A velocista francesa Sounkamba Sylla alegou ter sido impedida de participar da cerimônia de abertura da Olimpíada de Paris usando o hijab, um acessório religioso tradicional para mulheres muçulmanas.
Segundo o jornal francês Le Parisien, o Comitê Olímpico Francês sugeriu que a atleta substituísse o hijab por um boné durante o desfile inaugural dos jogos. O Ministério do Esporte da França considerou que o “uso de sinal religioso ostensivo” não era compatível com o princípio de neutralidade do país.
Sylla, que faz parte das equipes de revezamento feminino e misto de 400 metros, aceitou a sugestão para poder participar da cerimônia.
Filha de imigrantes da Guiné, uma ex-colônia francesa de maioria muçulmana, a atleta já havia competido em eventos internacionais como os mundiais de atletismo de 2022 e 2023 usando o hijab.
Na França, a proibição do uso de hijabs está vinculada à aplicação do princípio da laïcité, que defende a neutralidade religiosa em espaços públicos.
O governo francês defende essas medidas como necessárias para manter a coesão social e a igualdade. Grupos de direitos humanos e comunidades muçulmanas, entretanto, argumentam que essas leis discriminam especificamente mulheres muçulmanas, restringindo sua liberdade de expressão e religião.
Essa não foi a primeira vez que Sylla enfrentou essa situação. Em competições anteriores, como o Campeonato Europeu deste ano em Roma, a atleta já havia substituído o hijab por um boné para atender a essa exigência.
Durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2011, ela também foi impedida de participar da cerimônia de abertura devido ao uso do hijab. Na época, a atleta recebeu apoio de colegas, incluindo Muhammad Abdallah Kounta, seu parceiro de revezamento, que criticou a situação nas redes sociais: “Liberdade, igualdade, fraternidade, eles dizem. Por favor, compartilhem isso. Isso não é normal.”
“Polícia de vestimentas” na França
A França, que abriga cerca de cinco milhões de muçulmanos — a maior comunidade islâmica da Europa Ocidental —, estima que aproximadamente duas mil mulheres usem véus que cobrem o rosto, deixando apenas uma pequena abertura para os olhos. Apesar do número relativamente pequeno, o governo francês afirma que a proibição conta com amplo apoio popular.
As autoridades francesas justificam a proibição do niqab tanto como uma defesa dos valores seculares do país quanto como uma medida de segurança, argumentando que o uso do véu dificulta a identificação das pessoas.
Em 2023, o país europeu se envolveu em outra controvérsia relacionada ao vestuário muçulmano, desta vez focada nas abayas, um tipo de vestimenta tradicional que passou a ser proibida em salas de aula.
A decisão é fundamentada na lei de 2004 que proíbe o uso de símbolos religiosos visíveis, como hijabs, cruzes cristãs, kippas judaicos, nas escolas.
A abaya é uma vestimenta longa e fluida que cobre o corpo da mulher dos ombros até os pés, exceto a cabeça, o pescoço, as mãos e os pés. A recente proibição do uso de abayas nas escolas foi celebrada por grupos de extrema-direita na França, conhecidos por suas posições anti-imigração.
Liberdade nas Olimpíadas
Nesta quarta-feira 14, o atleta francês Sasha Zhoya foi autorizado a desfilar de saia na cerimônia de abertura, que acontece nesta sexta-feira 26. Ele é um dos três integrantes da delegação da França a vestir trajes customizados, informou o Comitê Olímpico Francês (CNOSF).
“Se as mulheres têm o direito de usar calças, também deveria ser certo que homens tivessem a opção de usar saias”, declarou o atleta de 22 anos, que disputará a modalidade dos 100 metros com barreiras na competição.
Questionamento sobre a liberdade religiosa
Em julho, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos ratificou a proibição do uso do niqab, na França. A decisão veio após uma mulher francesa contestar a proibição, alegando que ela infringia sua liberdade religiosa e de expressão.
A Corte declarou que a proibição “não foi fundamentada especificamente na conotação religiosa do vestuário, mas sim no fato de ele ocultar o rosto”.
O Tribunal também reconheceu que “indivíduos podem não desejar ver, em espaços públicos, práticas ou comportamentos que dificultem a formação de relações interpessoais abertas, o que é considerado um elemento essencial da vida comunitária na sociedade”.
A decisão destaca que a proibição não se aplica a todos os itens que cobrem o rosto; por exemplo, capacetes de moto e máscaras utilizadas por razões de saúde não são afetados pela legislação francesa.