O aumento das reservas britânicas reflete o papel de Londres como centro financeiro internacional e não um crescimento econômico direto


Pela primeira vez desde o início do século, as reservas chinesas de títulos do Tesouro americano ficaram abaixo das do Reino Unido, marcando uma mudança significativa na gestão das reservas internacionais por parte de Pequim. Dados divulgados nesta sexta-feira (16) mostram que a China detinha US$ 765 bilhões em títulos no final de março, contra US$ 784 bilhões no mês anterior. Enquanto isso, o Reino Unido aumentou suas reservas em quase US$ 30 bilhões, chegando a US$ 779 bilhões.

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Com isso, o Reino Unido assume a posição de segundo maior detentor estrangeiro de títulos do Tesouro dos EUA, atrás apenas do Japão. Essa é a primeira vez desde outubro de 2000 que os britânicos ultrapassam os chineses, reforçando a percepção de que a China está gradualmente reduzindo sua exposição aos ativos americanos.

“A China vem vendendo de forma lenta, mas constante; isso é um aviso para os EUA”, afirmou Alicia García-Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico do Natixis. “O aviso está lá há anos, não é algo repentino — os EUA deveriam ter agido muito antes.”

Os números chegam em um momento delicado para os EUA, após a Moody’s ter seguido a Fitch e a S&P ao retirar a classificação máxima (triplo A) da economia americana, citando preocupações com o aumento da dívida e do déficit.

Desde 2011, quando suas reservas de títulos do Tesouro americano atingiram o pico de US$ 1,3 trilhão, a China vem reduzindo sua participação, optando por diversificar seus ativos em títulos de agências governamentais e ouro. Parte da queda no valor das reservas também pode ser atribuída a flutuações do mercado.

Especialistas acreditam que Pequim também mantém uma parcela crescente de seus ativos americanos por meio de custodiantes terceirizados, como a Euroclear (Bélgica) e a Clearstream (Luxemburgo), o que dificulta a medição exata de suas reservas. Enquanto as reservas de Luxemburgo permaneceram estáveis em março, as da Bélgica subiram US$ 7,4 bilhões em relação a fevereiro.

Preocupações com a liquidez e o refinanciamento da dívida americana

O grande volume de títulos do Tesouro em posse da China é resultado de décadas de superávit comercial com os EUA — algo que o ex-presidente Donald Trump tentou reduzir. No entanto, autoridades americanas também veem com preocupação a venda de títulos por estrangeiros, pois isso pressiona os juros e encarece o refinanciamento da dívida pública.

Em março, a proporção de títulos de curto prazo nas reservas chinesas — considerados mais líquidos e fáceis de vender em crises — atingiu o nível mais alto desde 2009.

“Com base nos dados visíveis, não há dúvida de que a China encurtou o vencimento de sua carteira americana”, disse Brad Setser, especialista do Council on Foreign Relations e ex-funcionário do Tesouro dos EUA.

Já o aumento nas reservas do Reino Unido não reflete necessariamente uma estratégia britânica, mas sim o papel de Londres como centro financeiro global. Bancos, seguradoras e fundos de hedge baseados na Europa usam títulos do Tesouro americano para operações de arbitragem, como os chamados “basis trades” (negociações que exploram diferenças de preço entre mercados).

“O número do Reino Unido provavelmente reflete um aumento nos títulos detidos por bancos globais, a disponibilidade de serviços de custódia em Londres e, potencialmente, parte da atividade de fundos de hedge”, explicou Setser.

Guerra comercial pode acelerar mudanças

Os dados divulgados só capturam movimentos até o final de março e não refletem possíveis ajustes feitos pela China após a escalada da guerra comercial de Trump, iniciada no chamado “dia da libertação”.

“É possível que a China tenha feito mudanças significativas em sua gestão de reservas nas últimas seis semanas, o que só ficará claro com o tempo”, disse Setser.

A redução gradual das reservas chinesas em títulos do Tesouro americano sinaliza uma estratégia de menor dependência do dólar, enquanto Pequim busca fortalecer o yuan e diversificar suas aplicações em meio a tensões geopolíticas. O movimento também coloca pressão sobre os EUA, que dependem da confiança dos investidores estrangeiros para financiar seu déficit orçamentário.

Com informações de Financial Times*

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Last Update: 18/05/2025