No artigo Dia 22 o STF retorna ao julgamento das decisões contra a tentativa de golpe. Não dá para passar pano, publicado pelo Brasil 247, a jornalista Denise Assis apresenta uma longa reportagem sobre o julgamento que acontecerá nesta terça-feira (22), promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte irá julgar seis aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), teriam integrado um “organização criminosa armada” com o objetivo de tentar executar um golpe de Estado.
A maior parte do artigo de Assis é gasto com informações técnicas sobre o julgamento. No entanto, ao longo do texto, uma série de considerações políticas é feita. Debateremos algumas delas.
Começaremos por sua conclusão:
“Se o que está descrito acima não for o suficiente para convencê-los de que estivemos à beira de um golpe que nos jogaria num fosso de muitos anos de uma ditadura sangrenta, perdemos todos o sentimento de pátria, de nação, de decência, de crença no futuro e de apego à Constituição. Sem anistia!”
Ora, segundo a jornalista, o julgamento de seis pessoas que teriam participado da organização de um suposto golpe de Estado seria a prova de fogo para o atual regime. Disto, somos obrigados a concluir que, para a articulista do Brasil 247, ainda há no Brasil um “sentimento de pátria, de nação, de decência, de crença no futuro e de apego à Constituição”. Fato é que não há nada minimamente parecido com isso no regime político brasileiro.
O regime político — não o povo brasileiro, que nada tem a ver com isso — é dominado por lesas-pátrias. É dominado por agentes da Polícia Federal (PF) teleguiados pelos serviços de inteligência de “Israel” e dos Estados Unidos. É dominado por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que são pagos para impedir que o Brasil explore o seu próprio petróleo. É dominado por um Congresso Nacional altamente corrupto, que derrubou uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos. Trata-se, portanto, de um regime caindo de podre.
Quanto ao apego à Constituição, trata-se de uma verdadeira piada. Não existe mais Constituição. O Supremo Tribunal Federal age como se fosse ele próprio o responsável pela criação, execução e fiscalização de leis. O STF liquidou a liberdade de expressão no Brasil. Um de seus puxadinhos, o Tribunal Superior Eleitoral (TST), liquidou o direito de greve.
Não bastasse toda a hipocrisia de apresentar o regime brasileiro como algo que pudesse ser salvo e ter sua dignidade restaurada, Assis ainda erra feio ao defender a condenação dos acusados. Isto porque a denúncia contra eles — que tende a se transformar em ação penal — é um dos maiores atentados aos direitos democráticos do povo brasileiro dos últimos tempos. Já não se trata de manter o apego à Constituição. Caso os investigados sejam condenados, estaremos diante de uma nova Constituição, cujo único artigo dirá: todo poder emana da cabeça dos 11 ministros do STF.
O texto inteiro vai no sentido de incriminar os investigados. Decerto que se trata de pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro — e, portanto, adversárias da esquerda. No entanto, o que realmente importa para um processo jurídico é: há provas que tornem o julgamento legal? As provas foram colhidas de forma legal? Os investigados tiverem seus direitos respeitados?
Assis não entra neste mérito. Seu único objetivo é o de reforçar a história criada por Paulo Gonet, chefe da Procuradoria-Geral da República: a de que houve um golpe de Estado e que todos os envolvidos deveriam ser punidos.
Além de ignorar a ausência de provas, Assis não pensa nas consequências gravíssimas de um processo desta natureza. Segundo ela própria, os acusados deverão ser processados por coisas como:
“Após o término da eleição presidencial de 2022, iniciou-se movimento de tentativa de deslegitimação do processo eleitoral. Sua vertente ostensiva consistiu na concertação de quatro tipos de ações: bloqueios rodoviários, acampamentos em frente a organizações militares, comboios de caminhões com destino a Brasília e atentados contra infraestruturas.”
“Foram identificados os contratantes de 103 veículos fretados, transportando um total de 3.875 pessoas, também identificadas. Destes, 89 são fretados por CPFs e outros 14 por organizações.”
Façamos a necessária tradução.
Bloqueios rodoviários são greves de caminhoneiros e protestos com paralisação de trechos de rodovia. Isto é, métodos de luta, típicos do movimento operário. Acampamentos, independentes de onde sejam, seriam chamados pela esquerda de “vigília”, como aconteceu durante a prisão de Lula em Curitiba. Foram 580 dias de acampamento em frente à Polícia Federal. Comboios de caminhões com destino a Brasília e “veículos fretados” referem-se ao “crime” de organizar caravanas, como as que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) tanto realizou em atos nacionais. Por fim, os atentados contra infraestruturas são uma coisa extremamente comum em protestos radicalizados — o que sempre foi tido como legítimo pela esquerda.
Os maiores prejudicados com o julgamento que ocorrerá nesta terça-feira (22) não serão os bolsonaristas. Estes, afinal, por serem parte da burguesia brasileira, sempre terão formas de conseguir amenizar a pressão do regime político. Os grandes prejudicados serão o povo brasileiro, uma vez que o STF, usando a extrema direita de espantalho, se prepara para transformar qualquer manifestação popular em crime.