Um ano após lançamento de política nacional, país contabiliza avanços, mas não deve alcançar todos os objetivos da OMS

Os próximos anos serão decisivos para as quase 200 nações que fazem parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) darem um salto importante no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Até 2030, elas estabeleceram metas de eliminação das chamadas doenças negligenciadas, normalmente ligadas à desigualdade, pobreza, falta de acesso e estrutura básica de vida.

Nessa lista estão as doenças preveníveis por vacinação, infecciosas e zoonoses, doenças transmitidas por vetores, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites e doenças que passam de mãe para filho.

Para cada um dos países que assinaram o compromisso, o desafio é diferente e encara obstáculos próprios, relacionados às condições de desenvolvimento dos territórios.

Em entrevista ao podcast Repórter SUS, o diretor do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, Draurio Barreira, afirmou que o Brasil tem uma lista de 11 doenças e cinco infecções que ainda precisa extinguir para cumprir as metas.

“Cada país tem as suas doenças prevalentes. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) fez um plano para eliminar 30 doenças. A maioria dessas doenças nós já não temos (no Brasil). São doenças das condições mais precárias de vida e da dificuldade de acesso aos direitos humanos básicos, como educação, moradia, transporte e alimentação.”

O foco principal, no entanto, é o mesmo, lidar com a possibilidade de eliminação em quatro dimensões: interrupção da transmissão endêmica, fim da mortalidade, da morbidade e da incapacidade causadas por esses males.

Há um ano, o governo federal lançou uma política intersetorial para atingir os objetivos. O Programa Brasil Saudável envolve 14 ministérios e estabelece mecanismos para eliminação das doenças determinadas socialmente.

“É importante que se diga que várias dessas doenças, sete delas, não existem mais no hemisfério norte, não existem nos países ricos, só existem em países pobres ou em desenvolvimento, que é o nosso caso. Estando entre as dez maiores economias do mundo, é inadmissível que o Brasil ainda tenha doenças da pobreza”, destaca Draurio Barreira.

O que avançou e o que ainda falta

Já no primeiro ano de execução da política, o Brasil conseguiu certificar a eliminação da filariose linfática, conhecida como elefantíase. Ela é causada por um verme transmitido por picada de mosquitos infectados e, ainda hoje, é uma das maiores causas mundiais de incapacitação física.

A área endêmica em território nacional estava restrita a apenas quatro municípios da Região Metropolitana de Recife (PE): a própria capital, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista. O último caso foi relatado em 2017, mas somente no governo atual foi realizado o processo de comprovação para atestar a eliminação.

Um dossiê foi submetido à Opas e à OMS, provando a total ausência de transmissão da doença. Agora, a doença não é mais considerada um problema de saúde pública para o país.

Para 2025, a expectativa é de eliminação do tracoma e da transmissão vertical (de mãe para bebês) do HIV. No primeiro caso, o foco dos trabalhos é o território Yanomami, onde a doença ainda persiste, segundo informações de Barreira.

A doença inflamatória ocular é causada pela bactéria Chlamydia trachomatis. Ela está fortemente associada a áreas com alta concentração de pobreza, saneamento básico inadequado e falta de acesso à água potável.

A transmissão do tracoma ocorre principalmente por contato direto de pessoa a pessoa, por meio secreções oculares ou nasofaríngeas e objetos contaminados, como toalhas, lençóis e fronhas. Crianças são particularmente suscetíveis à infecção e à reinfecção. A prevenção envolve medidas de higiene pessoal e descarte adequado de lixo.

Já a eliminação da transmissão vertical do HIV depende de estratégias colocadas em prática durante a gestação, o parto e o período de amamentação. Todas as gestantes e seus parceiros sexuais devem ser testadas para infecções sexualmente transmissíveis nesses períodos.

Segundo Barreira, o Brasil já atingiu a meta e está em processo de certificação para comprovar que a transmissão vertical do HIV está dentro do limite pactuado com a OMS. Atualmente, mais de 150 municípios com mais de 100 mil habitantes contam com certificação pela eliminação ou selo de boas práticas para HIV, sífilis e/ou hepatite B.

Para as hepatites virais, o plano é acelerar os processos de controle com objetivo de cumprimento da meta até 2030. O foco é diagnosticar 90% dos casos, tratar 80% e reduzir em 65% a mortalidade pela doença, além de eliminar a transmissão vertical.

Os maiores desafios estão concentrados na garantia da qualidade da linha de cuidados para populações vulnerabilizadas. As hepatites virais afetam pessoas que enfrentam barreiras para o acesso aos serviços de saúde e às estratégias de prevenção e promoção da saúde, diagnóstico, tratamento para a cura ou supressão viral.

No entanto, algumas metas estabelecidas não serão cumpridas até 2030. “Provavelmente nós não conseguiríamos atingir a eliminação de três das 11 doenças. Não por coincidência, são as três mais antigas e as três mais fortemente ligadas aos determinantes sociais: tuberculose, hanseníase e a sífilis“, aponta Draurio Barreira ao Repórter SUS.

Nesses casos, o objetivo é reduzir drasticamente a incidência dessas doenças e minimizar os impactos para a saúde pública. “Por que não conseguimos acabar com essas doenças? Justamente porque elas são determinadas pela pobreza”, alerta o diretor.

Segundo ele, essas situações exigem rigidez nas soluções intersetoriais. O combate não é só à doença, mas também à desigualdade. Para enfrentar o desafio estão em discussão, por exemplo, ações com o Ministério da Justiça para implementação de políticas específicas nos presídios contra a tuberculose. Esses locais concentram grande parte das infecções registradas no país.

Há também pactuações com os ministérios do Desenvolvimento Social e das Cidades a fim de atender à população em situação de rua, mais suscetível a diversas dessas doenças.

“Estamos articulando programas sociais e sinérgicos para melhorar as condições de vida das pessoas e conseguir, se não eliminar, reduzir drasticamente essas doenças”, conclui Barreira.

O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. Novos programas são lançados todas as semanas. Ouça aqui os episódios anteriores.

Informações: Brasil de Fato.

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Last Update: 13/02/2025