A desconexão entre a política e o interesse social tem pavimentado o caminho para líderes carismáticos que prometem romper com o sistema. Como chegamos a esse ponto e os riscos de perpetuar esse ciclo.
Todo mundo achou que o Brasil só cresceria com alguém mais moderado. E assim, mais uma vez, desenterraram a folclórica terceira via. E agora chega São Paulo e mostra que a delinquência e selvageria seguem no interesse dos eleitores de direita.
O Brasil parece estar em uma eterna busca pelo “salvador da pátria”, aquele que promete varrer toda a sujeira da política com a mesma eficácia de quem varre o pó para debaixo do tapete. Desde as manifestações de 2013, quando milhões saíram às ruas clamando por mais ética e menos corrupção, o que temos visto é uma sequência de personagens que se vendem como outsiders, aqueles que, supostamente, estão fora do sistema, mas que, na prática, parecem estar mais interessados em quebrar tudo do que em construir algo que realmente funcione.
O que estamos vendo em São Paulo é a prova de que, apesar das expectativas de uma direita mais moderada, a preferência do eleitorado ainda recai sobre figuras que prometem uma ruptura radical com o sistema atual. Esse fenômeno não é novo; ele se alimenta de uma lógica de destruição, onde o objetivo não é construir ou reformar políticas públicas, mas sim destruir o que está posto, sem propor algo concreto e viável para substituir.
A lógica da destruição: quando destruir é mais fácil que construir
E quem precisa de construção quando se tem a destruição? Esse parece ser o mantra dos antipolíticos, como nosso já conhecido “Líder” e o novo queridinho dos insatisfeitos, Pablo Marçal, o coach e ex-membro de quadrilha. Por que se preocupar em formular políticas públicas que possam realmente fazer a diferença quando se pode simplesmente prometer acabar com tudo que está aí?
A lógica é simples e sedutora: destruir o sistema, porque ele é o culpado por todos os males do Brasil. Mas, e depois de destruí-lo, o que sobra? Ah, isso não importa. O importante é a catarse coletiva, o prazer de ver o sistema atual ruir, mesmo que não haja nada de concreto para colocar no lugar. E é justamente aí que mora o perigo: soluções simples para problemas complexos não apenas falham em resolver esses problemas, mas também criam novos – e muito piores.
A terceira via ou a velha cantilena?
O discurso da terceira via, que volta e meia é ressuscitado das profundezas do folclore político brasileiro, é outro exemplo clássico. A ideia de que uma nova figura, supostamente moderada e racional, poderá finalmente trazer a paz e a prosperidade ao país, sem se manchar com a sujeira da política tradicional, é tão atraente quanto ilusória. E, mais uma vez, São Paulo nos mostra que a aposta da direita continua na selvageria e na delinquência política, onde figuras radicais ganham a preferência de um eleitorado sedento por soluções fáceis.
Essa preferência por outsiders radicais só aprofunda a crise de representatividade. Ao invés de buscar soluções que de fato possam melhorar o país, os eleitores se voltam para aqueles que prometem uma ruptura total com o sistema, sem se preocupar com o que virá depois. E o que virá depois, se esses outsiders forem levados a sério, não será nada bonito.
O Brasil já viu os efeitos de soluções simplistas para problemas complexos, e eles raramente resultaram em melhorias. Movimentos antipolíticos, ao se concentrarem em atender aos interesses de grupos mais radicalizados e estridentes, ignoram a complexidade das questões sociais, econômicas e políticas que precisam ser abordadas. Isso não só perpetua a crise de representatividade, mas também cria novas crises – na economia, na segurança pública e até mesmo na própria estrutura democrática do país.
O papel da esquerda e a moderação
Nesse cenário, a esquerda brasileira também enfrenta desafios significativos. Pressionada pela ascensão da extrema direita e pelo crescimento da antipolítica, muitos partidos de esquerda adotaram uma postura mais moderada, na tentativa de atrair eleitores do centro e se posicionar como uma alternativa mais “racional” e “moderada” em comparação à direita. No entanto, ao fazer isso, esses partidos muitas vezes abandonaram suas bandeiras históricas, como o combate às desigualdades sociais e a promoção de justiça social.
Essa moderação foi percebida por muitos de seus apoiadores como uma traição às suas causas, o que resultou em um afastamento de parte de sua base eleitoral. A esquerda, que tradicionalmente se apresentava como a voz das classes populares e dos movimentos sociais, passou a ser vista como mais do mesmo, incapaz de promover as mudanças profundas que o Brasil necessita. Isso contribuiu para o fortalecimento da antipolítica e para a ascensão de figuras como Pablo Marçal, que prometem fazer o que os partidos de esquerda não conseguiram: uma verdadeira revolução na política.
A armadilha das soluções fáceis
Não é de hoje que vemos a tentação de acreditar que problemas complexos podem ser resolvidos com respostas simplórias. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, embora este autor tenha diversas ressalvar e críticas, é inegável que a ideia nasceu de um desejo legítimo da sociedade. Mas, recentemente, o Senado resolveu que talvez seja melhor dar um “jeitinho” nas regras de inelegibilidade, tornando-as mais brandas. Afinal, quem precisa de ética quando se pode simplesmente flexibilizar a lei e deixar que os fichas-sujas voltem ao jogo?
Esse tipo de manobra não só reforça a ideia de que o sistema político está irremediavelmente quebrado, mas também aprofunda a crise de representatividade. Afinal, se nem as leis que nasceram da pressão popular são respeitadas, o que resta ao eleitorado além de buscar soluções radicais? E é aí que os outsiders entram em cena, prometendo acabar com tudo que está aí – mas sem oferecer nada de concreto em troca.
O ciclo vicioso da destruição
A cada novo ciclo eleitoral, o Brasil se vê preso em um círculo vicioso: os eleitores, frustrados com as promessas não cumpridas dos líderes anteriores, se voltam para figuras que prometem mudanças radicais. Mas, em vez de quebrar o ciclo, esses líderes acabam por reproduzir as mesmas práticas que criticavam, perpetuando a crise de representatividade.
E assim, continuamos a eleger “Líderes” e “Coaches”, figuras que, apesar de todo o barulho que fazem, pouco ou nada oferecem em termos de soluções reais para os problemas do país. No fim, tudo o que resta é a frustração e a desilusão, enquanto o Brasil continua à deriva, sem uma liderança que realmente represente os interesses de sua população.
A crise de representatividade, se não for enfrentada de maneira eficaz, vai continuar a alimentar a antipolítica e a promover a ascensão de líderes que, longe de resolverem os problemas do país, podem agravá-los ainda mais. O risco é que, ao perpetuar esse ciclo de desilusão e frustração, o Brasil acabe elegendo líderes cada vez mais afastados dos interesses populares, o que poderia levar a um enfraquecimento ainda maior das instituições democráticas.
Para romper com esse ciclo, é fundamental que a classe política reconheça a profundidade da crise de representatividade e tome medidas concretas para reconquistar a confiança dos eleitores. Isso passa por reformas que aproximem os representantes dos eleitores, por uma maior transparência na política e por um compromisso real com as demandas populares. Somente assim será possível fortalecer a democracia brasileira e garantir que ela sirva a todos os cidadãos, e não apenas a uma pequena elite política.
O que resta depois da destruição?
Se continuarmos a seguir por esse caminho, o que restará do Brasil? A destruição, por si só, não constrói nada. E os antipolíticos, com toda a sua retórica incendiária, nada mais fazem do que alimentar a desesperança e a frustração da população. Se não houver uma mudança de rumo, se não começarmos a valorizar a construção e a formulação de políticas públicas que realmente atendam aos interesses da sociedade, continuaremos presos nesse ciclo de destruição e reconstrução superficial, onde nada de concreto é feito para melhorar a vida dos brasileiros.
O Brasil precisa de líderes que sejam mais do que apenas destruidores. Precisamos de pessoas comprometidas com a construção de um país melhor, que compreendam a complexidade dos problemas que enfrentamos e que estejam dispostas a trabalhar para resolvê-los, em vez de simplesmente prometê-los soluções mágicas e ilusórias. Caso contrário, continuaremos a eleger “Líderes” e “Coaches” que, no fim das contas, nada mais fazem do que perpetuar o caos e a crise que tanto prometem acabar.