Na noite de 15 de janeiro, o movimento “Artistas Livres”, formado por cineastas e figuras públicas alinhadas ao discurso anti-woke, promoveu um evento em São Paulo para criticar o prefeito Ricardo Nunes e sua gestão cultural. Apesar de terem apoiado fortemente sua reeleição em 2024, o grupo agora se posiciona contra o prefeito, acusando-o de “traição” por não atender sua demandas na área.
O DCM estava presente. O evento foi liderado pelos cineastas bolsonaristas Josias Teófilo, conhecido pelo documentário O Jardim das Aflições sobre o “filósofo” Olavo de Carvalho, pilantra morto de Covid-19 em janeiro de 2022, e Newton Cannito, ex-secretário do Audiovisual no Ministério da Cultura e roteirista.
Entre os presentes estavam nomes de destaque da extrema-direita, como o ex-BBB Adrilles Jorge, demitido da Jovem Pan por fazer um gesto nazista, e Marco Antonio Costa, avogado que era conhecido como “Superman” da Jovem Pan. Também estavam lá o ator Felipe Folgosi, a vereadora Janaína Paschoal, o produtor audiovisual Ricardo Rihan e a jornalista Geisiane Freitas, da revista Oeste, cujo apelido é “Faroeste”.
Embora houvesse artistas do campo da esquerda presentes, não foram convidados a usar o microfone ou a se manifestar durante o evento, que deu espaço exclusivamente a figuras públicas, cineastas e jornalistas alinhados à direita.
A agenda woke abrange ideias e ações voltadas à promoção da conscientização sobre desigualdades sociais e culturais, priorizando temas como direitos LGBTQIA+, igualdade racial, justiça ambiental e equidade de gênero. Originado nos EUA como gíria para estar “alerta” a opressões, o termo passou de símbolo progressista a alvo de críticas, sendo acusado de impor cancelamentos. Esse debate reflete divisões sobre liberdade de expressão, inclusão e transformações sociais.
Críticas à gestão cultural de Nunes
Os organizadores apontaram que editais públicos impõem critérios que favorecem minorias, praticamente eliminando espaços para outros grupos e que roteiros / letras de obras clássicas estariam sendo alterados para atender a essa agenda.
Sobre a ausência de parlamentares e figuras de esquerda como participantes ativos do evento, um dos organizadores admitiu que os convites foram limitados a artistas e não se estenderam a políticos do campo progressista pois eles não comparecem. Contudo, afirmaram que muitos setores da própria esquerda rejeitam as pautas woke e que o objetivo do movimento é transcender a polarização política.
Ricardo Nunes, que durante a campanha foi amplamente apoiado pelo grupo, foi o principal alvo das críticas. Josias Teófilo acusou o prefeito de abandonar suas promessas anti-woke e ceder a “conchavos políticos”: “Faremos a oposição mais hostil já feita a uma secretaria de cultura na história do Brasil”, declarou o cineasta, que também apontou a falta de representatividade conservadora na Secretaria de Cultura, agora comandada por Totó Parente, ligado ao MDB do RJ, cuja experiência na área foi questionada.
A SPCine, empresa de fomento audiovisual de São Paulo, também foi alvo de críticas. Segundo Teófilo, a empresa possui um orçamento significativo, mas não estaria financiando obras de relevância cultural. Ele comparou com a Rio Filmes, outra empresa de fomento “quantos longas aqui tú já viu com o logo da Rio Filmes? Todo mundo aqui lembra.”
“Quem vem pela primeira vez (num evento como este) é como mudar de vida. As pessoas podem te perseguir se virem você numa foto com uma pessoa aqui. É isto que está acontecendo”, afirmou o cineasta Newton Cannito. “Woke hoje na classe artística é quem controla a liberdade de expressão”.
A vereadora Janaína Paschoal, ex-deputada estadual e “musa do impeachment”, adotou um tom cauteloso. “Quero ajudar. Estou numa fase da vida em que busco menos embates e mais tentativas de construção. Tenho muita preocupação com a ideia do ‘anti’. Não somos anti-woke, não somos anti-nada. Queremos construir”, falou.
“Alguns colegas mencionaram editais aparentemente direcionados, seja para favorecer ou excluir grupos. Quero receber esses exemplos. Tragam os detalhes, tragam as evidências. Não quero causar polêmica nas redes sociais, não estou atrás de mais seguidores. Não vou criar um nicho para tentar ser eleita. Dane-se a próxima eleição”, acrescentou.
“Não vou subir à tribuna para gritar, fazer lacrações. Não é meu perfil, e com 50 anos, menos ainda”. Embora seja do Partido Progressistas e faça parte da base de apoio ao prefeito Ricardo Nunes, a vereadora revelou que não votou nele: “Não votei no prefeito, não por uma questão pessoal, mas porque eu gostaria de rediscutir tudo isso.”
Discussões polêmicas e Brasil Paralelo
O evento contou com discursos polêmicos. Adrilles Jorge surpreendeu ao defender a importância da Lei Rouanet para o financiamento cultural. “Em 2015, fui descoberto por Olavo de Carvalho. Apesar de ser liberal, fui beneficiado por algo chamado Lei Rouanet”, afirmou.
Ele também mencionou que não vê problemas no estado fomentar a cultura, citando o exemplo do renomado artista Michelangelo, que recebeu apoio do Vaticano. Para reforçar sua posição, Adrilles citou uma frase de Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura no governo Lula: “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe. Esta é uma frase brilhante e o estado tem o poder de fomentar”, destacando o papel do poder público em incentivar a cultura. “Esse é um defeito da direita, e faço aqui uma autocrítica. A direita sempre menosprezou a cultura e a educação.”
Seu discurso mudou de tom ao mencionar o ministro Alexandre de Moraes, embora o assunto tenha sido rapidamente deixado de lado e passou praticamente desapercebido. A jornalista Geisiane Freitas, da revista Oeste, reforçou a divisão entre direita e esquerda, dando a entender, em vários momentos de sua fala, que a pauta anti-woke é exclusivamente conservadora: “As pautas identitárias, embora sejam tratadas pela esquerda de forma totalmente estapafúrdia, com soluções ditatoriais, com imposições de cotas…o apelo é que as pessoas de direita não ignorem estas pautas.”
“Se a gente for falar de economia, teremos debatedores da esquerda que falam coisas completamente absurdas e nós sabemos disso”, disse. Além disso, fez críticas ao movimento negro, levantando questões sobre a luta racial: “Eu não sou branca, loira de olhos claros. Mas, para o movimento negro, sou. Como não apoio o movimento woke e a agenda marxista, não sou respeitada pelos meus pares, mesmo sendo negra. Eles são racistas comigo.” Geisiane é negra.
O encerramento do evento foi marcado pelo discurso de Ricardo Rihan, ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro. Rihan criticou duramente a gestão de Ricardo Nunes, afirmando que ela está comprometida com uma agenda woke.
Os organizadores anunciaram novas ações do movimento, incluindo plenárias em outras cidades e estados. O próximo encontro já está sendo planejado e deve ocorrer no Rio de Janeiro.