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Por Raiara Pires¹
Da Página do MST
O acordo entre o bloco do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e a União Europeia (UE, atualmente com 27 países) iniciou seu desenho ainda nos anos 1990, não escondendo seu “DNA” neoliberal, que no Brasil já dava o tom em muitas políticas.
As negociações deste acordo ocorreram sob sigilo e com a exclusão da participação popular nos mais de 20 anos em que está sendo traçado. Nesse longo espaço de tempo, ele passou muitos anos parado em tratativas, sendo que os termos do acordo apresentados em 2019 foram definidos essencialmente durante os governos de Jair Bolsonaro, no Brasil, e de Mauricio Macri, na Argentina.
A partir desse texto, a equipe diplomática do governo Lula propôs a revisão de alguns aspectos, mas não alteram a essência da estrutura neocolonial do acordo. Nesse sentido, urge compreender a magnitude das violações sociais previstas e ainda analisar os impactos diferenciados sobre os sujeitos, especificamente, a ameaça aos direitos das mulheres, em especial as mulheres do campo, das águas e das florestas.
O pilar comercial do acordo reitera assimetrias históricas, uma vez que estabelece tarifas externas desfavoráveis aos povos sul-americanos, favorecendo a velha troca de bens minerais e agrícolas, produzidos pelo MERCOSUL por mercadorias industrializadas da Europa, como veículos, máquinas e agrotóxicos.
A liberalização de direitos aduaneiros² demonstra ser um instrumento geopolítico da Europa, que busca outros mercados diante da prevalência das economias chinesa e estadunidense. Isso se traduz, nos territórios latino-americanos, em demanda de expansão da fronteira do agronegócio e da mineração sobre os biomas e territórios ocupados pelos povos das águas, do campo e das florestas.
Ademais, os impactos desta relação colonialista foram analisados por pesquisadores da Universidade de Boston (2021)³, e os resultados do estudo apontam para o aprofundamento da desindustrialização e do desemprego nos países do MERCOSUL, situação que agrava a desigualdade e a insegurança social, política e alimentar. Assim, a especialização na exportação de matéria-prima coloca os países do Atlântico Sul em condição de vulnerabilidade e dependência tecnológica.
Esse cenário, proporcionado por acordos de livre comércio, impõe um conjunto de violações e retrocessos a conquistas importantes das mulheres, que em momentos de crise do trabalho são as primeiras a serem demitidas do quadro de funcionários das empresas. No campo, a voracidade extrativista e do agronegócio e seu decorrente potencial de degradação da natureza favorecem a poluição e o adoecimento das comunidades, sobrecarregando as mulheres com demandas de trabalho reprodutivo. Além disso, o deslocamento forçado de populações inteiras para ceder lugar aos megaprojetos desconsidera as mulheres como sujeitos políticos no processo de negociação de indenizações.
No entanto, está nas mulheres o vetor de resistência. Elas organizam reuniões nas comunidades, promovem formações e ocupam as ruas! Foram as mulheres que assumiram um papel importante nos embates que levaram à suspensão do projeto imperialista da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – em 2005, em Mar del Plata, e seguem impulsionando a luta contra o capital.
No contexto atual, o acordo MERCOSUL-União Europeia se encontra em fase de revisão legal do texto, antes de ser traduzido. O acordo ainda não foi assinado! Para assinatura, ele precisa passar por votação no Parlamento Europeu e ser autorizado pelo Conselho da UE (sendo necessários o apoio de 15 países que representem 65% da população da Comunidade). Com essas etapas concluídas, obter-se-ia autorização para a assinatura do acordo.
Mas não sem resistência!
As mulheres seguem em marcha, denunciando as violências, os crimes ambientais, lutando contra o saqueio dos bens comuns, contra a assinatura e ratificação de acordos que, como este, seguem enchendo as galés do Norte Global com nossas riquezas às custas do massacre dos povos. As mulheres se mantêm em luta permanente, reivindicando mais uma vez a bandeira da soberania popular!
¹ Raiara Pires é integrante do Movimento pela Soberania Popular da Mineração (MAM)
² Os direitos aduaneiros são impostos cobrados sobre a circulação de bens e capitais, através das fronteiras de um país. Eles são cobrados nas alfândegas e têm como objetivo a proteção da economia nacional e a obtenção de receitas fiscais.
³ “Sustainability Impact Assessment in Support of the Association Agreement Negotiations between the European Union and Mercosur”. Disponível aqui.
*Editado por Fernanda Alcântara