
Cinquenta anos atrás, as ruas de Leningrado me ensinaram uma lição: se uma luta é inevitável, ataque primeiro.” Essa frase, dita por Vladimir Putin ao jornalista Oleg Blotsky, poderia soar como uma justificativa para a invasão da Ucrânia, mas foi registrada em 2015.
O próprio Putin associava sua infância ao filme The Sandpit Generals, adaptação de Capitães da Areia, de Jorge Amado. Em uma de suas autobiografias, ele foi ainda mais direto:
“Afinal, cresci no pátio, onde a autoafirmação de uma criança se manifesta de outra forma. Viver no pátio era como viver na selva. Era muito parecido. A vida na rua era, por si só, muito livre. Exatamente como no filme Capitães da Areia. Para nós, era o mesmo. Talvez a única diferença fosse o clima. Em Capitães, fazia mais calor. Lá, a garotada se reunia na praia. Mas, no restante, era tudo igual.”
O filme, uma produção americana rodada em Salvador em 1969, fez sucesso quase exclusivamente na antiga União Soviética, onde estreou em 1973. A recepção foi tão grande que ampliou a fama de Jorge Amado e transformou a trilha sonora, Canção da Partida, de Dorival Caymmi, em um hit. O próprio Caymmi, aliás, interpretou o estivador João de Adão na produção.
“Tem em todas as livrarias daqui”, comenta a baiana Silvia Leticia, que mora na Rússia desde o ano passado. “Como é que um escritor da minha cidade é venerado do outro lado do mundo?”, questiona.
Seu marido, russo, já falava sobre a popularidade de Jorge Amado e do filme no país, mas Silvia só entendeu a real dimensão quando se mudou para lá. “Todo Natal passa na TV. No ano passado, foi exibido em horário nobre”, conta. “Entre o Natal e o Ano Novo, vi umas três vezes.”
O escritor baiano Ian Fraser se surpreendeu ao saber que Putin mencionou The Sandpit Generals como referência. “Você tá de brincadeira que ele falou isso”, reagiu. A surpresa tem uma explicação: sua avó, Marian Fraser, foi responsável por encontrar as locações para as filmagens. Americana, com experiência em teatro e cinema, ela acabou escalada para o papel de uma freira. Seus filhos, Elizabeth (mãe de Ian) e James, também participaram do filme.

“Quando Pedro Bala começa a revolução, no final do filme, uma das pessoas ali era minha mãe”, relembra Ian. Sua avó só descobriu a repercussão da obra na União Soviética décadas depois, quando uma pesquisadora russa foi a Salvador entrevistá-la.
Apaixonada por cinema, Marian Fraser viveu em Salvador desde os anos 1950 e ajudou a escolher o terreno da Escola Pan-Americana, voltada para filhos de americanos na cidade. Faleceu em 2018. “Minha avó ajudou muito nas filmagens na ilha, perto da casa que tínhamos lá. Pelo que lembro, foi uma época de festa”, resume Ian. Em agradecimento, o elenco do filme lhe presenteou com uma placa de metal autografada por todos. A peça segue guardada com Ian até hoje.
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