Com protestos, Câmara aprova redução de penas para golpistas; PT fala em ‘vergonha’ e ‘ataque à democracia’

Bancada do PT vota contra e acusa a proposta de tentar beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado

Sob protesto, forte obstrução e com o voto contrário da Bancada do PT, o plenário da Câmara aprovou na madrugada desta quarta-feira (11) o projeto de lei (PL 2162/23), que prevê a redução de penas de pessoas condenadas pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe de Estado, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. “É uma vergonha, um atentado contra a democracia”. Assim o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), resumiu a forma “oportunista” em que o projeto foi apreciado. “Uma proposta que tem um objetivo só: reduzir as penas de generais golpistas, reduzir a pena do ex-presidente Bolsonaro. O senhor (Hugo Motta) está cometendo um crime, está interferindo num julgamento que ainda está em curso”, afirmou.

Para Lindbergh, quem votou a favor disso está escrevendo sua biografia da pior forma possível. “Se vocês acham que ganharam, estão enganados. Está igual a PEC da blindagem, comemoraram, mas foram derrotados. Não adianta, vocês não vão liberta o ex-presidente Jair Bolsonaro”, afirmou.

O líder petista acusou o relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), de usar a tese do ministro Luiz Fux, que foi derrotada no julgamento do Supremo Tribunal Federal. “O relator cria o art. 359-MA, que determina a obrigatoriedade de aplicação do concurso formal dos crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: só vale a pena mais grave, anula a outra. Esse é teor da tese derrota”, explicou.

Para Lindbergh, esse artigo 359-MA é inconstitucional, porque viola a separação dos poderes, que consta do art. 2º da Constituição, ao impor ao Poder Judiciário uma fórmula obrigatória de aplicação do concurso formal próprio, mesmo quando presentes elementos fáticos e jurídicos que caracterizam concurso material e desígnios autônomos. “A Constituição assegura que a individualização da pena é cláusula pétrea. Nós estamos aqui atacando frontalmente a decisão e a autonomia judiciais. Os incisos ligados a golpe de Estado e à abolição violenta do Estado Democrático de Direito continuam existindo; eles só querem obrigar o juiz a decidir daquela forma. É uma vergonha! Isso foi derrotado no Supremo Tribunal Federal!”, reiterou.

Sem Anistia

O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), também se posicionou contra o projeto. “Quem comete crime contra a democracia e o Estado Democrático de Direito não pode receber perdão”, afirmou. Ele enfatizou ainda que quem tinha comandado a tentativa de golpe foi o ex-presidente Bolsonaro, que está atrás das grades justamente pelo crime que cometeu. “E, portanto, achamos que essa matéria não deveria nem ser votada porque ela, sim, é uma ameaça à nossa democracia”.

Para Guimarães, conceder anistia para os golpistas do 8 de janeiro significa ignorar a gravidade de um ataque violento que destruiu patrimônio público e ameaçou a vida do presidente, do vice e de um ministro do Supremo Tribunal Federal. “É uma vergonha nacional que tenta normalizar o inaceitável, fortalecer a impunidade e enfraquecer as instituições que protegem o Estado Democrático de Direito. Quem atentou contra o país precisa responder pelos crimes cometidos, não receber perdão”, reiterou.

Sem tutela militar

O líder da Maioria, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) explicou o motivo da maioria se insurgir contra a proposta de anistia. “Quem são os alvos? É o próprio Bolsonaro, que foi caracterizado como comandante do golpe, além de militares de altíssima patente. E qual é a gravidade do que se pretende fazer aqui — e nós vamos votar contra? É aquilo que nós temos de combater: que os militares, em nenhuma hipótese, se sintam no direito de tutelar a sociedade civil, parecendo que eles são superiores à massa do povo brasileiro — não são”, afirmou.

Arlindo reiterou que golpe é inaceitável, que a tutela militar é inaceitável, que o não-respeito ao Parlamento é inaceitável “porque as ditaduras fecham os parlamentos”.

Dia da infâmia, vergonha e desonra

O deputado Alencar Santana (PT-SP) afirmou que o dia 10 de dezembro vai ficar marcado como “o dia de infâmia, vergonha e desonra” para o Congresso Nacional. Ele citou o ex-ministro do STF Evandro Lins e Silva — cassado pela ditadura militar — para afirmar que a impunidade desmoraliza e desordena o Estado de Direito. “Infelizmente, Câmara está aprovando a impunidade daqueles que atentaram contra a democracia brasileira”, afirmou, lembrando que as sedes dos Três Poderes foram destruídas durante os ataques do dia 8 de janeiro.

“Vocês não apagarão da memória do povo brasileiro o que aconteceu no 8 de janeiro. Essa casa foi atacada, vilipendiada, destruída. Vocês querem apagar da memória, mas não irão”, afirmou.

Ele acredita que, no futuro, muitos parlamentares que apoiam a anistia “pedirão desculpas” pela decisão.

Texto aprovado

Segundo o substitutivo aprovado, que segue para apreciação do Senado, os crimes de tentativa de acabar com o Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, quando praticados no mesmo contexto, implicarão o uso da pena mais grave em vez da soma de ambas as penas.

O texto original previa anistia a todos os envolvidos nos atos de 8 de janeiro e nos quatro grupos relacionados à tentativa de golpe de Estado julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Se virar lei, a nova forma de soma de penas deve beneficiar todos os condenados da tentativa de golpe de Estado, como aqueles do grupo principal: Jair Bolsonaro, ex-presidente da República; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil; Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Alexandre Ramagem, deputado federal.

Esse grupo foi condenado a penas que variam de 16 anos a 24 anos em regime fechado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em caráter definitivo, em 25 de novembro deste ano.

As deputadas petistas Benedita da Silva (RJ), Erika Kokay (DF) e Maria do Rosário (RS), além dos parlamentares do PT Bohn Gass (RS), Merlong Solano (PI), Rogério Correia (MG), Rui Falcão (SP) e Welter (PR) também se manifestaram em plenário contra o projeto.

 

Vânia Rodrigues

 

 

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