Uma mudança aparentemente sutil no Código de Ética dos deputados estaduais do Paraná pode pôr freio a uma série de denúncias contra o governador Ratinho Jr. (PSD) levadas pelo deputado do PT Renato Freitas ao plenário da Assembleia Legislativa (Alep). O parlamentar conversou sobre a proposta com CartaCapital.
A ação é orquestrada pelo presidente da Alep, Alexandre Curi (PSD), que nos bastidores tem trabalhado para ser o apadrinhado de Ratinho na disputa pelo governo do estado em 2026.
A proposta em linhas gerais pretende punir “discursos desrespeitosos” no Legislativo do Paraná e colocar na ‘geladeira’ deputados considerados radicais. A intenção é, além de impor uma censura prévia aos parlamentares, tentar acelerar processos de cassação que tramitam na Casa. O mais recente desses pedidos tem Renato Freitas como alvo.
“Essa presidência não vai admitir que fatos isolados, desrespeitosos, prejudiquem a imagem dessa Casa. A partir desse momento, todos os discursos desrespeitosos, agressivos, seja contra quem for, serão automaticamente enviados ao Conselho de Ética”, disse Curi ao anunciar o novo texto.
O novo Código em debate prevê uma ‘geladeira’ de até 180 dias antes mesmo da análise completa do caso no Conselho. Na prática, o deputado atingido com a punição ficará impedido de fazer pronunciamentos, terá sua atuação em comissões suspensas e estará proibido de apresentar projetos. Há brecha para o congelamento de recursos. “Vira um deputado mudo, sem prerrogativas”, sintetiza Freitas.
Outra mudança no Código de Ética que pode interferir na dinâmica de atuação da oposição na Alep é a derrubada de punições por injúria e imposição de sanções por “discurso desrespeitoso”. O novo termo é mais vago e, na prática, permitirá uma interpretação mais subjetiva daquilo que é dito pelos deputados.
“Será permitido ao chefe do Conselho de Ética interpretar da forma mais rigorosa para os inimigos e da forma mais amistosa e condescendente com os amigos do governador”, aponta Freitas ao comentar o assunto.
O deputado lembra a denúncia feita em plenário contra o então presidente da Assembleia Ademar Traiano (PSD), outro aliado de Ratinho na Casa. Na ocasião, Freitas revelou que o parlamentar havia admitido ter recebido propina e pagado multa para não ser punido. A acusação rendeu uma representação contra Freitas, encerrada após a apresentação de provas.
“Se aprovar esse novo Código, eu não poderia mais fazer essa denúncia, porque no momento que eu falasse que ele era corrupto, já me calariam e me deixariam até 180 dias sem prerrogativas, sem o direito de falar. Eu não teria a oportunidade de provar que o que eu falei era verdade”, exemplifica.
Ofensiva contra Ratinho Jr. motiva a manobra
Segundo Freitas, a sua cruzada contra Ratinho Jr. motivou a manobra parlamentar que visa atingir o seu mandato. O deputado acusa o governador do Paraná de ter se tornado cúmplice de assassinatos diante do aumento da violência policial no estado. A acusação foi feita na tribuna da Assembleia Legislativa e repetida em entrevista a CartaCapital.
Para o parlamentar, o governador optou por se tornar cúmplice dos crimes ao não agir para punir abusos. Freitas alega ainda que parte de Ratinho as ordens para o aumento da brutalidade nas ações policiais nas periferias do estado. “Ele está no comando, segundo a Constituição”, sustenta o deputado.
A Polícia Militar do Paraná é a sexta mais letal do Brasil, segundo dados do Ministério da Justiça. Ao todo, foram 260 mortes em intervenções policiais no estado em 2024. Na conta que considera o índice de mortes a cada 100 mil habitantes, o Paraná está em uma situação pior do que São Paulo. O estado do Sudeste tem 676 mortes, mas um índice de 1,76 mortes por 100 mil moradores, enquanto o estado do Sul chega a 2,76. A brutalidade de casos recentes aponta para uma tendência de agravamento dos dados ao final de 2025.
“Ratinho então se torna partícipe do crime porque ele tinha a condição de encerrar o mecanismo causal que gera essa consequência, a morte”, comenta Freitas. “Se esses assassinatos continuam acontecendo pelos mesmos autores e o governador não faz nada, obviamente ele é partícipe de um crime de assassinato ou de muitos crimes de assassinato”, insiste o petista.

O governador Ratinho Jr. (PSD) e o presidente da Alep, deputado Alexandre Curi (PSD).
Foto: Divulgação/Alep
Curi deixou claro, ao anunciar a elaboração do novo Código de Ética, que tinha o discurso de Freitas como um de seus alvos. “Respeito a crítica e o contraditório, mas é inaceitável chamar o governador de assassino sem nenhum fundamento”, afirmou o presidente da Alep na ocasião.
“Então foi um código sob medida para atingir a minha atuação em especial e isso não foi sequer camuflado”, denuncia Freitas. “Isso foi uma imposição de cima para baixo, que partiu do governador Ratinho e que teve na Assembleia, como sempre, um cartório que apenas referenda aquilo que ele decide. É muito grave”, afirma.
O governador, ao ser questionado recentemente sobre as declarações de Freitas, disse que críticas como as do deputado são feitas por “quem defende bandido”.
“Claro que as críticas acontecem muitas vezes de quem defende bandido. Nós defendemos o cidadão de bem. As nossas polícias estão aí à disposição e preparadas para isso. Cada vez mais a bandidagem vai espernear, porque nós estamos asfixiando a bandidagem no Paraná”, disse o governador em conversa com a rádio Banda B. “É bom espernear. E mais que espernear, é bom ir embora daqui, porque cada vez mais nós vamos pegar eles”, completou o político.
Assista a íntegra da entrevista: