A história da América Latina está intrinsecamente ligada à violência colonial, à escravidão e à permanência de hierarquias raciais que estruturam as sociedades da região. O racismo, que emergiu com a colonização europeia e a economia escravagista, não foi superado com a abolição formal da escravidão no final do século XIX. Pelo contrário, ele se reformulou em novas dinâmicas de exclusão social, desigualdade econômica e discriminação estrutural. No contexto contemporâneo, as redes digitais e seus algoritmos se tornaram uma extensão desse sistema, reforçando estruturas coloniais e hierarquias raciais sob a aparência de neutralidade tecnológica.

Marshall McLuhan, ao afirmar que “o meio é a mensagem”, trouxe à tona uma provocação central para entender os impactos da comunicação na vida social. Ele argumentava que não é apenas o conteúdo transmitido que importa, mas a forma como esse conteúdo é mediado, pois o meio reorganiza as relações, a percepção e os modos de interação humana. Mas será que essa ideia ainda se sustenta nos dias atuais? O meio continua sendo a mensagem ou será que os meios digitais se tornaram algo ainda mais complexo, um novo dispositivo de poder, reforçando desigualdades e dinâmicas de dominação global?

Colonialismo digital e racismo algorítmico

O avanço das redes sociais digitais mudou radicalmente a maneira como nos comunicamos, mas não apenas isso. Essas plataformas criaram uma nova gramática da comunicação, redefinindo não apenas as interações, mas também a própria constituição do ser. A lógica dos algoritmos, a personalização extrema dos conteúdos e a economia da atenção transformaram a informação em um ativo disputado, ao mesmo tempo em que reforçaram desigualdades históricas. Para entender essa mudança, é fundamental ir além de McLuhan e considerar o impacto dessas tecnologias a partir de uma perspectiva crítica.

As redes sociais não são neutras. Elas não apenas refletem a sociedade, mas ativamente moldam o que vemos, sentimos e pensamos. As grandes empresas que controlam essas plataformas — como Meta, Google e TikTok — possuem interesses claros em manter a ordem social que sempre beneficiou os grupos historicamente dominantes. A branquitude, enquanto estrutura de poder, se reproduz nesses espaços de maneira sofisticada, muitas vezes invisível para aqueles que se consideram “apenas usuários” das redes. Mas basta olhar com mais atenção para perceber que as regras do jogo estão definidas para manter as vozes brancas em posição de centralidade e relegar as experiências e narrativas negras a espaços periféricos, quando não diretamente silenciadas.

O colonialismo digital opera por meio da mercantilização da comunicação e da vigilância dos corpos e mentes. Ao transformar cada interação em um dado passível de monetização, as plataformas criam um ciclo de exploração no qual as populações racializadas, especialmente no Sul Global, são tanto produtoras de conteúdo quanto objeto de controle. A promessa de democratização da comunicação, tão alardeada nos primeiros anos da internet, deu lugar a uma nova forma de colonialismo: aquele que usa os próprios meios digitais para reforçar o poder das grandes corporações e, consequentemente, da elite branca global que as comanda.

Racismo algorítmico e o teatro das sombras

A ideia de que as redes sociais oferecem um espaço livre para expressão e debate se desfaz quando observamos a maneira como os algoritmos operam. O que viraliza? Quais vozes ganham visibilidade? O que é considerado “conteúdo sensível” e sujeito a censura? O controle dos algoritmos sobre a circulação da informação é um dos principais mecanismos do colonialismo digital. Conteúdos sobre racismo, negritude e justiça social são frequentemente despriorizados ou até mesmo removidos pelas plataformas, enquanto discursos alinhados à manutenção do status quo encontram ampla difusão.

Dentro desse contexto, podemos compreender o que chamamos de “teatro das sombras”: um sistema em que a população negra e indígena recebe espaços limitados e simbólicos dentro das redes sociais, enquanto o poder real e a distribuição econômica continuam concentrados nas mãos de uma elite digital branca. Esse mecanismo mantém a estrutura racializada do poder e faz com que a ascensão de minorias seja vista como uma concessão, e não como um direito. O teatro das sombras garante que influenciadores negros existam dentro das redes, mas nunca em pé de igualdade com seus pares brancos em termos de monetização, alcance e relevância.

A maioria minorizada no ambiente digital

As populações racializadas não brancas sempre formaram a maioria numérica na América Latina, mas sua influência nas esferas de poder, mídia e economia foi sistematicamente suprimida. Esse fenômeno, que denominamos “Maioria Minorizada”, se reproduz também no espaço digital. Mesmo sendo grandes consumidores e produtores de conteúdo, os/as criadores e criadoras negros/as são constantemente desvalorizados pelas plataformas. Suas publicações recebem menos engajamento, suas denúncias são censuradas e seu acesso a financiamento e publicidade é reduzido em comparação com criadores/as brancos/as.

Isso demonstra que o meio, longe de ser apenas um espaço neutro, é uma estrutura de manutenção do poder capitalista. No “capitalismo de vigilância”, como aponta Shoshana Zuboff, o que está em jogo não é apenas a comunicação, mas a apropriação da subjetividade humana como um recurso explorável. As redes sociais, então, não são apenas plataformas de interação, mas dispositivos de controle que filtram quais vozes podem ser ouvidas e quais permanecerão à margem.

O pensamento de McLuhan foi revolucionário para sua época, mas hoje precisamos ir além. O meio é, de fato, a mensagem, mas essa mensagem carrega consigo um projeto de mundo. No caso das redes sociais, trata-se de um projeto que reforça as hierarquias raciais e econômicas, favorecendo uma elite digital que lucra com a nossa constante presença online. Se quisermos desafiar essa lógica, é preciso questionar não apenas os conteúdos que consumimos, mas a estrutura dos meios em si. Quem os controla? Para quem eles servem? Quais discursos eles amplificam e quais silenciamentos promovem?

A luta por justiça racial no ambiente digital passa pelo reconhecimento do colonialismo algorítmico e pela construção de espaços alternativos de comunicação. O futuro da internet não pode ser apenas um espelho do passado colonial da América Latina. Ele deve ser um território de disputa, onde a Maioria Minorizada possa finalmente romper com o teatro das sombras e reivindicar o protagonismo que sempre lhe foi negado.

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Last Update: 26/03/2025