Greta Thunberg e Thiago Ávila. Foto: Reprodução

O DCM entrevistou Thiago Ávila, ativista brasileiro que ganhou grande destaque internacional ao integrar a tripulação do navio Madleen, uma das embarcações da Freedom Flotilla enviadas para a Faixa de Gaza com suprimentos humanitários. A missão visava romper simbolicamente o bloqueio israelense, em companhia de outros ativistas de diversos países, incluindo a ambientalista sueca Greta Thunberg.

O SIONISMO É PIOR QUE O CAPITALISMO, O NAZISMO, O FASCISMO E O APARTHEID

A entidade sionista de Israel consegue ser pior e mais cruel do que a etapa capitalista do sistema em que a gente vive. A entidade sionista é um sistema racista, supremacista; de fato, é, nos dias de hoje, algo comparável ao nazismo, ao fascismo e ao apartheid da África do Sul.

Em todos os momentos em que Israel se viu em uma correlação de forças desfavorável, seja de opinião pública ou de manutenção dos seus aliados estratégicos na Europa ou nos EUA, a forma de escapar dessa situação foi escalar — provocando e atacando os vizinhos para se colocar em uma posição de vítima, contando assim que os países do Norte Global, que, embora estejam cada vez mais críticos ao genocídio cometido contra o povo palestino, ainda mantêm aliança estratégica via OTAN e o Complexo Industrial Militar, o qual sustenta Israel, inclusive mantendo o racismo contra os povos árabes e persas.

Quantas vezes, depois da Flotilha da Liberdade e da Marcha Global para Gaza, o cerco e o genocídio de Israel contra o povo palestino foram topo de notícias na mídia hegemônica? Então, Israel tem conseguido o seu objetivo, que é esconder o massacre que promove e empurrar os Estados Unidos para uma guerra contra o Irã, o que beneficia Israel.

Se fosse por Trump, não seria esse o momento de entrar em tensão com os iranianos, mas Israel vai empurrando os EUA para o centro do conflito.

O SEQUESTRO DA FLOTILHA DA LIBERDADE POR ISRAEL

A Meta bloqueava nossas lives, então só tínhamos como publicar vídeos picotados. Eles nos interceptaram e inviabilizaram nosso sistema de navegação, estando nós a mais de 100 milhas náuticas de Gaza. Foi nesse momento que vimos os drones se aproximando e, depois, duas lanchas rápidas nos cercaram; já à noite, havia mais três embarcações militares à nossa frente. Tentávamos pedir socorro pelo rádio, mas eles interceptavam o sinal e ficavam falando qualquer coisa para atrapalhar a mensagem. Então, os drones vieram para cima de nós e começaram a produzir luzes e sons, além de despejar aqueles elementos químicos, uma espécie de tinta branca e um pó preto, nos forçando a entrar no cockpit. Quando bateu 2 horas da manhã, eles tomaram nosso barco.

Das outras vezes, fizeram uso de violência na tomada dos nossos barcos, exceto em 2016 e dessa vez. Nessas duas situações, o que eles promoveram foi uma manobra publicitária e, em vez de nos torturar, agredir, negar comida, água e banheiro, entregaram pão e água em frente às câmeras. Porém, por trás dos soldados que filmavam, estavam outros com fuzis apontados para nós. Nos sequestraram em águas internacionais, cometendo crime internacional, conforme prevê a lei dos mares, e desrespeitaram as liminares da Corte Internacional de Justiça que proíbe Israel de parar qualquer comboio humanitário para Gaza.

Passamos mais de 20 horas sob custódia do governo israelense em alto-mar e, depois, mais quatro dias detidos em prisões comuns. Eu fiquei ainda mais dois dias em uma solitária, até que fomos deportados para nossos países de origem.

A gente se prepara para quatro cenários quando assume a missão da Flotilha: ser derrotado ainda no porto, sem conseguir partir por conta da guerra burocrática; ser sequestrado; ser atacado — como aconteceu há um mês e meio, quando drones israelenses bombardearam nossa embarcação, e há 15 anos, quando assassinaram dez tripulantes nossos no barco —; e o quarto cenário é conseguir chegar a Gaza e cumprir nossa missão. Desses quatro macrocenários, três são de violações contra nós, envolvendo risco de vida concreto.

Vontade de nos matar, sem dúvida nenhuma, eles tinham e ainda têm, mas a visibilidade de fazer isso sem romper relações com diversos países estratégicos, que tinham cidadãos no nosso barco, também com o Parlamento Europeu, já que havia uma parlamentar europeia, ou ainda com a consciência do mundo, por conta do grande alcance de pessoas como a Greta, impediu. Eles não conseguiram pagar esse preço e adotaram a estratégia de não nos matar. Optaram, então, por nos sequestrar, violar e tentar ridicularizar.

A PRISÃO NAS MASMORRAS DE ISRAEL

Dos doze tripulantes, decidimos que quatro iriam de volta para seus países para contar a história e os oito que ficaram foram conduzidos para a unidade prisional de Giv’on, sendo seis homens e duas mulheres, separados. Logo no primeiro dia, tivemos audiência de custódia com uma juíza. Eu fui o primeiro a ser ouvido e ela decidiu aplicar-me uma medida disciplinar por conta de eu me negar a comer e beber água, e então fui conduzido para a cela da solitária.

Me neguei a comer e beber, pois não seria justo. Enquanto negam comida ao povo palestino e matam crianças de fome em Gaza, e enquanto há mais de dez mil palestinos — sendo 400 crianças — nas masmorras de Israel, eu não teria interesse de comer, já que ofereciam a mim e negavam a eles.

O ambiente era muito precário. Quem bebeu água, bebeu água contaminada; havia percevejos, baratas, ratos. Eles faziam barulho a todo instante, mandavam as pessoas levantarem, havia muito grito, barulho de agressão. As algemas foram colocadas nos pulsos e tornozelos, bem fechadas, para cortar a circulação. Me empurraram, me jogaram na parede e falaram: “Bem-vindo a Israel.”

Fiquei um dia, uma noite e mais um dia na solitária, até ser levado ao aeroporto para o processo de deportação.

O IRÃ ESTÁ SOZINHO NA GUERRA CONTRA ISRAEL E OS EUA

É importante que a gente reflita que já são 21 meses desde que Israel escalou o genocídio contra o povo palestino — genocídio esse de limpeza étnica, que já vem acontecendo há oito décadas. Nesse período recente, dos últimos 21 meses de escalada em sentido material e militar, quem se colocou contra esse avanço foram as organizações do Eixo da Resistência: o Hezbollah, no Líbano; as milícias do Iraque e da Síria; a própria República Islâmica do Irã; e o Ansar Allah, no Iêmen. Essas organizações se colocaram ao lado da Palestina no sentido militar, enquanto outros povos e nações se colocaram de outras formas: no sentido econômico, diplomático e em posicionamentos.

Só que, gradativamente, essas organizações foram tendo uma série de derrotas — exceto o Ansar Allah, no Iêmen, que não se pode dizer que sofreu uma derrota significativa. Todas as demais tiveram derrotas consistentes, com Israel “decapitando” os movimentos ao matar as principais lideranças, além de provocar desestabilizações e ataques diretos. O Irã, por exemplo, teve assassinados, nesse período de menos de dois anos, um presidente, dois ministros das Relações Exteriores e duas lideranças da Guarda Revolucionária Iraniana. Então, diante desses danos causados a essas organizações, é improvável que tenham capacidade de intervenção muito direta em suporte ao Irã. O Hezbollah, por exemplo, já declarou que não retaliaria Israel.

Em outra frente, China e Rússia apostam na desescalada desse enfrentamento, pois ambos sabem que, quanto mais se adiar a situação de confronto militar direto com os EUA — aos moldes de uma terceira guerra mundial —, mais se beneficiam, uma vez que seguem crescendo economicamente, rompendo barreiras tecnológicas e, ao mesmo tempo, ampliando seus cinturões comerciais.

Ou seja, o Irã está mais sozinho do que deveria neste momento.

 A AJUDA PODE VIR DO PAQUISTÃO

Ainda que seja um país menor no sentido da correlação de forças na região, o Paquistão tem 172 ogivas nucleares e já declarou que responderia caso fossem utilizadas armas nucleares contra o Irã. O Paquistão também é alvo de ataques muito fortes do imperialismo, já tendo sofrido deposição de presidentes, guerra híbrida, bombardeios e ataques num recorte de tempo das últimas duas décadas.

A ÍNDIA TRAI O ANTI-IMPERIALISMO

A Índia tinha tudo para ser uma potência decisiva nesse processo de emancipação do Sul Global, mas não é esse o caminho que tem adotado, haja vista suas relações estratégicas com os EUA e com o sionismo israelense, que colocam a Índia em uma situação regressiva, ocupando um eixo central no processo geopolítico, econômico e logístico do corredor formado a partir da Índia, passando pelo Oriente Médio, pela Arábia Saudita e países do Golfo Pérsico, precisando de Israel como porta de entrada para a Europa, colocando a Índia, assim, muito mais do lado do imperialismo do que ao lado dos países que buscam emancipação. 

A AMÉRICA DO SUL É UM ALVO FÁCILA

A América Latina é ponto estratégico — e o Brasil, então, nem se fala. O Brasil tem 1/7 da água potável disponível em forma líquida do mundo, os dois maiores aquíferos, o maior rio do mundo, a maior floresta tropical, a maior potência para energias renováveis, todas as terras raras e tantos bens comuns da natureza. Isso faz com que, na escalada dos conflitos globais, a América Latina e o Brasil sejam alvos relativamente fáceis, pois não temos tradição nem estrutura de complexo industrial militar.

São governos e democracias frágeis, limitadas e incompletas, que acabam muito suscetíveis à guerra híbrida, fazendo daqui um prato cheio para o imperialismo. Esse contexto todo deveria fazer com que os governos da América Latina se posicionassem fortemente contra isso, mas, em vez de estarmos em uma caminhada em busca de soberania, como foi no início do século, vemos governos acuados diante da conjuntura internacional.

A PRÓXIMA MISSÃO DA FLOTILHA DA LIBERDADE

A gente precisa abrir esse corredor humanitário. Não dá para dizer que a Flotilha foi uma derrota completa, porque milhões ou bilhões de pessoas acompanharam o que a gente estava fazendo, descobriram que Gaza vive um cerco há 18 anos, que crianças morrem de fome e, cada vez mais, criaram coragem para se mobilizar contra isso. Ao nos atacar, eles estão expondo a própria crueldade, e isso implica na derrota moral do sionismo, que é parte importante da derrota concreta e material do sionismo. A gente precisa continuar forçando. Ações diretas não violentas e desobediência civil têm esse papel. Vamos seguir com as Flotilhas — com mais força, mais barcos, mais gente, mais alcance social — até o momento em que Israel não consiga mais deter.

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Last Update: 24/06/2025