O tema desta semana é um pouco diferente: a virada do trumpismo em relação à participação do Estado na economia. Não trata diretamente da produção, mas de como a política está redesenhando a percepção da economia liberal. Acontece lá. Acontecerá aqui?
A máxima do liberalismo sempre foi a livre iniciativa, em que o mercado regularia o mercado. O mercado criaria suas próprias leis, a competitividade determinaria preços e o mundo fluiria até o ponto de equilíbrio. Empresas pagariam os salários justos e consumo manteria a roda girando. Havia uma ojeriza ao Estado como interventor e gestor. Menos Estado, mais prosperidade. Isso valeria para uma cidade, um país, um continente e todo o planeta.
Tudo ia aparentemente bem – até parar de ir. A China, aquele país comunista que decidiu que a cor do gato não importa, começou a produzir. Criou ambiente interno de crescimento, aumentou a renda média dos trabalhadores e se tornou um mercado consumidor atraente, não apenas pela escala demográfica. Investiu em formação, pesquisa, tecnologia e na geração de mão de obra. Construiu uma base sólida de classe média e deixou as grandes fortunas florescerem. O foco foi claro: antes da desigualdade, é preciso resolver a pobreza. O resultado? Saiu de uma economia agrícola para se tornar potência industrial com capacidade de competir em preço e qualidade, mudando o mercado global – sob o comando do Estado.
Os Estados Unidos adoraram a ideia. Passaram a comprar da China e, depois, transferiram sua produção para lá. Tudo certo, pensava-se: o mercado se autorregula. Até que não consegue mais. O resto da história, acompanhamos no noticiário. O ponto central: essa dinâmica desestabiliza a lógica liberal mais ortodoxa, inclusive dentro do Partido Republicano.
Com Trump, o Estado americano agiu de maneira mais drástica na economia global: impôs tarifas estratosféricas e mandou o recado de que o mercado, sozinho, não se regula. Criou uma dança de idas e vindas, testando o poder de negociação e passando a usar seu poder para proteger a economia nacional. Mas e o livre mercado? Deus me livre. Especialmente quando os outros produzem melhor, com qualidade e preço justo.
Há algumas semanas, no Wall Street Journal, a jornalista Molly Ball fez um texto interessante sobre como as ações de Trump estão moldando o pensamento republicano. Ela menciona a ascensão da American Compass, organização conservadora que propõe um novo papel para o Estado: garantir prosperidade às famílias de todas as faixas de renda. A Compass desafia o chamado ‘reaganismo zumbi’ – doutrina baseada em cortes de impostos e governo mínimo. Tem sido atacada por grupos como a Americans for Tax Reform e a Americans for Prosperity, mas sua influência cresce.
O artigo cita ainda o senador Rand Paul, que tentou convencer seus colegas republicanos a assinar uma moção pedindo a revogação das tarifas impostas por Trump. Conseguiu dois votos. Quarenta e nove foram contra.
Essa guinada dos republicanos tem empurrado os democratas a rever posições históricas. Cria uma crise contínua de identidade política. O debate ainda não chegou com força ao Brasil, mas tende a desembarcar. E, quando isso acontecer, poderá abalar pilares fundamentais das visões hoje predominantes.