Com Selic a 15%, economia desacelera e PIB tem alta de apenas 0,1%

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou, na quinta-feira (4), os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2025. Na série com ajuste sazonal, o resultado foi de apenas 0,1% em relação ao trimestre anterior, o que demonstra forte desaceleração da economia justamente enquanto a taxa de juros (Selic) é mantida em 15% ao ano pelo Banco Central (BC) – a segunda maior taxa de juros reais do mundo.

Neste cenário, a Agropecuária (0,4%) e a Indústria (0,8%) tiveram resultados isolados melhores, no entanto, o setor de Serviços, que tem maior peso na economia, variou somente 0,1%, o suficiente para segurar o PIB. Este quadro de estabilidade, após crescimento de 0,3% no segundo trimestre e de 1,5% no primeiro, demonstra que o Comitê de Política Monetária (Copom) tem conseguido desacelerar a economia, como pretende, com viés de controle inflacionário.

Porém, este controle pueril – amplamente criticado pelo governo e pela sociedade – tem cobrado um alto e desnecessário custo para o país, sendo um deles um PIB menor.

De acordo com o professor Marcelo Manzano, economista, doutor em desenvolvimento econômico e professor do Instituto de Economia da Unicamp, a taxa de juros tem feito bastante mal ao desempenho da economia brasileira.

“Primeiro porque nós não temos crescido, nem nos melhores momentos nos últimos anos, com taxa de crescimento desejável. Um país como o Brasil, um país em desenvolvimento, tem que avançar muito no bem-estar da sua população, na renda média. Estamos longe de ser uma economia madura”, afirma.

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Para o professor da Unicamp, o Brasil poderia crescer 4,5% ao ano: “Outros países similares ao Brasil, países do Brics, por exemplo, crescem a taxas maiores até do que 5% ao ano. Claro, o caso mais emblemático é o da China, mas podemos falar da Índia, que cresce de 6 a 7% ao ano há mais de uma década. Países como o Vietnã, países como a Etiópia e outros países do Sul da Ásia. Quer dizer, temos assistido desempenhos muito melhores do que o nosso, e nós tínhamos todas as condições de perseguir um crescimento como esse”, ressalta.

Em específico sobre o irrisório crescimento do terceiro trimestre, o economista avalia que o resultado só não foi negativo devido à exportação de derivados de petróleo e da produção da indústria extrativa mineral.

“É isso que manteve a taxa de crescimento no patamar positivo. Não fosse isso, já estávamos entrando num processo recessivo. E de fato, o que dá para dizer, é que nos outros setores já estamos entrando num processo recessivo. Isso não aparece porque na média da produção dos setores, a exportação de bens primários acaba contaminando a média e parece que não estamos já em recessão, em redução do PIB. É o que vem acontecendo para vários setores”, alerta Manzano.

Marcelo Manzano. Fotografia: Democracia Socialista

Controle inflacionário

A justificativa utilizada pelo Copom para controle da inflação pelos juros, no entendimento de Manzano, não tem embasamento técnico.

“A inflação de 2025 já está dentro do intervalo abaixo do teto da meta, mas a regra estabelecida pelo Banco Central é mirar a expectativa de inflação pelo menos 12 meses à frente, ou seja, o BC não pode ficar pensando ou utilizando a taxa de juros para tentar manejar ou para tentar corrigir a taxa de inflação nos próximos meses, porque simplesmente não é assim, existe um hiato temporal”, elucida.

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“Todos os bancos centrais do mundo miram a inflação prevista para 12 meses, alguns bancos centrais para 24 meses, outros 36 meses e outros, como os Estados Unidos, não definem nem o horizonte fixo. O fato é, não se pode imaginar que a taxa de juros é um instrumento para combater a inflação no curto prazo. Repito, a inflação no curto prazo está dentro da meta, então nem por um lado nem por outro se justifica uma taxa de juros neste patamar”, frisa o economista.

Juros altos para valorizar o real

Manzano ainda chama a atenção para outra questão atrelada a manutenção dos juros altos: fazer o real se valorizar frente ao dólar.

“Mais do que qualquer coisa, com essa taxa de juros nesse patamar existe um objetivo que não é explicitado pela atual direção do Banco Central, pelo Copom, que é fazer com que o real se valorize em relação ao dólar, de maneira ainda mais rápida do que tem acontecido com outras moedas, porque esta, sim, é uma maneira muito direta de jogar preços domésticos para baixo, principalmente alguns preços-chaves para a economia brasileira. Preço de importados, de modo geral, de combustíveis, preços de alimentos, matérias-primas”, diz.

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O professor explica que o Brasil ainda tem uma grande dependência desses tipos de importação: “quando a taxa de juros sobe, isso acaba desvalorizando o dólar [frente ao real], tornando esses preços mais baratos. Então, não é exatamente uma política que visa subir os juros para diminuir a demanda por produtos no país, mas é usar esse subterfúgio de afetar a taxa de câmbio e assim conseguir rapidamente um impacto sobre os preços domésticos”.

O problema reside no fato de que manter os juros altos para valorizar o real beneficia as elites, porque garante altos rendimentos ao capital financeiro e reduz custos dos grandes importadores, ao mesmo tempo em que encarece crédito, reduz o crescimento, pressiona o emprego e transfere renda da sociedade para o sistema financeiro com títulos públicos pagando muito.

PIB de 2025 e 2026

Os dois primeiros anos do governo Lula foram marcados por crescimento econômico acima das expectativas do mercado financeiro. Em 2023, o PIB registrou crescimento de 3,2%, já em 2024, 3,4%.

Agora, o governo Lula não emplacará outro resultado excepcional, entre outros motivos, pelos juros que tem freado a produção e os serviços ao longo do ano. O terceiro trimestre, inclusive, foi o primeiro trimestre completo com a Selic em 15%, o maior nível desde julho de 2006.

E mesmo com essa adversidade, o presidente Lula trabalha para entregar um resultado ainda acima das previsões (sempre pessimistas) do mercado. A expectativa dos analistas financeiros, reunida no Boletim Focus do BC, aponta para um PIB em 2025 de 2,16% (já corrigido para cima várias vezes), enquanto a Fazenda Nacional indica crescimento de 2,2%.

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Como lembra Manzano, o Boletim Focus tem errado sistematicamente: “tem sido equivocada a leitura dos analistas do mercado financeiro que contribuem para esse resultado do relatório”.

Para 2026, na visão dele, é possível acreditar, se não ocorrer nenhuma surpresa externa, problemas de ordem geoeconômica global ou aprofundamento de guerras, em um PIB superior ao estimado pelo Focus, de apenas 1,78%. Mas para isso, o BC deve contribuir.

“Acho que é perfeitamente possível imaginar um crescimento próximo de 2,5% no ano que vem. Desde que, efetivamente, o Banco Central inicie uma trajetória de redução da taxa Selic. Isso ainda não está claro. Há gente no mercado financeiro dizendo que isso só poderá ser feito a partir do segundo trimestre de 2026, o que me parece absolutamente injustificado”, observa.

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