Como a Justiça conduz a uma interrupção de gravidez adiada

Criança não é mãe: como a justiça leva ao aborto tardio

Menina estuprada quer interromper gestação desde abril. Recusa do hospital e duas negativas do TJ-GO arrastam gestação para 29 semanas

Por Maria Silva,  Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – Cebes

A menina de 13 anos impedida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) de interromper a gestação fruto de estupro chegou à 29ª semana, após tentar, desde a 18ª semana, realizar o aborto legal.

A gravidez da criança, que não frequentava escola regularmente e é acompanhada pelo Conselho Tutelar desde que denunciou abuso sexual pela primeira vez, aos 12 anos, foi descoberta em fevereiro em consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS).

A criança foi encaminhada ao Hospital Estadual da Mulher (Hemu) em maio, após acionar o Conselho Tutelar para ter acesso ao aborto legal, mas o pai recorreu à Justiça para impedir o procedimento.

A Justiça negou o atendimento à revelia da legislação, que desde 1940 assegura o direito de interromper gestação resultante de estupro.

A conduta da desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade e da juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva está sob investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

No caso de crianças até 13 anos, o estupro é presumido e não há limite de idade gestacional para a interrupção da gravidez ou necessidade de autorização judicial.

Decisão judicial divulgada pelo Intercept Brasil aponta que a Justiça autorizou a interrupção, mas usando técnicas que tentariam provocar sobrevida do feto – na prática, uma tentativa de parto antecipado, gerando um prematuro extremo de altíssimo risco.

A prematuridade é a principal causa de morte infantil global antes dos 5 anos de idade e está associada sequelas físicas e psicológicas. A segunda decisão, do dia 27 de junho, suspendeu qualquer interrupção.

Para os especialistas ouvidos no Cebes Debate, a demora no atendimento a vítimas de estupro é um projeto político.

Clinicamente simples, o aborto legal poderia ser feito com segurança na UBS nos estágios iniciais, mas é postergado deliberadamente pelo lobby antiaborto.

A professora Helena Paro, do serviço de abortamento legal da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), relata que a interrupção da gravidez é 14 vezes mais segura que o parto vaginal, quando realizada ou orientada por profissional qualificado.

“É claro que o aborto é mais seguro no início da gravidez, mas mesmo após as 22 semanas, o aborto assistido é mais seguro que o parto”, lembra.

A gestação na pré-adolescência é de alto risco, estando associada a aumento de morte materna, prematuridade extrema, violência doméstica e interrupção da escolarização.

“A gente não quer que ninguém ultrapasse 22 semanas. Os casos mais avançados são eles mesmos que provocam. Obstruem, de forma antiética, o acesso ao abortamento precoce. Nenhuma menina estuprada, nenhuma mulher estuprada, tem o sadismo de querer manter essa gravidez por mais tempo. Ela quer ajuda. Eles querem ter um ponto a partir do qual o aborto é proibido, para conseguirem e organizar e obstruir [o atendimento] até aquele ponto”, afirma Olímpio Moares, diretor médico da Universidade de Pernambuco.

A cada dois minutos, uma brasileira é estuprada. Apenas 8,5% dos casos chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Apesar disso, somente 2 mil chegam aos serviços de aborto legal no Brasil, majoritariamente crianças até 13 anos.

A campanha Criança não é Mãe lançou manifesto pelo fim da revitimização, tortura e violência institucional praticada pelo Judiciário contra meninas.

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