A Escócia tem mais de 125 anos de experiência com o sionismo.
Durante esse tempo, muitos milhares de sionistas vieram, passaram, viveram ou se estabeleceram nas cidades e vilas da Escócia. Alguns foram além depois de deixar o país; outros acabaram na Palestina ocupada como colonos, muitas vezes ingressando nas forças de ocupação israelenses, diretamente envolvidas na limpeza étnica e em crimes de guerra contra o povo palestino.
Compreender essas redes não é apenas uma curiosidade histórica: é essencial para entender os fundamentos sociais do sionismo e, portanto, as estratégias necessárias para desmantelar esse movimento.
Para começar, é importante apresentar um escritor cuja formação ocorreu em Glasgow. Sua vida e sua obra ajudam a iluminar a estrutura fechada, insular e auto-reforçadora da burguesia sionistas na Escócia. Seu nome era Chaim Bermant.
Chaim Bermant e a lógica do Cousinhood
Chaim Bermant (1929–1998) viveu boa parte de sua infância em Glasgow, onde foi profundamente influenciado pela atmosfera sionista da cidade. Nascido em Braslaw, Polônia (hoje parte da Bielorrússia), Bermant chegou a Glasgow aos oito anos de idade.
Estudou na Queen’s Park Secondary School, na Glasgow Yeshiva e mais tarde formou-se em economia na Universidade de Glasgow, prosseguindo seus estudos na London School of Economics (LSE).
Entre 1964 e 1966, foi editor de reportagens especiais do Jewish Chronicle, veículo central do movimento sionista britânico.
Ao longo de sua carreira, escreveu romances, memórias e obras de não ficção, entre elas dois livros fundamentais sobre a elite judaica britânica: “The Cousinhood: The Anglo-Jewish Gentry” (1971) e “The Jews” (1977).
No final da década de 1990, o centro do movimento sionista em Giffnock, bairro de Glasgow, prestou homenagem a Bermant renomeando seu Centro de Recursos Judaicos como Biblioteca Chaim Bermant, título que manteve entre 1997 e 2010. Isso revela a reverência que Bermant possui dentro do sionismo escocês.
O livro “The Cousinhood”, um estudo clássico sobre a elite anglo-judaica, originalmente intitulado “Gentry” e depois atualizado para “Aristocracy”, inicia com uma genealogia que explica a formação dessa oligarquia:
“No início havia Levi Barent Cohen, um comerciante de Amsterdã que se estabeleceu em Londres em 1770. Cohen prosperou e multiplicou-se, tendo seis filhos e seis filhas. Um filho casou-se com uma sobrinha de Abraham Goldsmid, amigo de Nelson e Pitt e o principal corretor financeiro de sua época. Uma filha casou-se com Nathan Meyer Rothschild, fundador da filial inglesa da dinastia bancária Rothschild; outra filha casou-se com Moses Montefiore, comerciante e corretor. Outro filho e filha casaram-se com uma filha e um filho de Moisés Samuel, banqueiro e corretor. Um terceiro filho casou-se com uma neta de Samuel, e um quarto filho casou-se com uma irmã de Montefiore, cujo irmão, por sua vez, casou-se com uma irmã de Rothschild. Assim surgiu o Cousinhood, uma união compacta de irmãos exclusivos, com sangue e dinheiro circulando em um pequeno círculo, que se abria de tempos em tempos para admitir um Beddington, um Montagu, um Franklin, um Sassoon, ou qualquer outro que atingisse posição ou fortuna — e depois se fechava novamente.”
Esse padrão de casamentos cruzados e de relações familiares fechadas é refletido diretamente na formação do movimento sionista na Escócia. Embora outros atores tenham desempenhado papéis relevantes, aproximadamente 40 a 50 famílias sionistas escocesas forneceram os principais recursos financeiros e humanos para organizar, financiar e dirigir o movimento.
Essas famílias, somadas a outros agentes influentes, compõem cerca de 500 pessoas, representando aproximadamente 10% da população judaica escocesa total, que, segundo o censo de 2022, é de 5.847 pessoas.
Atualmente, Glasgow abriga a maior comunidade judaica da Escócia. A cidade oferece a mais ampla rede de serviços, instituições comunitárias e organizações vinculadas ao movimento sionista, permanecendo até hoje como seu centro nevrálgico no país.
Em 1947, a publicação “The Jewish Year Book” estimava que cerca de 15.000 judeus viviam em Glasgow, representando 75% da população judaica escocesa. Em contraste, Edimburgo possuía apenas cerca de 1.500 judeus — um décimo desse número.
De acordo com o censo mais recente, 1.511 judeus vivem em East Renfrewshire, área que inclui grande parte do sul de Glasgow, e outros 973 na própria cidade de Glasgow. Essas duas áreas representam 42% da comunidade judaica escocesa atual.
Ao longo das décadas, a população judaica da Escócia diminuiu significativamente, saindo de um pico de 20.000 pessoas nas décadas de 1940 e 1950 para os números atuais. Ainda assim, a liderança ativa do movimento sionista representa cerca de 20% da comunidade judaica de Glasgow — um índice extremamente alto, considerando os padrões organizativos tradicionais.
A família Goldberg tem sido historicamente a família sionista mais proeminente da Escócia.
Entre outras atividades, foram os principais responsáveis pela criação, em 1963, do Glasgow Jewish Community Trust (GJCT), que funciona como um comitê organizador informal, porém central, para todo o movimento sionista na Escócia. Essa função permanece até hoje, mesmo após as muitas mudanças ocorridas nas últimas seis décadas.
A história dos Goldberg na Escócia começa com sua imigração da Lituânia, em meados do século XIX. O primeiro registro de nascimento de uma criança com o sobrenome Goldberg na Escócia data de 1856.
Desde então, de acordo com registros oficiais, foram mais de 400 nascimentos, cerca de 350 casamentos e mais de 360 mortes documentadas com o sobrenome Goldberg na Escócia.
Além de sua atuação no comércio, a família deixou uma marca duradoura no setor varejista, com lojas de departamento conhecidas por sua ostentação e impacto visual. A principal delas ficava no bairro Tollcross, em Edimburgo, e contava, inclusive, com um café e um zoológico no telhado — um local que, segundo o próprio autor do artigo, visitou diversas vezes quando criança, sem ter, na época, qualquer noção de que os donos daquele império comercial estavam diretamente envolvidos no financiamento do colonialismo racista na Palestina.
Nos anos 1930 e 1940, os Goldberg eram, sem dúvidas, a principal família do movimento sionista na Escócia. O patriarca, Abraham Goldberg, presidiu o movimento durante esse período, ao lado de outros empresários judeus igualmente influentes.
De acordo com a tese de Ben Braber (1992), intitulada “Integração de Imigrantes Judeus em Glasgow”, além de suas atividades comerciais na Escócia, Abraham Goldberg também tinha investimentos diretos na Palestina ocupada, incluindo a posse de laranjais e de uma fábrica de essência cítrica, elementos diretamente vinculados à expansão do projeto colonial sionista.
Seus filhos, Michael e Ephraim, assumiram os negócios da família em 1934. Pouco depois, em 1956, a família estabeleceu o Goldberg Family Charitable Trust, que continua ativo até hoje.
As demonstrações financeiras do Trust, referentes aos anos de 2016 a 2024, revelam que ele continua financiando diretamente organizações envolvidas na ocupação da Palestina, como: O New “Israel” Fund, a ORT (organização que, entre outras atividades, fornece treinamento para soldados israelenses em bases militares), o United Jewish “Israel” Appeal (UJIA), e as Abraham Initiatives, uma entidade que busca normalizar o sionismo no mundo ocidental, promovendo a aceitação do apartheid israelense.
Michael e Ephraim desempenharam um papel central não apenas na condução dos negócios, mas também na fundação do próprio Glasgow Jewish Community Trust, ao qual doaram propriedades, incluindo um antigo cinema que haviam adquirido especificamente para uso do movimento sionista.
O GJCT, como se sabe, tem servido como o comitê organizador central do sionismo na Escócia há mais de 60 anos.
Após a aposentadoria de Michael e Ephraim, seus descendentes assumiram o comando das operações filantrópicas e políticas da família. Entre eles estão: David Goldberg, Irene Goldberg, e Mark Goldberg.
Nenhuma outra família conseguiu colocar até cinco membros em posições de liderança dentro do GJCT, o que demonstra o grau de controle que a família exerce sobre a entidade e, por extensão, sobre o movimento sionista na Escócia.
É interessante observar que Mark Goldberg, embora mantenha sua própria fundação, direciona suas doações para causas consideradas “progressistas” dentro do próprio sionismo. Durante alguns anos, esteve associado ao chamado “setor de esquerda” do movimento sionista escocês e britânico, participando de organizações como o Glasgow Friends of Peace e o Glasgow Jewish Educational Forum — entidades que, apesar do verniz progressista, seguem comprometidas com a manutenção do projeto colonial israelense.
A família Links
A família Links está entre as famílias sionistas mais antigas e estabelecidas de Glasgow, na Escócia. O patriarca, Osias Links, chegou à Escócia na década de 1880, vindo de Ternopil, na época parte do Império Austro-Húngaro (hoje oeste da Ucrânia), onde já havia atividades proto-sionistas antes mesmo do estabelecimento formal do movimento.
Após a morte de Osias, em 1904, seu irmão Mayer Links imigrou para a Escócia em 1911.
Mayer Links atuava como comerciante de tecidos, lojista e agiota — uma combinação comum na época entre comerciantes judeus que, além do comércio, acumulavam riqueza através de empréstimos com juros.
Seus filhos, netos e bisnetos fizeram fortuna operando nos setores de empréstimos de dinheiro, comércio de trapos, imobiliário e, posteriormente, na indústria do lazer. Mais importante do que isso: desde sua chegada, a família desempenha um papel de liderança constante e central no movimento sionista de Glasgow.
O filho de Osias, Abraham Links, fundou, em 1907, a empresa A. Links and Co., sediada em Glasgow. Segundo o escritor e ativista sionista Ken Collins, Abraham foi, “por muitos anos, uma das principais figuras do sionismo de Glasgow”.
Por volta de 1912, Abraham Links passou a militar diretamente na luta pela imposição da língua hebraica como idioma central da comunidade judaica local, em detrimento do iídiche — uma meta fundamental do sionismo mundial da época, que buscava romper os laços culturais dos judeus com suas origens na Europa Oriental e reforçar a construção de uma identidade colonial na Palestina.
Ainda segundo Ken Collins, “em 1917, Abraham Links esteve envolvido na direção de uma reunião do Instituto Nacional Judaico e anteriormente havia participado ativamente da Sociedade de Amigos do Sionismo, além da Ordem dos Antigos Macabeus”, outra organização judaica sionista de relevância.
O filho de Mayer, Nathan Links, também era agiota. Em 1935, tornou-se tesoureiro da filial de Glasgow do Fundo Nacional Judaico (JNF), ao mesmo tempo em que seu primo, Abraham Mordechai Links, atuava como diretor da mesma entidade.
O nível de envolvimento da família Links com o sionismo ultrapassava a militância institucional e se manifestava, inclusive, nas organizações femininas sionistas. Em 1933, segundo Ben Braber, a Organização Sionista das Senhoras de Glasgow, mais tarde afiliada à WIZO, era dirigida por Selma Teitleman (posteriormente Selma Mann), mas seu comitê era composto majoritariamente por esposas de líderes comunitários bem conhecidos, como os próprios Goldberg e Links.
Essas senhoras realizavam constantes eventos sociais para arrecadação de fundos em prol do sionismo. Em um dos casos documentados, um “garden fête” (festa no jardim) foi realizado em 1933, na residência de Abraham Goldberg, no bairro de Pollokshields, e aberto por Abraham Links. Naquele ano, só esse grupo de senhoras arrecadou £482, dos quais £148 foram destinados à Federação Sionista Feminina e £277 ao JNF, diretamente financiando a colonização da Palestina.
A importância de Abraham Links para o movimento foi tamanha que ele foi eternizado em uma escultura criada por Benno Schotz, ele próprio um escultor e ativista sionista proeminente.
Em 1935, Abraham Links estabeleceu o primeiro escritório formal do Fundo Nacional Judaico em Glasgow, localizado na 6 Dixon Street. Esse escritório passou a ser conhecido como o Centro Sionista de Glasgow, servindo de sede para múltiplas organizações sionistas até meados da década de 1950.
A família Links permaneceu absolutamente central na liderança do movimento sionista desde então.
O filho de Abraham, Maurice Benzion Links, por exemplo, foi Secretário Honorário da filial de Glasgow do Vaad LumisMaan Habonim (hoje Habonim Dror, movimento de juventude sionista) em 1947 e 1952, além de ter presidido a filial local da British Technion Society, tornando-se presidente honorário em 1973, conforme registrado no Zionist Year Book.
Naquele mesmo ano, três membros da família Links ocupavam cargos de liderança no JNF de Glasgow:
Abraham Links era Presidente Honorário e Administrador;
Maurice Benzion Links era Presidente Conjunto do Comitê Azul e Branco, responsável por organizar eventos de arrecadação de fundos;
e David Nehemiah Links, irmão mais novo de Maurice, era Presidente do Comitê da Caixa, que gerenciava as tradicionais caixas azuis do JNF distribuídas nas residências judaicas para financiamento do colonialismo na Palestina.
Em 1951, Abraham era ainda Vice-Presidente do JNF, e entre 1963 e 1965, David Links atuou como Presidente dos Amigos de Glasgow da Universidade Hebraica de Jerusalém, tendo como Secretário Honorário Harold Sellyn, de outra família sionista central que será abordada adiante.
A esposa de Maurice, Irene (nascida Sotnick), também aparece registrada entre 1964 e 1973 como integrante de destaque do Grupo Rosa Wollstein da WIZO (Organização Sionista Internacional das Mulheres).
Em 1969, Maurice tornou-se Presidente da Comissão de Glasgow do JNF. Antes, em 1954, a família havia doado uma casa de três andares, localizada na 43 Queen Square, no bairro de Strathbungo, sul de Glasgow, para servir de sede do JNF. O prédio passou a se chamar Abraham Links House, em memória ao patriarca falecido no ano anterior.
Essa sede substituiu oficialmente a Dixon Street como centro do movimento sionista na cidade até o final dos anos 1990.
O neto de Abraham, David Samuel Links (filho de Maurice Benzion Links, nascido em 4 de julho de 1946), permanece até hoje como uma das figuras mais influentes do sionismo escocês.
Ele é atualmente Presidente e Diretor do KKL Scotland Charitable Trust, a filial escocesa do JNF, desde 2007. Seu irmão, Brian “Israel” Links (nascido em 1950), também ocupa cargos de direção.
Ambos ainda comandam a empresa familiar A. Links and Co., cuja atividade hoje é oficialmente registrada como “Atividades de clubes esportivos”. A família possui e administra dois salões de bilhar estilo americano e sinuca, localizados em Glasgow — um no centro da cidade e outro na região sul, acima do supermercado Co-op da Pollokshaws Road, em Shawlands, a poucos minutos de caminhada da antiga Abraham Links House.
Os irmãos Links também são diretores da empresa Reardon’s New City, que administra esses clubes. Suas respectivas esposas, Adalaine Corinne Links e Melanie Sara Links (nascida Maitles), também participam da administração dessas empresas.
A família Walton
Isidore Walton (1913–1979), patriarca da família Walton, foi um magnata do setor imobiliário e senhorio, além de figura-chave no financiamento e na organização do movimento sionista na Escócia.
Filho de Isaac Walton, que emigrou da Rússia para a Escócia no início do século XX, Isidore descendia de uma linhagem típica da migração judaica do Leste Europeu para o Reino Unido. Seu pai começou como “pedlar”, um vendedor ambulante nas Terras Altas da Escócia, antes de se estabelecer como negociante de propriedades.
Isidore transformou o negócio familiar em um verdadeiro império imobiliário, fundando a Scottish Metropolitan Property PLC (ScotMet), que, sob sua liderança, se tornou uma das maiores empresas de propriedades da Grã-Bretanha.
Ele também preparou seu filho, David Walton (nascido em agosto de 1943), para assumir o controle dos negócios desde muito jovem. Como o próprio David recordou em uma entrevista de 1990:
“Nas férias escolares, ele costumava me levar para olhar propriedades. Visitávamos os advogados locais e, no final, ele assinava algum contrato em um salão de chá ou sorveteria.”
O obituário de Isidore publicado no Jewish Chronicle, em 29 de junho de 1979, o descreve não apenas como um empresário de sucesso, mas também como um “sionista linha-dura”, comprometido com o financiamento e o fortalecimento das instituições sionistas.
Isidore foi o fundador do Isidore and David Walton Trust, hoje conhecido como Walton Foundation, uma instituição de caridade que, além de financiar causas sionistas, também influenciava diretamente universidades escocesas, como a de Glasgow e a de Strathclyde, onde financiou cadeiras acadêmicas em cardiologia e economia.
Por sua atuação, recebeu diplomas honorários e chegou a integrar a Corte da Universidade de Strathclyde, um órgão equivalente ao conselho diretor da instituição.
Na política, Isidore também era influente: foi vice-tesoureiro do Partido Conservador Escocês em 1967 e recebeu a condecoração de Comandante da Ordem do Império Britânico (CBE) em 1972.
Além disso, foi presidente vitalício da Glasgow Jewish Lads’ and Girls’ Brigade, uma organização de juventude sionista. Ele e sua esposa, Lena Walton (nascida Franklin), eram profundamente ativos na vida comunitária judaica, especialmente no financiamento de sinagogas, instituições educativas e na promoção da seita Chabad-Lubavitch, que tem sido alvo de críticas internacionais por seu envolvimento em práticas ligadas ao apartheid e ao genocídio na Palestina.
O apoio dos Walton ao Chabad-Lubavitch incluía, por exemplo, o financiamento de acampamentos diurnos para jovens em Glasgow, sob a direção do emissário local da seita, Rabbi Chaim Jacobs. De acordo com o Jewish Chronicle de 30 de julho de 1971, “nove líderes de Lubavitch de Londres vieram a Glasgow para auxiliar em um projeto lançado por Isidore Walton”.
David Walton assumiu responsabilidades na empresa desde muito jovem, tornando-se diretor aos 18 anos, em 1964, e, após a morte do pai, ocupou os cargos de presidente e diretor administrativo conjunto de 1979 até pelo menos 1986.
Sob sua liderança, o império imobiliário não apenas se manteve, como se expandiu. De acordo com o jornal The Herald, após a morte de Isidore, “embora o número de propriedades da carteira tenha sido reduzido de 700 para 200, o valor total aumentou de £60 milhões em 1979 para mais de £300 milhões em 1989”, com lucros anuais de £12,45 milhões no exercício de 1989/1990.
No auge, o portfólio da ScotMet incluía imóveis alugados para grandes empresas como British Airways, Boots, Marks & Spencer, John Menzies e Great Universal Stores. Isso demonstra que os Walton também mantinham fortes laços comerciais com outras famílias sionistas de destaque, como os Burtons (proprietários da rede de roupas Burton), os Marks, Sacher e Sieff (controladores da Marks & Spencer) e os Wolfson (então administradores da Great Universal Stores, hoje do grupo Next plc).
David e sua família também continuaram e expandiram o trabalho filantrópico iniciado por Isidore, com foco quase total em causas sionistas.
Embora os curadores das fundações de caridade na Escócia não sejam listados publicamente nos relatórios anuais, documentos financeiros revelam que David, sua esposa Carole e seus filhos, John e Michael, atuam como curadores. Essa informação é confirmada por registros corporativos que mostram que a fundação possui 100% das ações da empresa Lenmar Limited, cuja diretoria é composta pelos mesmos indivíduos.
Em 2023, essa empresa reportou ativos de quase £750 mil.
Seguindo os passos dos pais, David e Carole Walton continuam a ser benfeitores ativos do Chabad-Lubavitch, como demonstrado em eventos recentes. Uma fotografia mostra o casal participando de uma arrecadação de fundos para o Chabad, comemorando o 50º aniversário da seita em Glasgow, em 2019, e novamente cinco anos depois.
Em novembro de 2024, o salão da Sinagoga de Giffnock foi preenchido com 170 pessoas para celebrar 55 anos do Lubavitch na Escócia e 18 anos do serviço de catering kosher de Lieta Chaimetts. Segundo o Jewish Telegraph, os “convidados de honra foram os filantropos David e Carole Walton, que receberam uma menorá e um arranjo floral”.
A Walton Foundation também realizou, entre 2015 e 2023, uma série de doações a entidades diretamente ligadas ao sionismo, segundo documentos obtidos pelo autor sob a Lei de Liberdade de Informação da Escócia (OSCR). As organizações beneficiadas incluem: o Board of Deputies of British Jews, o United Jewish “Israel” Appeal (UJIA), o Friends of Lubavitch Scotland, e a Yoni Jesner Foundation, criada em homenagem a um membro de outra família central do “Primo do Sionismo Escocês”.
Atualmente (2024), David e Michael Walton também são curadores do Glasgow Jewish Community Trust (GJCT), o órgão central do sionismo escocês.
A família Sellyn
O patriarca da família Sellyn, Lazarus Sellyn, foi o fundador da Sellyn Brothers, uma rede de varejo de roupas femininas com lojas em diversas cidades do centro da Escócia. Seus filhos — Harold, Leonard e Jacob — não só deram continuidade aos negócios como também desempenharam papéis de liderança no movimento sionista escocês.
Jacob Sellyn, mais conhecido como Jack, foi co-presidente do Comitê de Glasgow do Palestine Joint Appeal (Apelo Conjunto à Palestina), de 1953 até pelo menos 1967. Este comitê era uma campanha de arrecadação de fundos que unificava os esforços do Fundo Nacional Judaico (JNF) e do Keren Hayesod (Jewish Agency) — duas das quatro principais instituições do movimento sionista mundial. Este organismo viria a se tornar, posteriormente, o United Jewish “Israel” Appeal (UJIA) Scotland, a maior organização de arrecadação de fundos sionista da Escócia.
O envolvimento da família Sellyn no ativismo sionista atravessa diversas gerações.
Em 1929, um registro no Jewish Echo, de 13 de setembro, mostra que um “L. Sellyn” contribuiu para o Palestine Emergency Fund, uma campanha coordenada pelo JNF e pela Jewish Agency para acelerar a colonização sionista na Palestina. O endereço registrado era 9 Princes Square, Glasgow, residência do patriarca Lazarus Sellyn.
Durante o século XX, todos os três irmãos — Leonard, Harold e Jacob — estavam profundamente enraizados nas estruturas institucionais do movimento sionista:
Leonard Sellyn foi, por muitos anos, presidente da Jewish Old Age Home for Scotland, hoje chamada Newark Care, como registram as edições de 4 de setembro de 1959 e 28 de fevereiro de 1969 do Jewish Chronicle.
Harold Sellyn foi co-presidente dos Glasgow Friends of the Hebrew University entre 1961 e 1968, conforme registros no Zionist Year Book de 1961 e 1964, além de notícia no Jewish Chronicle, de 5 de julho de 1968.
Jacob Sellyn (Jack) presidiu o Palestine Joint Appeal de Glasgow por toda a década de 1950 até o fim da década de 1960.
O envolvimento das mulheres da família também foi significativo:
Em 1961, Bernice Sellyn, irmã dos três, atuava como secretária honorária da Glasgow JNF Younger Commission, enquanto seu marido, Laurence Polli, era co-presidente do JNF Fellowship Group no mesmo ano.
Esse padrão de envolvimento familiar se estendia também ao campo esportivo e juvenil: Jonathan Sellyn foi premiado como “Man of the Match” na vitória do Reino Unido na Taça das Nações Maccabi da Europa de 1976. Georgina Sellyn, mais jovem, conquistou medalhas de prata e ouro no tênis nos Jogos Europeus Maccabiah de 2007, realizados em Roma. Em 2015, Lawrence e Felicia Sellyn conduziram a cerimônia de premiação do Glasgow Maccabi, entidade esportiva sionista. A esposa de Jack, Raie Sellyn, também esteve profundamente envolvida, por muitos anos, no Central Scottish WIZO Group, ramo da Organização Sionista Internacional das Mulheres, segundo notícia do Jewish Chronicle, de 4 de setembro de 1981.
O ativismo da família não se restringia ao meio comunitário judaico:
Em 1985, Samantha Sellyn, então presidente da Heriot-Watt University Jewish Society, em Edimburgo, ajudou a derrotar uma moção anti-sionista no campus, conforme reportagem do Jewish Chronicle, de 29 de novembro de 1985.
O envolvimento com o JNF também se manteve:
Marc Sellyn, filho de Leonard, permaneceu ativo na filial de Glasgow do JNF, aparecendo em vários eventos de arrecadação na década de 2000, como reportado pelo Jewish Chronicle, em 11 de dezembro de 2009.
Lawrence Sellyn, filho de Leonard, nascido em 1937, é contador formado e há décadas ocupa uma posição de liderança no aparato sionista escocês.
Em 2014, foi nomeado para o conselho da empresa GJCT Braidbar, responsável pela gestão de uma antiga pedreira — a Braidbar Quarry — cuja venda rendeu quase £1 milhão ao Glasgow Jewish Community Trust, dinheiro usado para financiar projetos sionistas.
Durante as décadas de 1980 e 1990, Lawrence também foi diretor da empresa Pear Properties, que permaneceu ativa até 2023. Sua primeira esposa, Renee, e sua filha, Samantha, também participaram da gestão da empresa.
Em 2005, Lawrence casou-se com sua segunda esposa, Felicia Gilbert, nascida em 1939, que, assim como ele, já havia sido casada anteriormente. Seu primeiro marido foi Lawrence Lewis, membro da poderosa família Lewis, um clã especializado no lucrativo setor de cobrança de dívidas, com sede em Glasgow — tema que será explorado em um artigo futuro.
Ambos, Felicia e Lawrence Lewis, foram profundamente envolvidos nesse negócio, incluindo sua atuação direta na agência de cobrança Scottish Bureau of Investigation, da qual Felicia só se desligou oficialmente em 1994.
Felicia também permanece ativa no movimento sionista, servindo como presidente do WIZO Scotland, coordenando os três ramos ainda ativos (ainda que de forma intermitente) da organização na Escócia: Pollokshields, Newton Mearns e Giffnock.
O site do WIZO descreve suas funções como “coordenar o trabalho dos grupos WIZO na Escócia e fornecer um fórum para discutir todos os assuntos relacionados à arrecadação de fundos para projetos em benefício de mulheres e crianças em “Israel””.
Lawrence Sellyn continua sendo uma figura-chave dentro do movimento sionista, atuando como diretor do Glasgow Jewish Community Trust (GJCT), onde também ocupou o cargo de secretário entre 1989 e 2007.
Como se estabelece o Primo do Sionismo Escocês
O que aqui chamamos de “Primo do Sionismo Escocês” foi estabelecido entre 1880 e 1960, a partir da consolidação dessas redes familiares, econômicas e institucionais.
A maioria das famílias que compõem esse clã fundacional — Goldberg, Links, Walton e Sellyn — permanece, até hoje, na linha de frente do movimento sionista na Escócia.
Com o passar das décadas, essa rede expandiu sua influência, reproduzindo sua lógica interna e ampliando seus círculos de poder, tanto dentro da comunidade judaica escocesa quanto na sociedade escocesa como um todo.
Famílias adicionais que fazem parte desse Cousinhood Sionista Escocês serão abordadas em artigos futuros.
Mas a relevância contemporânea dessa análise histórica é imediata e evidente:
Primeiro, porque as mesmas famílias que construíram o movimento sionista há mais de um século seguem diretamente envolvidas, hoje, na promoção do genocídio do povo palestino, como revelado pela sua atuação no Glasgow Jewish Community Trust.
Segundo, porque o envolvimento dessas famílias na sociedade escocesa, com posições de poder nos setores empresarial, político e acadêmico, mostra que o projeto sionista não é externo, mas intrinsecamente enraizado nas elites locais.
Terceiro, porque os dados aqui apresentados apontam para algo mais profundo e inquietante: as redes sionistas não estão restritas à Escócia. Elas estão presentes em todos os setores da sociedade britânica, em toda a Europa Ocidental, nos Estados Unidos e em diversos outros países do mundo capitalista.