Nesta terça-feira (25), uma delegação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) está no Rio de Janeiro para uma série de atividades voltadas à investigação e combate do neonazismo no Brasil. A visita, que se estende até sexta-feira (29), inclui audiências com vítimas, autoridades e especialistas. A capital fluminense e Niterói serão os focos desta missão, que já realizou uma investigação semelhante em Santa Catarina em abril deste ano.
O CNDH é um órgão criado pela Lei Federal 12.986/2014, com o objetivo de promover e defender os direitos humanos no Brasil. O conselho é composto por 22 membros, divididos igualmente entre representantes de órgãos públicos e da sociedade civil, garantindo uma abordagem diversificada e autônoma.
O CNDH vem intensificando seus esforços para apurar o crescimento de células neonazistas no país. Uma relatoria especial foi criada para este fim, coordenada pelo conselheiro Carlos Nicodemos. A preocupação com o aumento desses grupos extremistas já foi levada ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que classificou o cenário brasileiro como “alarmante” em um relatório preliminar apresentado em abril.
O relatório baseou-se em dados de inquéritos da Polícia Federal e denúncias recebidas pela SaferNet. Estudos da antropóloga Adriana Dias, que constataram um aumento de 270,6% nas células neonazistas entre 2019 e 2021, também foram citados.
Investigação e relatórios
Segundo Nicodemos, o CNDH recebeu uma denúncia da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em junho de 2023, alertando sobre o crescimento das células neonazistas no Brasil. Em resposta, o conselho criou uma relatoria especial para investigar o tema, conduzida por Nicodemos e Hélio Leitão, representante do Conselho Federal da OAB no CNDH. Desde então, diversas diligências foram realizadas, incluindo a coleta de informações de órgãos judiciais e universidades.
“Em 2024, estamos realizando missões locais em vários estados. Já estivemos em Santa Catarina, onde realizamos 13 agendas envolvendo o sistema de justiça, segurança e o poder executivo”, explica Nicodemos. A equipe aplica questionários de evidências baseados nos parâmetros da ONU, que possui relatórios sobre discriminação contemporânea, nazismo e neonazismo. As informações são coletadas em parceria com universidades locais, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).
No Rio de Janeiro, a delegação do CNDH já se reuniu com representantes de várias instituições, incluindo o Ministério Público Estadual e Federal, além de secretarias de segurança pública e educação. “Nós começamos por Niterói, focando na área de educação, cultura e direitos do município”, afirma Nicodemos. As reuniões continuam com a Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Educação e Direitos Humanos, e a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
“A ideia é que a relatoria especial produza um relatório final no fim do ano, apresentando indicadores e medidas a serem adotadas para enfrentar o neonazismo”, afirma Nicodemos.
Falta de política nacional de enfrentamento
Uma das principais constatações preliminares da investigação é a ausência de uma política nacional de enfrentamento ao neonazismo. “O Brasil não dispõe de uma política nacional para este tema, que deve ser entendido dentro dos novos modelos de discriminação”, destaca Nicodemos. “Hoje, o sistema funciona no varejo, com respostas reativas de órgão a órgão dos estados”, afirma.
Nicodemos também destaca que a falta de uma política nacional resulta em abordagens descoordenadas entre os estados. “Em Santa Catarina, o tratamento é um; no Rio de Janeiro, é outro; em São Paulo, outro. Isso não coopera para enfrentar a questão de forma eficaz”, explica. Ele ressalta a necessidade de uma política nacional que estabeleça parâmetros e indicadores de identificação das ramificações do neonazismo.
Ele ressalta a necessidade de entender o neonazismo não apenas como antissemitismo, mas como uma forma de discriminação que ataca diversos grupos, incluindo a comunidade LGBTI+, população cigana, negra, étnica, racial e feminista.
Ele ressalta que o nazismo e o neonazismo são manifestações de supremacia racial que afetam diversos grupos. “É um problema que deve ser tratado de forma integrada, com uma política pública robusta e coordenada.”
Para enfrentar o neonazismo, Nicodemos sugere uma abordagem baseada em quatro eixos: educação, cultura, território e institucionalidade. “Precisamos de uma política educativa que enfrente o tema de forma pedagógica e responsável. É fundamental levar o conhecimento sobre o perigo e a violência do neonazismo à sociedade como um todo”, argumenta.
Ameaça à democracia
Durante um seminário na UFF, discutiu-se a relação entre as células neonazistas e a extrema-direita política, que Nicodemos descreve como um modelo fascista de entender as relações sociais e o Estado. Ele alerta que a ocupação dos espaços de poder por essas ideologias representa um problema real para o Brasil. “Essa extrema-direita impõe um falso conceito de liberdade de expressão, que, na verdade, não é um direito absoluto e não deve se sobrepor a outros direitos”, afirma.
“É necessário investigar e redimensionar a categorização deste problema, especialmente no contexto da ocupação de espaços de poder e território pela extrema-direita”, diz Nicodemos.
Ele também chamou atenção para a questão das fake news, frequentemente utilizadas por esses grupos. “Discursos de ódio e fake news são propagados sob um falso conceito de liberdade de expressão. É essencial que o Estado regule e iniba esses abusos, protegendo outros direitos fundamentais.”
No Rio de Janeiro, a delegação do CNDH identificou a necessidade de uma investigação mais profunda sobre a relação entre o neonazismo e os ataques em escolas. “Embora existam projetos de enfrentamento ao discurso de ódio e violência intraescolar, falta um desdobramento investigativo sobre o neonazismo”, afirma Nicodemos.
Próximos passos
O CNDH planeja continuar suas missões em outros estados, incluindo São Paulo e Rio Grande do Sul, com o objetivo de elaborar um relatório final em dezembro deste ano. “Esperamos apontar indicadores e medidas que possam ser adotadas em âmbito federal e estadual para enfrentar essa questão, que é um problema reconhecido pela própria ONU”, conclui Nicodemos.
Nicodemos enfatiza a importância de desenvolver políticas públicas baseadas em quatro eixos: educação, cultura, território e institucionalidade. “Precisamos de uma política que enfrente isso de forma pedagógica e responsável, levando o tema ao conhecimento da sociedade como uma ameaça à democracia e aos direitos humanos”, conclui.