Por Fabiana Pereira de Sousa
Em The Conversation
Os biocombustíveis têm se consolidado como uma solução promissora para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, como o CO₂, que impactam diversos setores de transporte. O setor aeronáutico, por exemplo, é responsável por aproximadamente 2,5% das emissões globais desses gases e consome anualmente cerca de 390 bilhões de litros de querosene de aviação.
Diante desse cenário, a busca por Combustíveis de Aviação Sustentáveis (SAF, na sigla em inglês) tem ganhado força, impulsionada pelo crescimento expressivo do setor e por compromissos internacionais, como o NET ZERO, que tem como principal meta zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050.
Desafios da produção de SAF
A produção de SAF apresenta desafios significativos. Esses combustíveis devem atender aos rigorosos requisitos da norma ASTM D7566 e da Resolução ANP 856 (que estabelecem as especificações do SAF), além de serem compatíveis com aeronaves existentes, oferecendo alto desempenho.
Entre suas características essenciais estão a estabilidade térmica e oxidativa, para evitar a formação de compostos indesejados; o alto poder calorífico, necessário para fornecer energia adequada em um volume reduzido; e o baixo ponto de congelamento, indispensável para operar em elevadas altitudes.
Além disso, o SAF deve ser um combustível “drop-in”, termo usado para descrever combustíveis renováveis que podem substituir diretamente os combustíveis fósseis sem a necessidade de modificar os motores ou a infraestrutura de distribuição existentes. Para isso, ele precisa ser composto exclusivamente por moléculas de hidrocarbonetos – como seu análogo mineral já em uso.
Os biocombustíveis “drop-in”, ou avançados, são promissores não apenas para o setor aéreo, mas também para outros modos de transporte, como automóveis, caminhões, ônibus, embarcações e navios. A adoção desses combustíveis pode reduzir a dependência de derivados de petróleo, como gasolina, diesel e combustíveis marítimos, contribuindo para diversificar a matriz energética nacional e gerando benefícios ambientais importantes.
SAF – rota HEFA
O hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos (HEFA, na sigla em inglês) é uma das rotas mais consolidadas para a produção de SAF e diesel verde no mundo. Essa tecnologia transforma óleos e gorduras de origem vegetal ou animal em bio-hidrocarbonetos por meio de processos semelhantes aos empregados na indústria de refino de petróleo para remoção de heteroátomos. Um exemplo desse processo é a hidrodesoxigenação (HDO), que visa retirar átomos de oxigênio dos derivados do petróleo, proporcionando ao combustível maior poder calorífico, maior estabilidade e melhores propriedades a frio.
Apesar de eficiente, a rota HEFA demanda condições operacionais severas como altas pressões de hidrogênio (50-200 bar), temperaturas elevadas (250-450 °C) e catalisadores caros, geralmente contendo metais nobres, como platina ou paládio. Esses fatores elevam os custos de operação e investimento, dificultando a competitividade em relação aos derivados de petróleo.
Um SAF inovador
Para superar esses desafios, nossa equipe do Laboratório de Ensaios de Combustíveis da UFMG (LEC-UFMG), composta pelos pesquisadores Gustavo Pereira dos Reis, Vânya Márcia Duarte Pasa e eu, desenvolvemos uma tecnologia que elimina o uso de hidrogênio e utiliza fosfato de nióbio (NbOPO₄) como catalisador no processo de pirólise de óleos de palma (polpa e amêndoa).
Esse avanço foi reconhecido no “Prêmio ANP 2024 de Inovação Tecnológica”, na categoria PRH, que reconhece trabalhos desenvolvidos no âmbito do Programa de Formação de Recursos Humanos da ANP (PRH-ANP).
A escolha pelo catalisador à base de nióbio (Nb) é estratégica. Além de ser mais acessível do que os materiais usados nos processos HEFA, o Brasil detém mais de 98% das reservas conhecidas e lavráveis de nióbio no mundo. Assim, o uso desse recurso fortalece uma cadeia produtiva nacional, reduz custos e agrega valor a uma tecnologia genuinamente brasileira.
O processo desenvolvido pelo LEC-UFMG opera em condições significativamente mais brandas: 350 °C e pressão de 10 bar de nitrogênio, ao invés do hidrogênio. Isso reduz os custos operacionais e aumenta a segurança. Os testes demonstraram uma conversão de até 95% dos óleos em hidrocarbonetos, com produção potencial de 21% de biogasolina (5 a 10 átomos de carbono por molécula), 83% de SAF (9 – 15 carbonos) e 80% de diesel verde (10 a 25 carbonos). Cabe destacar que a análise teórica das frações combustíveis foi baseada no tamanho da cadeia carbônica, resultando em uma soma superior a 100% devido à sobreposição de compostos nas faixas de destilação.
A fração SAF, separada por destilação, atendeu aos requisitos da norma ASTM D7566, com temperatura de congelamento de -47 °C e poder calorífico de 44 MJ/kg, compatíveis com o querosene de aviação fóssil.
O diferencial dessa tecnologia está em sua sustentabilidade e viabilidade econômica. A ausência de hidrogênio, o uso de catalisador de menor custo e a produção de múltiplos combustíveis em uma única etapa tornam o método altamente promissor para aplicações industriais. Além disso, contribuímos para a produção de combustíveis “drop-in” avançados, que podem substituir diretamente gasolina, diesel e querosene de aviação, sem a necessidade de adaptações na infraestrutura existente.
Essa inovação da UFMG representa um avanço significativo rumo à descarbonização do setor de transportes e reforça o papel do Brasil como líder global na pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis avançados.
Fabiana Pereira de Sousa é doutora em Ciência Química, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN.
