Eventos climáticos, transição verde e o papel do sistema financeiro: uma discussão cada vez mais presente no cotidiano das economias modernas
por Luís Carlos de Souza
Nos últimos anos, temas como “mudanças climáticas”, “saúde planetária” e “eventos climáticos extremos” ganharam relevância crescente nas mídias sociais. Embora estes conceitos tenham surgido na década de 1970, foi a partir dos anos 1990 e 2000 que começaram a ser incorporados pelo mercado financeiro comprometido com a transição climáticas, com marcos como a emissão de títulos verdes em 2007 e a criação de índices de baixo carbono entre 2008 e 2009, dentre outras iniciativas. No entanto, a crescente frequência e intensidade dos desastres naturais evidenciam a necessidade urgente de uma “transição verde” mais robusta, que deve englobar aspectos econômicos, comportamentais, políticos e ambientais.
O Acordo de Paris, firmado na Conferência das Partes (COP) 21 em 2015, trouxe um foco renovado para as questões climáticas, destacando a nível internacional a importância de medidas concretas para mitigar os impactos das mudanças climáticas. No caso do Brasil, eventos extremos recentes, como as ondas de calor recordes em 2023, afetando severamente a saúde pública e a produção da agricultura e especialmente exacerbando a crise hídrica, seguido das chuvas intensas e inundações no Rio Grande do Sul em maio de 2024, demonstram a urgência de uma abordagem mais eficaz para enfrentar os desafios climáticos em nosso país.
Estes desastres tornam evidente a necessidade de política públicas para uma transição verde coordenada, que possa lidar com as complexas interações entre clima e economia. As reuniões da COP têm despertado uma oportunidade crucial para avaliar o progresso das metas climáticas e reforçar o compromisso (dada a necessidade) global com a transição verde. Cada vez mais, espera-se que tais conferências tratem da implementação de políticas climáticas mais rigorosas, de diretrizes para o financiamento de projetos sustentáveis e de políticas públicas para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas.
Para enfrentar os desafios, é essencial que governos, representantes políticos, o sistema financeiro e a sociedade civil colaborem. A transição verde exige um equilíbrio entre as necessidades atuais e um futuro sustentável, o que pode implicar em menor rentabilidade de investimentos no curto prazo. No Brasil, bancos públicos e de desenvolvimento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desempenham um papel crucial neste processo. Um exemplo são os investimentos do BNDES na expansão de parques eólicos e complexos solares no Nordeste do Brasil, demonstrando o compromisso com a energia renovável, descarbonização e a infraestrutura sustentável.
O sistema financeiro também deve adaptar-se a novos paradigmas impostos pela transição climática, alocando recursos com o compromisso de promover boas práticas ambientais, sociais e de governança (ASG, ou ESG, em inglês). Ainda, a adaptação do mercado de capitais para horizontes temporais mais longos e a inclusão de métricas que considerem riscos ambientais são cruciais. No entanto, a dificuldade de quantificar estes riscos decorre da incerteza e da imprevisibilidade dos eventos climáticos, desafiando os métodos tradicionais de avaliação de risco.
A crescente urgência em abordar em instâncias públicas e privadas, em especial no mercado financeiro, as questões climáticas para o encaminhamento de soluções de prevenção, mitigação e adaptação tem se tornado cada vez mais evidente e cotidiana, exigindo respostas integradas e eficazes. Embora haja mobilização de governos, empresas e a sociedade civil, é vital a atuação do sistema financeiro, incluindo bancos centrais, bancos públicos e bancos de desenvolvimento, dando liquidez para projetos de longo retorno e alto risco. A coordenação de política monetária e creditícia, ou seja, de órgãos reguladores e o sistema financeiro como um todo, é fundamental para mitigar riscos e garantir uma transformação sustentável e equitativa.
REFERÊNCIAS
BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO. Com R$ 3,2 bi do BNDES, projeto eólico na Bahia vai gerar energia para mais de 1 milhão de lares. Disponível em: https://agenciadenoticias.bndes.gov.br/detalhe/noticia/Com-R$-32-bi-do-BNDES-projeto-eolico-na-Bahia-vai-gerar-energia-para-mais-de-1-milhao-de-lares/. Acesso em: 15 ago. 2024.
BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO. BNDES financia complexo solar na Bahia que abastecerá refinaria de Mataripe, 2ª maior do país. Disponível em: https://agenciadenoticias.bndes.gov.br/detalhe/noticia/BNDES-financia-complexo-solar-na-Bahia-que-abastecera-refinaria-de-Mataripe-2-maior-do-pais/. Acesso em: 15 ago. 2024.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Enchentes de maio de 2024. Disponível em: https://www.rs.gov.br/enchentes-de-maio-de-2024. Acesso em: 15 ago. 2024.
INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Ano de 2023 é o mais quente da série histórica no Brasil: a média das temperaturas do ano no País ficou 0,69°C acima da média histórica. Brasília, 2024. Disponível em: https://portal.inmet.gov.br/noticias/ano-de-2023-%C3%A9-o-mais-quente-da-hist%C3%B3ria-do-brasil. Acesso em: 15 ago. 2024.
Luís Carlos de Souza – Mestre em Economia e Pesquisador do Finde/UFF
@LuísCarlosSouza
Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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