No Manifesto do Partido Comunista (1848), Karl Marx e Friedrich Engels demonstram que a ascensão da burguesia enquanto classe dominante é um longo processo histórico. Esta nova classe surge a partir da fuga dos servos para as cidades, se desenvolve a partir das Grandes Navegações e se consolida com o advento da grande indústria.

Cada etapa de desenvolvimento econômico da burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente.

No início de sua formação, durante a Idade Média, a burguesia surgiu como uma classe urbana em um mundo fundamentalmente rural e dominado pela nobreza feudal. Os burgueses eram artesãos, comerciantes e pequenos produtores que viviam nos burgos — núcleos urbanos que começavam a se desenvolver em torno de castelos, mosteiros e cruzamentos de rotas.

As cidades onde vivia esta burguesia incipiente estavam sob a autoridade de senhores feudais — nobres ou clérigos — que impunham tributos, taxas e restrições à vida econômica e cívica. A burguesia precisava pagar por direitos básicos, como comercializar, abrir mercados ou transitar por certos territórios, sendo assim politicamente oprimida e juridicamente dependente das estruturas feudais.

Os senhores feudais nomeavam juízes, cobravam pedágios e interferiam diretamente na organização da vida urbana. Os burgueses não podiam eleger seus representantes nem administrar livremente os seus assuntos; suas atividades estavam sujeitas ao arbítrio dos nobres. Nesse estágio, a burguesia começa a ser uma classe economicamente ativa, porém politicamente subordinada.

Com o crescimento das cidades, começou a surgir um movimento urbano de emancipação frente ao poder feudal: o das comunas medievais. Uma comuna era, basicamente, uma associação juramentada de habitantes da cidade — majoritariamente composta por burgueses — que se organizava para conquistar autonomia política e administrativa em relação ao senhor feudal que controlava aquela localidade. Esses burgueses formavam milícias armadas, criavam conselhos municipais e exigiam o direito de se autogovernar —  isto é, criar suas próprias leis, cobrar impostos municipais e julgar seus próprios conflitos.

Esse processo ocorreu de forma concreta em cidades como Florença, Milão, Gênova e Veneza (Itália), Bruges e Ghent (Bélgica) e Hamburgo e Lübeck (Alemanha). Nessas cidades, a burguesia conseguiu negociar ou mesmo impor, muitas vezes pela força, as “cartas comunais”, que formalizavam sua autogestão. Em alguns casos, isso envolveu lutas armadas contra senhores locais ou príncipes.

A auto-organização política dos burgueses coincidia com a auto-organização econômica. Na medida em que prosperava a atividade comercial nas cidades, os burgueses começavam a se organizar nas corporações de ofício.

Após conquistar certa autonomia dentro da estrutura feudal por meio das comunas, a burguesia passou a consolidar ainda mais seu poder em determinadas regiões da Europa. Em algumas cidades, o autogoverno municipal evoluiu até um ponto em que a autoridade feudal ou real foi completamente afastada, dando origem às cidades-repúblicas independentes. Nesses casos, a cidade deixava de ser apenas uma jurisdição parcialmente livre sob tutela de um senhor, e se tornava um Estado soberano por direito próprio. Governada por conselhos formados por representantes das corporações burguesas — comerciantes, banqueiros, artesãos —, a cidade passava a ter plenos poderes políticos: elegia seus governantes, administrava a justiça, organizava a defesa militar, controlava sua economia e até mantinha relações diplomáticas com outros Estados. Muitas dessas cidades cunhavam sua própria moeda, possuíam frotas navais, declaravam guerra e assinavam tratados — características típicas de Estados soberanos.

Apesar de sua força crescente, o poder das cidades-repúblicas era fragmentado e localizado. A ausência de uma autoridade central ampla impunha limitações ao alcance da burguesia, especialmente no plano do comércio de longa distância e da segurança territorial. Além disso, a constante ameaça de guerras entre senhores feudais, invasões estrangeiras e instabilidade política tornava os circuitos comerciais inseguros. Diante desse cenário, a burguesia percebeu que seus interesses econômicos — expansão dos mercados, unificação de moedas, liberdade de circulação e proteção jurídica — dependiam de um Estado centralizado que pudesse garantir ordem e coesão.

É assim que se estabelece uma aliança entre a burguesia e o poder monárquico. Os reis, que buscavam fortalecer sua autoridade frente à fragmentação feudal, viam na burguesia uma fonte essencial de financiamento para a unificação de seus territórios. A burguesia, por sua vez, via no rei uma força capaz de derrotar os senhores feudais, eliminar os obstáculos locais ao comércio e impor normas jurídicas comuns em todo o território. Essa colaboração mútua permitiu o nascimento das chamadas monarquias nacionais — Estados centralizados, com fronteiras definidas, administração unificada, exércitos permanentes e leis nacionais.

É neste período que a burguesia criará as condições para empreender as Grandes Navegações.

Nas monarquias nacionais, a sociedade era organizada em três ordens: o clero, a nobreza e o Terceiro Estado, no qual se incluía a burguesia. Apesar de sua crescente importância econômica, a burguesia encontrava-se juridicamente inferiorizada. Pagava pesados impostos, sustentava o aparelho estatal e não possuía representação política proporcional ao seu papel produtivo. A nobreza e o clero, por outro lado, gozavam de privilégios hereditários e isenções fiscais.

Com o avanço da economia mercantil, passa a vigorar o sistema de manufaturas, em que o trabalho era concentrado em grandes oficinas, sob o controle de um proprietário (industrial de médio porte) que financiava a matéria-prima. Essa nova dinâmica econômica ampliou o papel da burguesia como principal força produtiva da sociedade.

Com isso, a burguesia consolidou-se como um contrapeso estratégico à nobreza tradicional. Os monarcas absolutos, empenhados em concentrar poder e enfraquecer os velhos senhores feudais, passaram a recorrer frequentemente à burguesia para funções administrativas, jurídicas e financeiras. Burgueses letrados passaram a ocupar cargos importantes na burocracia real, nos tribunais e nas universidades. Banqueiros e comerciantes controlavam a arrecadação de impostos e financiavam guerras e empreendimentos coloniais. A coroa, ao confiar essas funções à burguesia, criava uma base de apoio alternativa à aristocracia e estreitava os laços com a classe que dominava a economia.

Apesar de não deter ainda o poder político pleno, essa etapa marca uma transformação fundamental: a burguesia deixa de ser apenas uma classe economicamente ativa e tributária para se tornar uma força política integrada ao funcionamento do Estado.

Com o progresso econômico do sistema de manufaturas, banqueiros burgueses passaram a emprestar grandes somas à Coroa, financiar expedições, construir arsenais navais e gerir sistemas complexos de arrecadação tributária. O Estado absoluto, embora formalmente aristocrático, só conseguia manter-se de pé graças ao financiamento burguês.

Nesse cenário, a burguesia consolidou o controle dos principais setores da economia: comércio externo, navegação, crédito público, manufatura, mineração e circulação monetária. Ela organizava companhias de comércio monopolistas (como a Companhia das Índias), acumulava lucros com o tráfico de escravos e a exploração colonial, e controlava as redes de abastecimento que ligavam a Europa à América, África e Ásia. Além disso, burgueses influentes ocupavam postos-chave na administração econômica do Estado — ainda que subordinados à autoridade régia. Essa presença nos bastidores do poder estatal fazia com que, mesmo sem ostentar coroas ou brasões, a burguesia fosse a verdadeira força motriz da riqueza e da governabilidade na Europa moderna.

Apesar de ser a classe dominante de fato na economia, a burguesia ainda não havia conquistado o domínio político formal. O Estado permanecia sob o comando de reis e de uma aristocracia que conservava seus privilégios de nascimento e seu prestígio social. Essa contradição — entre o controle econômico burguês e a falta de poder político — criava uma tensão que crescia com o tempo. À medida que sua riqueza aumentava, aumentava também sua frustração com os entraves do Antigo Regime. Era cada vez mais claro que a estrutura política vigente já não correspondia às novas forças sociais e produtivas da modernidade. A crise entre economia capitalista e política aristocrática preparava o terreno para as grandes revoluções que colocariam o Estado, enfim, sob a direção direta da burguesia.

Com o advento da grande indústria, a burguesia alcançou finalmente o patamar de classe dominante em todos os aspectos: não apenas econômica, como já vinha sendo desde a fase mercantil, mas também política e ideológica. A introdução das máquinas, o uso da energia a vapor e a produção em escala ampliada revolucionaram os modos de produzir e aceleraram a acumulação de capital.

Essas transformações materiais foram acompanhadas por mudanças políticas decisivas. Em diversos países europeus, e especialmente na Inglaterra e na França, a burguesia liderou revoluções que derrubaram as estruturas do Antigo Regime. A Revolução Inglesa do século XVII, a Revolução Francesa de 1789 e os movimentos liberais do século XIX expressaram, sob diferentes formas, a passagem do poder das mãos da aristocracia hereditária para os capitalistas. O resultado foi o surgimento do Estado representativo moderno, baseado em parlamentos eleitos, constituições, divisão de poderes e garantias civis — um modelo estatal que expressava juridicamente os interesses da classe burguesa enquanto dominante.

A partir desse ponto, o Estado moderno deixou de ser apenas um aparelho centralizado e eficiente que beneficia a burguesia de maneira indireta: ele passou a ser diretamente controlado por ela. Como afirmam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, o poder estatal torna-se, nesse estágio, “uma comissão que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa”. A burguesia, que antes negociava, influenciava e financiava o poder, agora o exerce em nome de seus próprios interesses, assumindo o comando efetivo da sociedade.

A constituição do Estado burguês será debatida na 53ª Universidade de Férias do Partido da Causa Operária (PCO), realizada em conjunto com o Acampamento da Aliança da Juventude Revolucionária (AJR) entre os dias 6 e 13 de julho.

O curso, intitulado A teoria marxista da revolução, será ministrado pelo presidente nacional do PCO, Rui Costa Pimenta, e é aberto a todos os interessados. Inscreva-se já, basta acessar unimarxista.org.br.

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Last Update: 20/06/2025