A Arquitetura do golpe: Cláusula orçamentária de Trump ameaça separação de poderes nos EUA
por Gisele Agnelli e Luciana Bauer
Uma proposta legislativa apresentada por aliados do ex-presidente Donald Trump está gerando intensos debates nos Estados Unidos. A cláusula, inserida no projeto de lei orçamentária conhecido como “One Big Beautiful Bill Act”, permitiria que agências federais do Executivo ignorassem ordens judiciais que exigissem gastos não previstos em seus orçamentos. Especialistas alertam que essa medida representa uma ameaça direta à separação de poderes e ao Estado de Direito.
A seção 70302 do projeto de lei estabelece que as agências federais não seriam obrigadas a cumprir ordens judiciais que demandassem despesas não autorizadas previamente pelo Congresso. Segundo o The Washington Post, críticos argumentam que essa disposição minaria a autoridade judicial e prejudicaria ações legais de interesse público, especialmente aquelas que contestam políticas da era Trump.
Em entrevista à CNN, Russell Vought, ex-diretor do Escritório de Orçamento e Gestão da Casa Branca (OMB) e um dos arquitetos do Projeto 2025, questionou a necessidade constitucional de submeter ao Congresso os cortes massivos na força de trabalho federal promovidos por Donald Trump e Elon Musk, por meio do chamado “Departamento de Eficiência Governamental” (Doge).
Segundo Vought, o governo pretende usar “ferramentas executivas” para implementar a maior parte dos cortes, sem necessidade de aprovação legislativa. Embora os cortes anunciados por Musk somem cerca de 163 bilhões de dólares, apenas 9,4 bilhões devem ser formalmente enviados ao Congresso nesta semana, principalmente referentes à extinção da agência USAID e aos cortes na radiodifusão pública (NPR e a PBS), que já geraram protestos e ações judiciais.
Vought também mencionou o uso da “impugnação” (impoundment) — mecanismo pelo qual a Casa Branca retém verbas que foram aprovadas pelo Congresso. Desde a década de 1974, no entanto, uma lei limita esse tipo de prática, exigindo que o Executivo implemente as decisões orçamentárias do Legislativo.
A jornalista Dana Bash confrontou Vought ao lembrar que os cortes afetam programas já aprovados pelo Congresso e questionou se a Casa Branca está desafiando essas normas com o objetivo de forçar uma decisão da Suprema Corte. Vought não negou.
A proposta tem gerado forte reação no Congresso, inclusive entre republicanos, e é vista como uma tentativa de enfraquecer o equilíbrio entre os poderes ao centralizar competências no Executivo: o que muitos consideram uma ameaça à Constituição dos EUA.
Na prática, a cláusula permitiria que o Executivo decidisse quais decisões judiciais cumprir, baseando-se em considerações orçamentárias. Isso poderia resultar na não implementação de decisões judiciais relacionadas à restauração de programas sociais, fornecimento de dados ou proteção ambiental, sob a justificativa de ausência de verba.
A proposta tem sido amplamente criticada por juristas, democratas no Congresso e defensores do Estado de Direito porque eles veem isso como parte de um esforço mais amplo, conhecido como “Projeto 2025”, liderado pela Heritage Foundation, que visa reformular o Estado americano para concentrar poder no Executivo. O The Guardian relata que o projeto busca desmantelar características do governo que conflitam com a ideologia conservadora, implementando políticas extremas em um potencial segundo mandato de Trump.
A Constituição dos EUA estabelece que o Judiciário tem o poder de revisar atos do Executivo, como definido no caso Marbury v. Madison (1803). A cláusula proposta contraria esse princípio, tornando as decisões judiciais facultativas e, portanto, inconstitucionais. Especialistas alertam que permitir que o Executivo decida quais ordens judiciais cumprir é um passo típico de regimes autoritários. Se aprovada, a cláusula representaria uma ruptura constitucional nos EUA, permitindo que o Executivo ignore decisões judiciais e minando o sistema de freios e contrapesos. A medida é vista como um avanço em direção a um regime autocrático disfarçado sob a forma legal.
Fontes:
The Washington Post: “Will the Senate kill a House GOP pet policy?” The Guardian: “Project 2025: rightwing manifesto’s key proposals and how they could affect you” CBS News: “How Trump’s policies and Project 2025 proposals match up after first 100 days”
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