
Colby e Susana: a nova ordem geopolitica trumpista e seus reflexos para o Brasil
Fusão de influência militar e financeira dos EUA ameaça a autonomia política e econômica do Brasil.
por Gisele Agnelli e Luciana Bauer
A nomeação de Susana Cordeiro Guerra para a vice-presidência do Banco Mundial na área de América Latina é a peça mais recente de um xadrez geopolítico que conecta os interesses estratégicos dos Estados Unidos e a reconfiguração da ordem internacional sob Donald Trump. Ao lado dela e, no caso, literalmente dentro de casa, está Elbridge Colby, ex-subsecretário de Defesa para Política e estrategista militar que se tornou um dos arquitetos intelectuais da doutrina de contenção armada da China.
A ligação entre ambos é exemplar: um casal que transita entre a tecnocracia econômica e a doutrina militarista, refletindo o esforço do trumpismo II Maga em alinhar as esferas civil e militar sob uma visão de mundo profundamente hierárquica e hostil à autonomia do Sul Global.
No Brasil, Susana ganhou projeção como presidente do IBGE durante o governo Bolsonaro, indicada por Paulo Guedes. Sua saída, em 2021, ocorreu após cortes no orçamento do Censo. Desde então, ocupou cargo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e agora, no Banco Mundial, assume uma posição que define políticas para toda a América Latina.
Sua proximidade com Ivanka Trump e Jared Kushner, de quem é amiga e madrinha de uma das filhas, reforça o elo direto com o núcleo familiar do trumpismo, além da ligação com Colby. Ao assumir a vice-presidência do Banco Mundial, Susana passa a operar uma ferramenta historicamente utilizada para condicionar financiamento e políticas a alinhamentos estratégicos de Washington. Colby é autor de The Strategy of Denial (Yale University Press, 2021) e cofundador do think tank “The Marathon Initiative”, que se inspira na narrativa de que os EUA, como “gregos democráticos”, enfrentam uma nova “Pérsia”: a China!
Em sua audiência no Senado para o cargo de Subsecretário de Defesa para Política em março de 2025, Colby explicitou: Alinhamento com a doutrina trumpista de “paz através da força”; Centralidade do confronto com a China e da defesa de Taiwan; Sinais de descompromisso com a Ucrânia, alinhando-se à retórica de Trump sobre Zelensky; Defesa de uma reindustrialização voltada ao complexo industrial-militar.
Seu relatório “Building a Strategy for Escalation and War Termination” (2022) escrito com Yashar Parsie, propõe a estratégia “denial-cum-punishment”, uma combinação de negação militar local e punição seletiva a ativos estratégicos da China, caso ela tente anexar Taiwan. Colby opera no hard power militar e geoestratégico; Susana, no soft power financeiro. Juntos, representam a fusão de duas ferramentas clássicas de projeção de poder: coerção militar e condicionalidade econômica.
O Banco Mundial, sob liderança parcial de Susana para a América Latina, pode ser usado para favorecer governos alinhados e restringir recursos a países que busquem alternativas fora da órbita de Washington, como o Brasil sob política externa autônoma e engajamento no BRICS.
Neste cenário, o Brasil se torna vulnerável a pressões simultâneas, tanto financeiras, com possíveis condicionalidades em projetos financiados por Banco Mundial e BID, vinculando crédito a reformas ou posições políticas; como geopolíticas: possível isolamento diplomático caso se recuse a aderir à política de contenção da China. Há possíveis fragilidades da área de segurança: ampliação de cooperação militar “anticrime” ou “antiterrorismo” como pretexto para maior presença dos EUA na Amazônia e no Atlântico Sul.
A ascensão de Susana e Colby estrutura-se sobre uma estratégica que combina ideologia, acesso institucional e capacidade de executar políticas coercitivas com fachada de pragmatismo sob a lente do Trumpismo II.
Para o Brasil, isso significa operar num ambiente internacional mais hostil, onde cada decisão econômica ou diplomática será observada e potencialmente punida se contrariar a nova arquitetura geopolítica de Washington.
Susana Cordeiro Guerra e Elbridge Colby são engrenagens complementares de uma estratégia de manutenção da primazia americana sob a ótima MAGA (fazer a América grandiosa novamente). Ao compreender essa simbiose, o Brasil poderá antecipar e resistir a pressões que não são apenas bilaterais, mas parte de um projeto global de contenção e alinhamento forçado.
Gisele Agnelli – Socióloga com especialização em ciências políticas, graduada pela PUC-SP, pós-graduada em Marketing e em Gestão da Informação, ambos pela ESPM. Fundadora do #VoteNelas. Atualmente reside nos EUA e faz parte do Movimento de Lideranças Femininas do Partido Democrata, Hoosier Women Forward.
Luciana Bauer é advogada e fundadora do coletivo climático Jusclima e professora de Filosofia do Direito e Direitos Climáticos.
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