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Com calma e expertise

por João Silva

Problema dos juros, dos déficits e do crescimento tem solução, mas não na boca dura

No baticumbum da política nacional, todo mundo fala, todo mundo grita e… todo mundo tem razão e ninguém se põe de acordo.

Assim é aqui. E é, sobretudo, no mundo das redes sociais, onde, impulsionados por algoritmos programados para prender a atenção de incautos para gerar tráfego que remunera as plataformas, bilhões de palpiteiros defendem obviedades para o que pouco sabem e quem deveria saber ou não sabe ou põe fogo no parquinho digital.

Ao menos está se discutindo, o que é bom. Discussões em geral dão chance às soluções, sobretudo as interditadas por lobbies diversos representados no Congresso. Do projeto de lei para embaraçar ainda mais as exceções permitidas para o aborto ao inchaço das taxas de juros, tudo está em debate. Duvidoso é que as discussões ajudem a formar consensos para questões que vem de longe, como a dos juros.

A do aborto já começou a refluir tamanha a reação contrária, mas serviu para expor as divisões entre as bancadas do fundamentalismo e as dos partidos de centro-direita, majoritárias no Congresso. É menos certo que a polêmica dos juros tenha um desfecho produtivo.

O tema é permanente, tão antigo quanto o mistério sobre se Capitu traiu Bentinho como relatado por Machado de Assis em Dom Casmurro. É como um desafio aos formuladores da reforma monetária de 1994 de que algo ficou inacabado e reclama providência intelectual, não de retórica. Questões sobre dinheiro não se resolvem no berro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reintroduziu o assunto, reclamando com razão de o Banco Central interromper o ciclo de desengorda da taxa de juro básica da economia, Selic, no nível de 10,50%, com a inflação que a orienta avançando 4,06% em 12 meses até junho ou 3,50% 12 meses à frente conforme o último boletim Focus. Isto implica taxa real, abatendo a inflação, de 6,2% a 6,8%, um despropósito.

Duvidosa é a expectativa manifestada por Lula na sexta-feira de que “isso vai melhorar” quando ele puder indicar o presidente do BC. Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e aprovado pelo Senado em 2019, é o presidente até fim do ano. O otimismo do presidente tem gerado críticas dos que ele nomeou como “cretinos”.

Onde começa o juro sideral

A liturgia da autarquia é regida em lei, de forma que algo muito diferente do que está em curso ou exigirá reformas profundas mais de âmbito fiscal que monetário ou sugere uma diretoria submissa a desígnios políticos, o oposto do fundamento da autonomia a que desfruta, por voto do Congresso, para resistir a qualquer pressão.

Lula sabe que o BC segue diretrizes definidas pelo CMN, Conselho Monetário Nacional, liderado pelo ministro da Fazenda. A autonomia do BC existe para cumprir a missão recebida do governo, via CMN, sem interferências alheias, como do mercado e dos políticos.

Nestes termos, não deveria fazer diferença se fulano ou beltrano esteja à frente do BC, até porque seus nove diretores votam o que lhes cabe decidir, como a Selic, sem subordinação hierárquica.

Não menos importante é entender que a política monetária envolve um movimento coletivo que começa no CMN, portanto, no gabinete do presidente da República, passa pelo BC e se completa com os bancos e gestores de fundos que carregam os títulos de dívida do Tesouro Nacional. A Selic é o fio condutor da curva de juros das emissões do Tesouro em diferentes prazos, curtos e longos.

Os recursos aplicados por meio de bancos e fundos vem de empresas e de pessoas, daqui e do exterior, de modo que o equilíbrio entre essa miríade de interesses deve ser buscado pelo BC, pilotando sua mesa de títulos e moedas, e do Tesouro, o ente executor do que o governo indica e o Congresso aprova ou não na lei orçamentária.

E o que ambos têm feito? Criam gastos e expandem os existentes, o que obriga o Tesouro a se endividar, e o ministro da Fazenda a ir buscar na Receita Federal algo mais para fechar a conta. Difícil.

Só com impostos não resolve

A ideia subjacente ao entrevero da Selic é o muro encontrado pelo ministro Fernando Haddad no Congresso para continuar tributando os dinheiros aplicados em fundos e aparando desonerações tributárias.

O empresariado atingido por tais ações também indicou disposição de partir para a briga, levando o Congresso, e possivelmente mais à frente o Judiciário, a tirar o apoio ao ajuste com aumento de impostos, preservando as colunas de despesas do orçamento federal. O ministro tentou levar essa agenda ao presidente. A resposta veio no ataque aos juros altos, que também enfezam o empresariado.

Só que, como de hábito, faz-se calor sem luz, simplifica-se o que é complexo, como se troca de guarda no BC fosse resolver a parada.

Não vai. A realidade é mais complicada. Desde 1987, um anos antes da Constituição ser promulgada, até os últimos quatro anos, o naco da previdência, assistência social e folha do funcionalismo saltou de 45% do total do orçamento federal para 80%, e crescendo. Na outra ponta, o dinheiro para infraestrutura, educação, saúde e custeios do setor público desabou de 55% para menos de 20%.

Na primeira parte, previdência pulou de 19,2% para mais de 52% da lei orçamentária. Na segunda parte, o investimento público cedeu de 16% do orçamento, ou seja, dos impostos arrecadados, para 2%. Não pode dar certo. E não se resolve só expandindo carga tributária.

Falta balanço para crescer

Os números dos balanços público e privado indicam que não há mais espaço para repetir o status quo da governança da economia. Nem se vai desinflar o dólar, que fechou a semana em irreais R$ 5,59 (R$ 1 acima da taxa mais compatível com a saúde das contas externas), metendo bronca nos bancos, nos especuladores, no passado etc.

Fato é que a trajetória do déficit da previdência pública e INSS é insustentável no tempo, os pisos da saúde e educação indexados à evolução da receita também distorcem a prioridade ditada hoje pela demografia (cuja tendência é de redução relativa de jovens).

O BC é peça passiva nestas tendências, mas será ativa se procurar meios menos onerosos de conduzir a inflação à meta, além do giro da dívida e de sua tendência (função de menos gastos), através de uma ação pactuada com os carregadores do papelório do Tesouro.

Esses são caminhos mais eficientes. É de interesse das empresas, dos bancos e investidores resolver as prioridades. O endividamento privado é enorme. Há mais de R$ 600 bilhões de papeis a vencer de devedores já em segunda repactuação. As construtoras e fundos que investem em infra estão sem balanço para novas investidas, razão de as licitações estarem atraindo de um a dois concorrentes.

Para tudo há solução, mas com calma e expertise. Na boca dura é que não funciona.

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Última Atualização: 01/07/2024