Estudo analisou mais de 9 milhões de registros e calculou o tempo necessário para alcançar os mesmos resultados salariais, conforme gênero e raça.
Por Clara Fagundes, na página do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem)
Tempo é o tecido de nossas vidas. O valor dado ao tempo de cada pessoa reflete desigualdades que vão além dos números.
As disparidades salariais entre os profissionais da Enfermagem no Brasil, considerando as variáveis de gênero e raça, foram estudadas por pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).
O Relógio dos Privilégios calculou o tempo necessário para alcançar os mesmos resultados salariais.
O estudo analisou 9.423.711 registros, e demonstrou: as mulheres negras são o grupo em maior desvantagem salarial.
Artigo resultante do estudo foi publicado na Revista Enfermagem em Foco. Análise aponta discreta redução dessas disparidades ao longo do tempo para homens brancos e negros, mas com desigualdades ainda relevante.
Tomando como referência o ano de 2022, para obter o mesmo rendimento de 30 horas de trabalho de uma mulher negra, homens brancos precisariam trabalhar 23 horas e 18 minutos.
Mulheres brancas precisariam trabalhar 24 horas e 40 minutos. Homens negros, por sua vez, precisariam trabalhar 27 horas e 44 minutos menos para obter os mesmos rendimentos.
“A metodologia do estudo foi inspirada na metáfora do tempo, em função de uma entrevista com a professora Conceição Evaristo”, relata o enfermeiro Ricardo Mattos (UERJ).
Na entrevista, questionaram como Conceição, uma mulher negra, havia “chegado lá”. “É preciso questionar qual o tempo necessário para chegar ‘lá’ e que ‘lá’ é esse”, pondera Ricardo.
O estudo integra a pesquisa “Demografia e Mercado de Trabalho da Enfermagem”, conduzida pela UERJ, em parceria com a UFMG e o Cofen, em carta-acordo do Ministério da Saúde com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS/OMS), que permitiu avaliar todos esses postos de trabalho.
“O estudo terá outros desenvolvimentos, inclusive análise de dados em nível municipal, já que os municípios têm rendimentos médios muito diferentes e composição racial distinta”, afirma o autor.
“Para estudar e entender as desigualdades sociais, é necessário compreender suas principais categorias de análise: etnia e gênero. Bem-vindo debate sobre esta temática sensível e necessária, chegada para a Enfermagem brasileira, baseada em um estudo robusto, graças ao seu caráter censitário”, afirma a conselheira federal Ellen Peres, coautora do artigo.
Raça, gênero e condição social
Ricardo Mattos e os professores Roberta Geórgia Santos e Tiago do Espírito Santo, coautores do artigo, estarão na sessão “Interseccionalidade entre raça, gênero e condição social na Enfermagem: visualização das disparidades no Brasil”, durante o 27⁰ Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem, em Salvador.
A atividade na terça-feira, 9 de setembro, da 15 às 17h15, na sala Enfermagem Rosa Pinheiro. “O chamado está lançado. Evidenciar o óbvio é necessário para mobilizar a classe trabalhadora e romper pactos silenciosos que sustentam desigualdades”, convida o professor.
Piso Salarial pode ser elemento para reduzir desigualdades
As desigualdades de gênero e raça impactam a Enfermagem. De cada 10 profissionais em atuação no Brasil, pelo menos 8 são mulheres e 53% se declaram pessoas pretas ou pardas, segundo dados da pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil (Cofen/Fiocruz).
“O racismo estrutural e as desigualdades de gênero afetam a Enfermagem, e se refletem na desvalorização”, afirma o presidente do Cofen, Manoel Neri. “O Piso Salarial é uma conquista histórica. Nossa luta pela correção inflacionária e aplicação à jornada de 30h é fundamental para a redução das iniquidades”, conclui.
“Pretendemos investigar os efeitos do Piso Salarial sobre as desigualdades salariais. Queremos avaliar o comportamento dos rendimentos médios no período pós-piso”, afirma Ricardo Mattos.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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