Em 1969, a luta armada palestina já existia e combatia o Estado de “Israel”. A sua principal organização era o Fatá, liderado por Iasser Arafat, e ela organizava muitos palestinos de origem palestina. Um jornalista do Le Monde Diplomatique visitou a Síria e escreveu uma reportagem com muitas informações interessantes sobre a realidade desses guerrilheiros. Assim como o Hamas luta hoje na Faixa de Gaza, o braço armado do Fatá organizava os palestinos para uma guerra de guerrilhas contra o Estado sionista.

O texto de Gerar Chaliand descreve: “a cena é um campo de treinamento do al-Fatá na Síria, a cerca de sessenta quilômetros de Damasco. Em uma planície pedregosa, no campo aberto, estão dois grandes edifícios. Um pouco mais adiante estão colinas nuas. É aqui que cento e vinte homens, vestidos com camuflagem e botas de borracha, estão sendo treinados: correm em formação fechada, liderados em um ritmo acelerado por um instrutor de passada fácil. Todas as manhãs, eles têm duas horas de treinamento físico: corrida de longa distância, curso de combate, jiu-jitsu e caratê”.

A formação militar consistia de um “curso, que dura de dois a três meses, é bastante difícil, com disciplina rigorosa e um cronograma muito cheio. É estritamente proibido consumir bebidas alcoólicas, e as refeições são feitas de pé. As refeições são às vezes interrompidas por um dos líderes, a cujo comando os recrutas imediatamente se colocam em posição de sentido”.

As lideranças dos palestinos são o próximo tópico de debate: “todos os líderes são palestinos, a maioria com menos de trinta anos. A maior parte deles vem de origens confortáveis e estudou em países árabes. Além dos instrutores militares – dos quais há cinco – e do instrutor de treinamento físico, há um líder responsável pela disciplina geral no campo e um comissário político. Os recrutas são jovens – de dezessete a vinte e cinco anos – e, além de dois turcos e um iugoslavo, todos são palestinos”.

Muitos líderes revolucionários nacionalistas possuem essas origens. Os revolucionários cubanos segue esse padrão e as atuais lideranças do Hamas também, eram jovens com uma boa formação que se tornaram grandes dirigentes políticos. É interessante que os palestinos, por serem refugiados, muitas vezes conseguiam um acesso maior à educação que outras populações árabes.

Segundo o jornalista, não há uma ampla formação política entre os combatentes: “o nível intelectual geral é subdesenvolvido, e se não considerarmos a presença de livros revolucionários como a expressão de uma cultura política integrada, pode-se ver durante a discussão sobre pontos precisos (não em declarações gerais e frases prontas) que as ferramentas teóricas são embrionárias e a ideologia confusa. De Fanon, eles tomam a descrição da psicologia do colonizado e a necessidade de recorrer à violência; de Guevara, os textos que defendem a necessidade de conflito armado; de Mao, o conceito de guerra prolongada; de Debray, cujas obras são amplamente traduzidas para o árabe, a ideia de que o partido é inútil, pois ‘o núcleo guerrilheiro é o partido em gestação’”.

Apesar da crítica ao que parece, há uma discussão de ideias mesmo entre os combatentes. O aspecto eclético é típico de um movimento nacionalista. Não há uma ideologia bem definida, eles lutam e se inspiram naqueles que consideram importantes, Che Guevara, Mao, Fanon, que participou de uma luta inspiradora para os palestinos na Argélia, e até outros intelectuais que hoje não são tão lembrados.

Então ele descreve a paisagem e como a resistência está distribuída na Jordânia: “a margem leste do rio Jordão – o atual Estado da Jordânia – está repleta de bases de resistência palestinas. A maioria delas são bases do al-Fatá, que é, sem dúvida, a espinha dorsal da resistência. Para maior segurança, algumas visitas acontecem à noite, de Landrover. Frequentemente, onde a natureza do terreno permite, uma base dispõe de uma ou mais cavernas que são usadas para reuniões. As munições, que sempre são abundantes, também são armazenadas lá. Há, entre os fedains (guerrilheiros), um número considerável de estudantes palestinos que recentemente retornaram dos países onde estavam estudando. Muitos deles estudaram direito, comércio ou artes”.

Essa enorme guerrilha Palestina na fronteira com a Cisjordânia ocupada com “Israel” (bastava cruzar o rio) eram um perigo gigantesco para o Estado sionista. A ocupação desse território estava totalmente em risco. É preciso lembrar que centenas de milhares de palestinos haviam sido expulsos da Cisjordânia para a Jordânia em 1967. Foi necessário uma intervenção do imperialismo para acabar com esse perigo do Fatá. Ela aconteceu em 1970 quando a guerrilha palestina foi expulsa da Jordânia com base em uma repressão sangrenta.

Os guerrilheiros palestinos

Ismail Sirhan, de dezessete anos, afirmou ao jornalista: “antes de 1948, meus pais viviam em uma aldeia perto de Bersheba chamada Zacharia; meu pai era camponês e tinha 150 dunums e alguns gado. Depois, a família foi morar perto de Hebron, onde tivemos muitas dificuldades, mas eu pude ir à escola. Em 1967, os sionistas vieram e tivemos que partir pela segunda vez. Claro, poderíamos ter ficado, mas meu pai não queria viver sob a ocupação de estrangeiros que já tinham tomado suas terras uma vez. Então partimos e atravessamos as montanhas e, durante a marcha, fomos bombardeados e algumas pessoas foram mortas. Ainda há uma parte da minha família em Hebron, mas não posso vê-los”.

Ibrahim Ioussef, de dezesseis anos, declarou: “antes de 1948, meus pais viviam em Jafa [hoje conhecida como Telavive], e depois foram para Djebel Amman, perto da cidade. Meu pai trabalha lá e ganha 40 dinares por mês (cerca de 125 dólares). Em 1967, estávamos morando em Amã, então não fomos diretamente envolvidos na guerra. Eu mesmo não tinha nascido em 1948, mas meus pais me contaram sobre a Palestina e disseram que éramos exilados. Quando eu tinha doze anos, me perguntei por que eu não tinha um país. Existe alguém no mundo que não tem um país? Eu me perguntava e perguntei aos que estavam ao meu redor, e me disseram que os sionistas nos expulsaram do nosso país para que pudessem se estabelecer lá. O tempo todo eu ouvia o rádio e lia nos jornais que os exércitos árabes um dia libertariam meu país. Mas vinte anos se passaram e nenhum país árabe nos ajudou. Eles nem sequer nos deram armas. Minha consciência foi despertada por um professor palestino que disse: ‘Os países árabes estão atrelados aos imperialistas e às grandes potências, e não podem fazer nada por nós se não tomarmos as rédeas em nossas próprias mãos!’ Então, eu penso que a luta agora depende de nós”.

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Última Atualização: 28/08/2024