A China anunciou na última quarta (7) o maior pacote de estímulo econômico desde o início da nova fase da guerra comercial com os Estados Unidos. A medida, que inclui cortes de juros, redução do compulsório bancário e apoio ao setor imobiliário, injeta mais de 1 trilhão de yuans na economia e foi apresentada às vésperas da retomada do diálogo formal entre os dois países. 

O gesto reforça a posição de Pequim diante da escalada tarifária promovida por Donald Trump e é acompanhado de um recado político claro: os EUA devem “mostrar sinceridade” e abandonar a coerção como método de negociação.

Em coletiva, o porta-voz do ministério do Comércio da China, He Yadong, declarou que “negociações não devem ser fachada para pressão unilateral” e que os Estados Unidos precisam rever suas ações “erradas”, incluindo a retirada das tarifas.

A reunião marcada para começar nesta sexta-feira em Genebra, na Suíça, contará com a presença do vice-premiê chinês He Lifeng, do secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, e do representante comercial Jamieson Greer. Será o primeiro encontro de alto nível desde a imposição das tarifas norte-americanas de até 145% sobre produtos chineses, no início de abril.

O pacote anunciado pelo Banco Popular da China prevê a redução de 0,5 ponto percentual no coeficiente de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, a liberação de 1 trilhão de yuans (cerca de US$ 138 bilhões) em liquidez e o corte de 0,1 ponto na taxa de recompra reversa de sete dias, que passa a ser de 1,4%. Também foi reduzido, em 0,25 ponto, o juro cobrado em programas habitacionais subsidiados, agora fixado em 2,6%.

O Banco Central ainda eliminou o compulsório exigido de empresas de leasing financeiro e financeiras automotivas, numa tentativa de ampliar a capacidade de crédito de setores sensíveis.

As autoridades chinesas classificaram o conjunto de medidas como parte de uma política monetária “moderadamente frouxa”, necessária diante de uma economia global “cheia de incertezas” e com cadeias produtivas fragmentadas pelas tensões comerciais. Segundo Pan Gongsheng, presidente do Banco Central, o objetivo é assegurar o funcionamento dos mecanismos internos da economia e criar um ambiente de maior previsibilidade.

O anúncio ocorreu poucas horas após a confirmação do encontro com os EUA, o que reforça a leitura de que o estímulo também cumpre papel estratégico nas negociações que se iniciam em Genebra.

Com retração no consumo e desaceleração nas exportações — responsáveis por cerca de 15% do PIB chinês —, o governo Xi Jinping aposta em uma política de estabilização voltada ao mercado interno. A meta de crescimento de 5% para 2025 está em risco, e o setor imobiliário, que já respondeu por um terço da atividade econômica, continua pressionado. Nos primeiros três meses deste ano, as vendas de imóveis caíram 3% e os investimentos no setor recuaram 10%.

As medidas anunciadas tentam reverter esse cenário, mas também funcionam como mensagem clara: a China não se apresenta à mesa de negociação fragilizada.

Pressões econômicas internas nos EUA forçam Trump a retomar diálogo com Pequim

Do lado norte-americano, a reabertura do diálogo foi precipitada por um acúmulo de pressões internas. Desde a imposição das tarifas de abril, setores industriais e comerciais vêm alertando para o risco de recessão. Importadores de brinquedos, componentes eletrônicos e autopeças já relatam aumentos de preços que afetam o consumo. Grandes redes varejistas como Walmart, Target e Home Depot estiveram reunidas com Trump no mês passado e pediram a revisão imediata das tarifas. Relatos da imprensa norte-americana indicam que o presidente teria classificado o encontro como “produtivo”, embora nenhuma decisão concreta tenha sido divulgada.

Segundo Ker Gibbs, executivo-residente da China Business Studies Initiative na Universidade de San Francisco, “as empresas americanas sentem que estão prestes a cair de um precipício e que não podem voar”. O alerta é reforçado por Nick Marro, analista-chefe da Economist Intelligence Unit, que vê com preocupação o excesso de confiança de ambos os lados. “É perigoso quando dois governos acreditam que podem suportar o confronto indefinidamente. Isso mantém as posições rígidas e dificulta concessões reais.”

Com isso, empresas norte-americanas já começaram a adaptar suas estratégias. Importadores passaram a estocar mercadorias à espera de alívio tarifário e fornecedores ajustaram cotações com base em faixas de 10% a 54%, prevendo uma eventual flexibilização por parte da Casa Branca. A informação de que o governo Trump estuda reduzir parte das tarifas foi divulgada pelo New York Post, mas negada oficialmente pela Casa Branca, que classificou a notícia como “mera especulação”.

Genebra inaugura novo canal político, mas acordo ainda está distante

A reunião em Genebra, que se estenderá por quatro dias, é vista por diplomatas e analistas como um primeiro passo para evitar uma deterioração ainda maior do comércio bilateral. Segundo Stephen Olson, pesquisador do ISEAS–Yusof Ishak Institute, o encontro será “uma conversa sobre o que pode vir a ser uma negociação”. O próprio governo chinês evita chamar o evento de “negociação” e o define apenas como “contato técnico”, sinalizando que não há expectativa de anúncio formal ou resultados imediatos.

Para Zha Daojiong, professor de economia política internacional na Universidade de Pequim, o melhor cenário seria um anúncio simultâneo de redução de tarifas. “Mas minha leitura é que as expectativas são baixas — talvez para ambos os lados”, afirmou. A percepção dominante é de que o encontro servirá para restaurar um canal de comunicação e permitir, no médio prazo, alguma distensão. No entanto, o clima segue marcado por desconfiança e ausência de compromissos claros.

No centro da disputa está a ausência de uma estratégia coesa dentro da administração Trump. Enquanto o presidente prioriza o déficit comercial e a recuperação de empregos, o secretário do Tesouro Scott Bessent demonstra preocupação com a valorização do dólar, e o representante comercial Jamieson Greer defende reformas estruturais na relação bilateral. Essa dispersão de objetivos torna a postura dos EUA menos previsível e reduz as chances de um acordo consolidado a curto prazo.

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Last Update: 09/05/2025