmos amplificam ideologias extremas, moldando percepções e eliminando a possibilidade de debate plural”, explicou.
As bolhas digitais não são apenas um problema tecnológico, mas um fenômeno social que redefine a maneira como enxergamos o mundo e interagimos com a sociedade. O impacto vai além da desinformação, alcançando a própria estrutura democrática. Como afirmou Marco Aurélio de Carvalho: “Precisamos de punições rápidas e