A participação dos Estados Unidos no comércio com a China atingiu em 2024 o nível mais baixo desde que Pequim ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001. De janeiro a novembro, as trocas comerciais entre as duas potências representaram apenas 11,2% do total de importações e exportações chinesas, uma redução de 4,6 pontos percentuais em relação àquele ano.

A queda reflete mudanças estruturais nas políticas econômicas e comerciais de ambos os países, agravadas por tensões geopolíticas e pela perspectiva de novas tarifas comerciais sob a possível liderança de Donald Trump, que pode assumir seu segundo mandato em janeiro de 2025.

Dependência reduzida e fortalecimento interno

Elias Jabbour, economista

Em entrevista ao Portal Vermelho, Elias Jabbour, economista e especialista em economia chinesa, aponta que a redução da dependência chinesa dos Estados Unidos é resultado de um esforço estratégico de longo prazo. “O fortalecimento do mercado interno e a diminuição da necessidade de importar produtos de alta tecnologia dos EUA são fundamentais para a China. É um reflexo de políticas industriais que reduzem a dependência tecnológica e posicionam o país para um crescimento mais sustentável”, explicou.

Jabbour destacou que esse movimento reflete um esforço estratégico para diminuir a dependência, especialmente em produtos de alta sofisticação tecnológica. “A redução da dependência do mercado americano é fundamental para a China. Por um lado, há o fortalecimento do mercado interno, e, por outro, a perda de dependência de importações tecnológicas. Isso é fruto de políticas industriais crescentes para reduzir a dependência tecnológica dos EUA”, afirmou Jabbour.

Nos primeiros 11 meses de 2024, 14,6% das exportações chinesas foram para os EUA, o menor nível desde 2001, enquanto as importações caíram para 6,3%, marcando uma redução de 4,4 pontos percentuais em relação ao pico histórico.

Para Elias Jabbour, a China está capitalizando em sua capacidade de implementar políticas industriais robustas e fortalecer o mercado interno. Ele observa que, apesar da redução no comércio bilateral, os Estados Unidos continuam enfrentando déficits comerciais elevados com a China. “Quem está ganhando nessa história é a China, que se torna menos dependente das importações americanas de alta tecnologia. Essa é uma estratégia que traz resultados sólidos no longo prazo”, afirmou o economista.

Diversificação dos parceiros comerciais

A China tem redirecionado suas exportações para mercados emergentes, com destaque para o Sudeste Asiático. Entre janeiro e novembro, as exportações para os membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) ultrapassaram US$ 520 bilhões, representando 16% do total, superando os EUA como principal destino. Camboja e Vietnã registraram aumentos de quase 20% em suas importações de produtos chineses.

Do lado das importações, o Brasil se consolidou como principal fornecedor de soja para a China, respondendo por cerca de 70% do total entre janeiro e novembro, enquanto a participação dos EUA caiu para 20%, ante 30% em 2017. A diversificação de fornecedores, que inclui Austrália, Canadá e França, também se reflete em outros produtos, como trigo, cuja dependência dos EUA caiu de quase 40% para menos de 20%.

Tensões comerciais e a retomada de Trump

O histórico de tarifas impostas pelos EUA, especialmente durante o primeiro mandato de Trump, levou a China a se preparar para novas medidas protecionistas. Pequim já enfrenta a perspectiva de uma tarifa adicional de 10% sobre quase todos os produtos chineses, caso o republicano reassuma a presidência.

O Japan Center for Economic Research estima que tarifas mais altas, como as propostas por Trump em 2019 (até 60%), poderiam reduzir o crescimento econômico chinês de 4,7% para 3,4% em 2025, mesmo considerando medidas retaliatórias.

Apesar disso, o presidente Xi Jinping minimizou os possíveis impactos em seu discurso anual de Ano Novo, afirmando que a economia chinesa é resiliente diante dos desafios. “Sempre nos fortalecemos por meio de provações e prosperamos por meio de testes. Devemos permanecer confiantes”, declarou Xi, reafirmando a meta de crescimento anual do PIB de 5%.

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Impactos globais e perspectivas

O enfraquecimento das relações comerciais entre EUA e China também afeta outras regiões. Exportadores chineses têm utilizado países terceiros para driblar tarifas, enquanto os mercados asiáticos e latino-americanos enfrentam os efeitos da “exportação de deflação”, com produtos chineses excedentes sendo vendidos a preços baixos.

Analistas apontam que a tendência pode se inverter caso Trump opte por um acordo comercial. Segundo Naoki Tsukioka, da Mizuho Research & Technologies, “a China poderia prometer importar mais dos EUA para evitar ou reduzir tarifas”.

Com os dois países cada vez mais inclinados a competir em vez de cooperar, a redução da dependência mútua marca uma nova fase nas relações econômicas globais, com implicações significativas para mercados emergentes e o equilíbrio de poder no cenário internacional.

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Last Update: 02/01/2025