China: Um Modelo Híbrido de Desenvolvimento Econômico

por Fernando Nogueira da Costa

A China é vista como uma experiência de desenvolvimento econômico bem-sucedida devido a uma série de razões. Há um consenso a respeito da importância das reformas econômicas iniciadas em 1978 sob a liderança de Deng Xiaoping.

Essas reformas introduziram elementos de economia de mercado dentro do planejamento socialista, permitindo maior flexibilidade econômica. A política de “Reforma e Abertura” incluiu a criação de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), onde o investimento estrangeiro e as práticas capitalistas foram incentivados.

Rompeu com o mito de abolição do mercado ser um pré-requisito para a transição socialista. Ora, “mercado” é o processo de interação humana de troca voluntária de bens e serviços, onde se indica, através dos preços relativos, as necessidades específicas (ou demandas) de cada setor de atividade ou agrupamentos sociais de uma imensa sociedade diversificada, inclusive em termos regionais.

As reformas descentralizaram a tomada de decisões econômicas, dando maior autonomia às empresas estatais e permitindo a criação de empresas privadas e cooperativas. Isso estimulou a produtividade e a inovação.

Foram realizados investimentos massivos em infraestrutura, como transportes, energia e telecomunicações para criar uma base sólida para o crescimento econômico. O governo chinês também investiu pesadamente em educação, criando uma força de trabalho qualificada e preparada para as demandas de uma economia industrializada com transferência de tecnologia estrangeira.

As políticas de abertura ao Investimento Estrangeiro Direto (IED) e a criação de um ambiente regulatório mais favorável atraíram empresas multinacionais. Como contrapartida da exploração do imenso mercado interno, trouxeram capital, tecnologia e práticas de gestão modernas.

A China se tornou a “fábrica do mundo” ao desenvolver uma base industrial competitiva no comércio global. O foco inicial em indústrias de mão-de-obra intensiva ajudou a criar empregos e reduzir a pobreza.

Mas ela não se voltou ao mercado interno sob protecionismo. As políticas de incentivo às exportações, incluindo subsídios e apoio governamental, permitiram à China se tornar um dos maiores exportadores do mundo, gerando enormes superávits comerciais e abundante reserva cambial.

A gestão macroeconômica cuidadosa, incluindo controle da inflação, manutenção de um câmbio competitivo e políticas fiscais prudentes, ajudou a sustentar o crescimento econômico a longo prazo. Somou-se ao Planejamento Estratégico.

O governo chinês implementou diversos planos quinquenais. Estabeleceram metas claras de desenvolvimento e alocaram recursos de maneira estratégica para setores prioritários.

A China desenvolveu um modelo híbrido no qual combina controle estatal sobre setores estratégicos com uma economia de mercado dinâmica. Esse modelo permitiu o país aproveitar os benefícios da integração Chimérica – China exporta e a América vende títulos de dívida pública para sua reserva cambial –, enquanto mantinha o controle sobre áreas críticas da economia.

Por fim, todas essas reformas econômicas, com a ruptura diante o dogmatismo da esquerda mundial, resultaram na saída de milhões de pessoas da pobreza extrema, transformando a China de um país agrário em uma potência industrial e tecnológica. Em 2010, a população urbana ultrapassou a rural.

A combinação dessas estratégias permitiu à China alcançar um crescimento econômico extraordinário, transformando-se de uma economia agrária pobre em uma das maiores economias do mundo. Esse sucesso é atribuído à capacidade do país de adaptar elementos de economia de mercado dentro de um planejamento socialista, mantendo um controle estatal estratégico e incentivando a inovação e o investimento.

Afinal, a China adota o “socialismo de mercado” ou o “capitalismo de Estado”?

O socialismo de mercado é um sistema econômico capaz de combinar elementos ditos do socialismo, como a propriedade estatal dos principais meios de produção, com mecanismos de mercado para a alocação de recursos. No caso da China, grandes setores da economia, incluindo indústrias estratégicas como energia, telecomunicações e defesa, permanecem sob controle estatal. Entretanto, há um setor privado dinâmico em crescimento.

Como já dito, a China mantém planos quinquenais e diretrizes governamentais para o desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, permite a operação de forças de mercado na determinação de preços e produção em muitos setores. Em outros termos, combina planejamento centralizado e flexibilidade de mercado. O Partido Comunista Chinês continua a afirmar seu objetivo final ser o alcance do socialismo, com uma ênfase na redução da desigualdade e no bem-estar social.

Quanto ao capitalismo de Estado, ele se refere a um sistema econômico onde o governo possui um papel dominante na economia, não apenas como regulador, mas também como proprietário e operador de empresas. Lá na China as empresas estatais dominam setores-chave e são utilizadas como ferramentas de política econômica para alcançar objetivos de desenvolvimento.

O governo chinês intervém diretamente na economia para promover crescimento, inovação e objetivos estratégicos. Isso inclui controle sobre o sistema financeiro, investimentos em infraestrutura e subsídios para indústrias prioritárias.

A política econômica é orientada para o crescimento e a competitividade global. Mas o governo desempenha um papel ativo em moldar a direção da economia.

Ambas as descrições anteriores capturam aspectos da economia chinesa. O socialismo de mercado destaca a combinação de propriedade estatal com mecanismos de mercado, enquanto o capitalismo de Estado enfatiza haver tolerância com iniciativas particulares, mantendo-se o papel dominante do governo na gestão e direção econômica.

Na prática, a economia chinesa é vista como um modelo híbrido capaz de incorporar elementos de ambos os sistemas. Ela utiliza a propriedade estatal e a intervenção governamental para moldar a economia, como seria característico do capitalismo de Estado, enquanto permite as forças de mercado operarem em muitos setores e utiliza essas forças para impulsionar o crescimento econômico, como seria característico do socialismo de mercado.

Portanto, a China pode ser descrita de acordo com a ênfase dada às diferentes características de seu sistema econômico. Ambos os termos – socialismo de mercado e capitalismo de Estado – ajudam a capturar a complexidade e as especificidades do modelo econômico único desenvolvido pela China.

As lições extraídas de sua experiência bem-sucedida são: 1. identificar e promover setores econômicos com potencial de crescimento e competitividade, como agricultura de valor agregado, turismo, serviços de tecnologia da informação, indústrias criativas e energias renováveis; 2. oferecer incentivos fiscais, garantias de investimento e infraestrutura adequada para atrair investimentos estrangeiros em setores prioritários; 3. estabelecer parcerias com países mais avançados tecnologicamente para transferência de conhecimento, tecnologia e capacitação técnica; 4. criar políticas e programas de incentivo à inovação, pesquisa e desenvolvimento para promover a geração de tecnologia local; 5. oferecer financiamento, incubadoras de empresas e programas de capacitação para incentivar o surgimento e crescimento de startups e pequenas e médias empresas inovadoras; 6. desenvolver um ambiente propício ao empreendedorismo, com regulações simplificadas, acesso a capital de risco e suporte técnico; 7. promover a produção local de bens anteriormente importados, reduzindo a dependência de divisas estrangeiras e estimulando a indústria nacional; 8. expandir os mercados de exportação para além dos tradicionais, buscando oportunidades em novas regiões e diversificando a pauta de exportações; 9. investir em programas de educação e formação profissional para desenvolver habilidades técnicas e gerenciais necessárias para os setores prioritários; 10. atrair e reter talentos nacionais e estrangeiros qualificados para impulsionar a inovação e o desenvolvimento tecnológico; 11. manter políticas macroeconômicas prudentes para garantir estabilidade e confiança dos investidores e reduzir a volatilidade econômica; 12. implementar políticas econômicas consistentes e de longo prazo para evitar incertezas e criar um ambiente propício ao investimento e ao desenvolvimento.

A China se autodefine como “um socialismo com características chinesas”.

Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/. E-mail: [email protected].

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Última Atualização: 15/07/2024