A economia da China deu sinais da forte recuperação pós-pandemia em dezembro de 2024, superando as expectativas do mercado em diversos indicadores-chave. Segundo o Escritório Nacional de Estatísticas (NBS), a produção industrial do país cresceu 6,2% em relação ao mesmo mês de 2023, acima da previsão de 5,3% dos analistas consultados pela FactSet. O resultado também foi superior ao registrado em novembro, que apresentou expansão de 5,4%.
No varejo, as vendas avançaram 3,7% em dezembro na comparação anual, ligeiramente acima da expectativa de 3,5%. Esse desempenho também marcou uma aceleração em relação ao crescimento de 3% registrado no mês anterior.
Em termos mensais, a produção industrial avançou 0,64% em relação a novembro, enquanto as vendas no varejo tiveram uma alta mais modesta, de 0,12%.
Estímulos do governo
O gabinete relatou “progresso constante em meio à estabilidade”, mas apontou para um “ambiente complicado e severo com crescentes pressões externas e dificuldades internas”.
O bureau de estatísticas disse que a economia havia se “recuperado notavelmente” na última parte de 2024, depois que o governo anunciou uma série de medidas de estímulo. Isso incluía cortes nas taxas de juros, bem como um esquema de troca de bens de consumo e incentivos fiscais para compras de imóveis.
Pequim vem tentando reequilibrar o crescimento, afastando-o de uma forte dependência de exportações, em direção ao consumo doméstico. Espera-se que a China seja a mais atingida pelas tarifas ameaçadas por Donald Trump. O novo presidente dos EUA, que será empossado na segunda-feira , sugeriu que poderia aplicar um imposto geral de 60% sobre todas as importações chinesas.
Superávit comercial com recorde histórico
O superávit comercial da China atingiu um marco sem precedentes em 2024, ultrapassando a marca de US$ 990 bilhões. Esse resultado reflete o domínio global das exportações chinesas, que somaram US$ 3,58 trilhões no ano, enquanto as importações ficaram em US$ 2,59 trilhões. Ajustado pela inflação, o superávit do ano passado superou qualquer outro registrado no mundo no último século.
Esse desempenho excepcional se deve, em grande parte, ao aumento da competitividade chinesa em setores como veículos elétricos, painéis solares e eletrônicos. Mesmo enfrentando tarifas e barreiras comerciais em diversos mercados, o país continua a consolidar sua posição como o maior exportador mundial de bens manufaturados.
O comércio exterior foi um dos principais motores do crescimento econômico da China em 2024, contribuindo com cerca de metade da expansão anual de 5% do PIB do país. As fábricas chinesas, que agora produzem aproximadamente um terço dos bens manufaturados do mundo, criaram milhões de empregos para operários, engenheiros, designers e cientistas.
Transformação industrial e autossuficiência
A China também se destacou na busca pela autossuficiência industrial, alinhada à política “Made in China 2025”, que prioriza a produção de bens de alto valor agregado, como carros elétricos, baterias de lítio e componentes eletrônicos. Essa estratégia levou o país a superar outros gigantes exportadores, como Japão e Alemanha, tornando-se o maior exportador global de automóveis.
Ao mesmo tempo, a desaceleração das importações reflete a política nacional de reduzir a dependência de bens estrangeiros. Isso incluiu investimentos massivos em infraestrutura e educação, que elevaram a formação de engenheiros e profissionais especializados, superando a soma de graduados nas universidades dos Estados Unidos em diversas áreas de ciência e tecnologia.
O crescimento vertiginoso das exportações chinesas gerou preocupações em outros países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Em vez de seguirem a receita chinesa, preferem criticar o excesso de capacidade produtiva das fábricas chinesas, financiado por bancos estatais, que “distorceria” os preços.
Em resposta, Wang Lingjun, vice-ministro da Administração Geral de Alfândegas da China, classificou as críticas como “protecionismo contra o desenvolvimento da China”. Ele defendeu o modelo econômico do país como um motor de crescimento global.
Investimentos e crise imobiliária
Os investimentos em ativos fixos da China subiram 3,2% em 2024, próximos da previsão de 3,3% dos analistas. O mercado imobiliário também vai se recuperando mais devagar. Os preços médios de novas residências caíram 0,08% em dezembro frente a novembro, mas o recuo foi menos acentuado que o de 0,2% registrado no mês anterior. Na comparação anual, os preços caíram 5,7%, também uma melhora em relação à queda de 6,1% de novembro.
Entre as 70 maiores cidades chinesas monitoradas pelo NBS, 43 relataram queda nos preços de imóveis em relação a dezembro de 2023, um número menor do que as 49 registradas em novembro. Esses números refletem os esforços do governo para estabilizar o setor após a crise desencadeada pela falência da gigante Evergrande.
Os demais índices positivos têm sido crucial para mitigar os impactos de uma crise interna no mercado imobiliário, que resultou na perda de economias para milhões de famílias chinesas e deixou muitos trabalhadores da construção civil desempregados.
Desempenho das estatais e investimento estratégico
Outro destaque foi o desempenho das empresas estatais controladas pelo governo central, que registraram lucros de 2,6 trilhões de yuans (US$ 361,7 bilhões) em 2024, segundo a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (SASAC). Os ativos dessas empresas ultrapassaram 90 trilhões de yuans, um aumento anual de 5,9%.
O investimento em setores estratégicos emergentes foi um dos pilares dessa expansão, com alta de 21,8%, totalizando 2,7 trilhões de yuans. Gastos em pesquisa e desenvolvimento mantiveram-se robustos, ultrapassando 1 trilhão de yuans pelo terceiro ano consecutivo.
Desafios e perspectivas
O crescimento anual do PIB cravou 5% em 2024, dentro da meta oficial, e muito acima da maioria das economias ocidentais. A crise imobiliária e a inflação baixa, que flerta com a deflação, continuam como pontos de atenção.
Por outro lado, os dados recentes fortaleceram a confiança dos mercados. As bolsas de valores chinesas e de Hong Kong tiveram suas melhores semanas em meses, impulsionadas pelos números acima do esperado e pela perspectiva de uma política econômica mais favorável em 2025.
Com a posse de Donald Trump nos Estados Unidos e uma agenda econômica global em transição, a recuperação chinesa será acompanhada de perto, especialmente em setores estratégicos que podem alavancar o crescimento no médio prazo.