Audiência pública na CFT, presidida pelo deputado Rogério Correia, debateu sobre medidas protecionistas de Trump

Em meio às recentes mudanças na política tarifária dos Estados Unidos, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados (CFT) realizou, nesta terça-feira (29/4), audiência pública para discutir os impactos econômicos do aumento de tarifas comerciais adotadas pelos Estados Unidos. A preocupação gira em torno das possíveis consequências para o Brasil. Participantes do debate reforçaram o compromisso com o diálogo bilateral e destacaram os riscos globais e as possíveis oportunidades decorrentes desse novo cenário.

O presidente da comissão, deputado Rogério Correia (PT-MG), destacou a apreensão gerada pelas medidas protecionistas adotadas pelos EUA durante o governo Trump. “Nós ficamos todos muito alarmados com a política econômica anunciada no governo Trump. Não se sabia de antemão qual seria o impacto mundial disso numa economia globalizada e também no Brasil”, afirmou.

O parlamentar mencionou a importância da resposta legislativa do Congresso Nacional, como a aprovação do projeto de lei de reciprocidade, e defendeu a construção de um consenso nacional sobre como enfrentar a nova conjuntura internacional. “Foi uma resposta importante, demonstrando que se pode formar quase que uma unidade nacional em relação a isso”.

Política Externa

Rogério Correia fez críticas à política externa de Trump. “Os Estados Unidos já não são mais a potência que eles achavam que eram. Deve ter recebido, de Xi Jinping [China] e Putin [Rússia], uma risada bastante grande por achar que pode desafiar qualquer país no mundo”, ironizou. Para ele, a presença militar americana na Ucrânia é vista como uma ameaça também à Europa. “Se a Rússia é um problema, os Estados Unidos também serão”.

Ele ressaltou que, embora os efeitos diretos ainda estejam sendo medidos, há setores vulneráveis que merecem atenção. “A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) avaliou que o impacto seria crítico para 19 produtos do agronegócio. No caso do café verde e do suco de laranja, que exportamos bastante para os Estados Unidos, haveria um grande problema para encontrar novos compradores”, alertou.

O deputado reforçou que o Brasil precisa aproveitar o momento para repensar internamente sua economia. “Nunca é possível tomar decisões sem considerar as desigualdades sociais. Temos que responder também à ansiedade da grande maioria do povo brasileiro”, disse, ao defender medidas como a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.

Geopolítica

Deputado Zé Neto. Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Já o deputado Zé Neto (PT-BA) fez uma análise geopolítica mais ampla e criticou a condução internacional dos EUA. “Há uma nova ordem mundial tentando se implantar, mais uma vez com um processo de desinstitucionalização do Estado. Sempre querem diminuir a presença do Estado na vida dos cidadãos e controlar tudo pelos interesses econômicos”, observou.

Para ele, a atual crise global é resultado das próprias escolhas dos países ricos. “Eles acharam que os países mais pobres ficariam apenas com a parte prática da produção e que poderiam continuar controlando o mundo com suas marcas. Criaram a dificuldade e agora tentam se reindustrializar às pressas”, criticou.

Zé Neto defendeu que o Brasil aproveite o momento para fortalecer sua própria base econômica. “Temos que pensar em uma neoindustrialização, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) propõe. É hora de fortalecer o mercado interno, estreitar relações com os BRICS, inclusive com os Estados Unidos, mas sempre com soberania”.

Ele também pediu o afastamento da polarização ideológica nas discussões econômicas. “As ideologias estão um pouco falidas nesse processo internacional. Precisamos de unidade do setor produtivo, abstraindo disputas políticas, para produzir uma economia mais forte, gerando mais empregos e renda”.

Sistema Multilateral

A Secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Tatiana Prazeres, afirmou que as medidas adotadas pelo governo norte-americano representam uma transformação significativa no sistema multilateral de comércio. “Estamos passando por uma transformação muito importante em matéria de política comercial com as novas medidas anunciadas pelos Estados Unidos”, disse. “Essas medidas colocam em xeque visões estabelecidas sobre comércio, tarifas e acordos internacionais”.

Entre os principais riscos destacados por Prazeres estão o aumento das tensões comerciais, possíveis retaliações em cadeia e maior incerteza global. “A Organização Mundial do Comércio já revisou para baixo as perspectivas de crescimento do comércio, citando particularmente o impacto das tarifas”, alertou.

Governo Brasileiro

A secretária também ressaltou a resposta do governo brasileiro, baseada no diálogo e na cooperação. “O vice-presidente Geraldo Alckmin tem dito que não há vencedores numa guerra comercial. Nós buscamos com os Estados Unidos negociar, negociar e negociar”, reiterou Tatiana.

De acordo com ela, o Brasil mantém reuniões regulares com autoridades americanas por meio de um grupo de trabalho criado entre o MDIC, o Itamaraty e o USTR (escritório do representante comercial dos EUA). “Temos destacado que o comércio entre Brasil e Estados Unidos é vantajoso para ambos os lados”, reforçou.

Superávit comercial

Prazeres ainda apontou que os EUA têm um superávit comercial de cerca de US$ 25 bilhões com o Brasil, considerando bens e serviços. “Se essa é uma métrica relevante para o governo americano, o Brasil não é o problema, ao contrário”, pontuou.

Ela explicou também que o imposto efetivamente recolhido sobre as importações americanas no Brasil é baixo. “A alíquota média efetiva é de apenas 2,73%. Muitos produtos têm tarifa zero, como petróleo, aeronaves e outros itens essenciais”, detalhou.

A secretária alertou, contudo, para três riscos principais ao Brasil: perda relativa de acesso ao mercado americano; desvio de comércio por conta das novas restrições; e um possível aumento das importações de produtos que perderam mercado nos EUA. “Estamos monitorando com atenção qualquer movimento que possa prejudicar a indústria brasileira”, adiantou.

Ainda assim, Prazeres mencionou que o cenário também pode abrir portas para o Brasil, especialmente no mercado chinês. “Já há indícios de que a soja brasileira, por exemplo, pode ganhar espaço. Também há oportunidades em milho e carnes”, detalhou. Ela lembrou que os Estados Unidos continuam sendo o principal destino de produtos manufaturados brasileiros e a principal origem de investimentos estrangeiros no país.

Desafios externos

A subsecretária de Acompanhamento Macroeconômico e de Políticas Comerciais do Ministério da Fazenda, Julia Braga, reforçou que o Brasil está bem posicionado para enfrentar os desafios externos. “A política fiscal que o Ministério da Fazenda tem buscado é uma política de sustentabilidade, com regras alinhadas ao arcabouço fiscal e metas de superávit primário a partir de 2026”, explicou.

Braga minimizou os riscos de desvalorização cambial. “A possibilidade é extremamente baixa. Observamos uma valorização da moeda brasileira e os fundamentos estão sólidos”, afirmou.

A subsecretária também fez um contraponto ao modelo norte-americano. “Nos Estados Unidos, houve crescimento econômico, mas com piora da renda mediana, afetando especialmente os mais pobres. O Brasil segue uma diretriz diferente, buscando a redução da desigualdade de renda e a preservação dos benefícios sociais”, comparou.

Segundo ela, as importações brasileiras tendem a se desacelerar com a convergência do crescimento ao produto potencial. “Não vejo ameaça em termos agregados macroeconômicos. O Brasil tem instrumentos e capacidade de resposta para usar política comercial de forma calibrada e pragmática”.

 

Lorena Vale

 

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Last Update: 29/04/2025