A primeira sessão do julgamento que decidirá se a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceita a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados por envolvimento na trama golpista foi marcada pela leitura do relatório e pela apresentação dos argumentos da Procuradoria-Geral da República e das defesas dos investigados.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, abriu os trabalhos dizendo que a suposta organização criminosa minou “os poderes constitucionais da opinião pública” e incitou “a violência contra as suas estruturas”, a com base na denúncia da PGR. “Autoridades públicas colocaram em risco iminente o pleno exercício dos poderes constitucionais”, frisou.
O procurador-geral Paulo Gonet usou a tribuna para detalhar a denúncia. Segundo ele, za organização “tinha como líderes Bolsonaro e o seu vice, o general Braga Netto”. “Todos aceitaram, estimularam e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra a existência e a independência dos Poderes”, disse o PGR.
Em seguida, foi a vez de os advogados dos acusados apresentarem os seus argumentos. Cada um teve direito a uma sustentação oral de quinze minutos. Em geral, rebateram os argumentos da PGR e tentaram negar a relação de seus clientes com os crimes imputados. Confira:
– Celso Sanchez Vilardi, advogado de Bolsonaro
Segundo o advogado do ex-presidente, Bolsonaro não teve participação na trama golpista. O ex-capitão, na verdade, teria contribuído para a transição do comando das Forças Armadas, ao fim de seu governo.
Vilardi cobrou a nulidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, negou que Bolsonaro tivesse culpa pelos ataques golpistas de 8 de Janeiro e pediu acesso às provas do processo.
“Enquanto a Polícia Federal fala ‘possivelmente’, enquanto a denúncia traz conjecturas, como a impressão de um documento no Palácio do Planalto, o fato concreto é que o acusado de liderar uma organização criminosa para dar golpes socorreu o ministro da Defesa nomeado pelo presidente Lula porque o comando militar não o atendia. Foi o presidente quem determinou a transição”, afirmou Vilardi. “Com o presidente não se achou absolutamente nada.”
Bolsonaro, por sua vez, aproveitou a sessão para ironizar o julgamento, ao qual assistiu in loco. O ex-presidente fez uma publicação na rede X com referência ao jogo entre Brasil e Argentina, que acontece na noite desta terça-feira 25: “Brasil e Argentina em campo hoje às 21h no Monumental de Núñez. Vamos torcer pelos nossos garotos voltarem com a vitória. Já no meu caso, o juiz apita contra antes mesmo do jogo começar… e ainda é o VAR, o bandeirinha, o técnico e o artilheiro do time adversário; tudo numa pessoa só”.
– Cezar Bitencourt, advogado de Mauro Cid
A defesa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, sustentou que o militar teria agido com “dignidade, grandeza e responsabilidade”, e que teria “o direito de receber o que merece”.
Cezar Bitencourt usou a tribuna para pedir aos ministros da Primeira Turma que rejeitem a denúncia contra Cid em razão do acordo de colaboração premiada já celebrado. “Ele apenas serviu à Justiça”, disse o advogado.
– José Luis Oliveira Lima, advogado de Walter Braga Netto
A defesa de Braga Netto, que está preso desde o final do ano passado, alegou que apenas recebeu documentos “despejados” referentes à denúncia e que não teve acesso às provas. Por causa disso, segundo o advogado, não foi possível analisar todo o conteúdo produzido pelos órgãos de investigação.
“A defesa está com os olhos cobertos, com a sua atuação cerceada. A defesa não teve a menor condição de analisar o que foi produzido”, argumentou o advogado. “Parece que a polícia já tinha uma narrativa e pronto. Para que ouvir a defesa?”, questionou. Assim como Bolsonaro, Braga Netto pede a anulação da delação premiada de Cid.
– Outros investigados
As defesas dos demais investigados seguiram uma linha argumentativa semelhante às já citadas.
Matheus Mayer Milanez, responsável pela defesa do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, chegou a dizer que as provas reunidas contra Heleno compõem um “terraplanismo” argumentativo.
“Eu recordo muito de uma série que está passando em um grande streaming em que cientistas querem chegar em uma conclusão e vão construindo provas para chegar nisso. O objetivo é provar que a Terra é plana e eles vão fazendo inúmeros estudos para se provar isso. Está sendo assim no presente caso, por isso falamos em ‘terraplanismo’ argumentativo”, disse.
Já a defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, a cargo do advogado Eumar Novacki, cobrou ‘imparcialidade’ do Supremo. “O que se espera da mais alta Corte do País é que ela aja sempre com isenção. Que jamais permita que discussões políticas, partidárias ou ideológicas contaminem suas decisões. Essa imparcialidade é fundamental para o Brasil”, afirmou. Ele também negou que Torres – secretário de Segurança Pública do Distrito Federal durante o 8 de Janeiro – tenha se omitido.
O advogado Demóstenes Torres, que faz a defesa de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, sustentou que a denúncia seria uma “invencionice”. Para ele, os então chefes do Exército (Marco Antônio Freire Gomes) e da Aeronáutica (Carlos de Almeida Baptista Junior) receberam tratamentos distintos ao conferido a Garnier. “Por que houve a presunção de inocência para os dois e aqui há uma presunção de condenação em relação ao almirante Garnier?”
A defesa de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, usou o argumento de que não faria sentido ele questionar as urnas eletrônicas, uma vez que o bolsonarista foi eleito deputado federal em 2022.
“O então presidente da República, desde 2018, vinha defendendo a tese de que teria sido eleito já no primeiro turno e que, em razão de alguma manobra na manipulação das urnas eletrônicas, teria sido compelido à disputa do segundo turno e efetivamente vencido as eleições”, afirmou Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, advogado de Ramagem.
Já a defesa do ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira sustentou que a denúncia não tem elementos que provem a ligação dele com o plano de golpe de Estado.