O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou nesta segunda-feira (9) ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, em 2022, para que fosse divulgado um relatório mais incisivo contra as urnas eletrônicas. O depoimento foi prestado no âmbito da investigação sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado.
Cid foi o primeiro réu a ser ouvido pela Primeira Turma do STF nesta fase do processo. Ele é delator no inquérito conduzido pela Polícia Federal, que apura ações para deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro e reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022.
De acordo com Cid, o ex-presidente desejava que as Forças Armadas divulgassem um documento que colocasse em dúvida a confiabilidade das urnas eletrônicas. “Bolsonaro desejava um documento ‘duro’ contra as urnas eletrônicas, que colocasse em dúvida a segurança do sistema eleitoral”, disse.
O relatório ao qual Cid se refere foi elaborado por representantes das Forças Armadas, que integraram a Comissão de Transparência Eleitoral (CTE), criada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o objetivo de ampliar a fiscalização do processo eleitoral. O texto final, divulgado após o segundo turno das eleições, não apontou fraudes ou inconsistências no funcionamento das urnas eletrônicas.
Durante o depoimento, Cid afirmou que o então ministro da Defesa já possuía um relatório técnico pronto e chegou a marcar uma reunião com integrantes do TSE para apresentá-lo. No entanto, segundo ele, o encontro foi cancelado após Bolsonaro manifestar insatisfação com o teor do documento.
“Eu não sei se foi por ligação, por conversa particular, mas essa pressão realmente existia. O general Paulo Sérgio tinha uma conclusão nesse documento apresentado para um lado mais técnico, e se tinha a tendência de fazer algo específico mais para o lado político. E acabou que, no final, chegou-se a um meio-termo, que foi o documento que foi produzido e aprovado”, relatou Cid aos ministros do Supremo.
A declaração de Cid corrobora elementos já apurados pela Polícia Federal sobre a atuação do núcleo político e militar do governo Bolsonaro na tentativa de desacreditar o sistema eleitoral. Investigações anteriores apontaram reuniões e articulações envolvendo altos oficiais das Forças Armadas e assessores do então presidente com o objetivo de questionar o resultado das urnas.
O relatório das Forças Armadas, divulgado em novembro de 2022, apresentou sugestões para aprimoramento do sistema, mas não indicou qualquer evidência de fraude. O TSE respondeu oficialmente ao documento, afirmando que todas as recomendações seriam analisadas e que a ausência de indícios de irregularidades reforçava a integridade do processo eleitoral.
As investigações da Polícia Federal, que resultaram na oitiva de Cid, fazem parte do inquérito das milícias digitais, relator ministro Alexandre de Moraes. Essa apuração foi ampliada para incluir ações coordenadas para contestar o resultado eleitoral, incluindo a minuta de decreto golpista apreendida na residência do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e as reuniões no Palácio do Planalto com o alto comando militar.
Delator no caso, Mauro Cid já prestou outras declarações que embasaram medidas cautelares autorizadas pelo Supremo, como buscas e apreensões e a inclusão de Bolsonaro entre os investigados. Cid também é investigado por envolvimento em outras frentes, como a falsificação de cartões de vacinação e o caso das joias sauditas recebidas pelo governo.
No depoimento mais recente, Cid também relatou que havia uma expectativa no entorno do ex-presidente de que as Forças Armadas teriam um posicionamento mais alinhado à desconfiança manifestada por Bolsonaro em relação às urnas eletrônicas. No entanto, a ala técnica do Ministério da Defesa teria resistido a interferências externas e optado por um parecer baseado em critérios técnicos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) acompanha o andamento do inquérito. O órgão deverá analisar os desdobramentos do depoimento de Cid e decidir sobre eventuais novas diligências.
O conteúdo do depoimento prestado por Cid foi registrado em ata e será incorporado ao inquérito em tramitação no STF. A expectativa é de que outros réus também prestem depoimento nas próximas semanas.
A defesa de Jair Bolsonaro foi procurada, mas não havia se manifestado até a publicação desta reportagem. O general Paulo Sérgio Nogueira também não comentou o conteúdo do depoimento.