A China está ampliando sua tentativa de desafiar o domínio da Boeing e Airbus no mercado de aeronaves, enquanto a fabricante estatal do primeiro jato comercial de passageiros desenvolvido no país busca certificações para operar além das fronteiras chinesas.
O C919 da Comac, fortemente subsidiado, fez seu voo comercial inaugural em 2023 e já opera em rotas domésticas pelas três principais companhias aéreas estatais da China: Air China, China Eastern Airlines e China Southern Airlines. A partir deste mês, a China Eastern começará a operar o C919 entre Hong Kong e Xangai, tornando-se sua primeira rota comercial regular fora do continente chinês.
Yang Yang, vice-gerente geral de marketing e vendas da empresa, disse que o objetivo é que o avião de corredor único esteja operando no sudeste asiático até 2026 e obtenha certificação europeia ainda este ano.
“Esperamos operar mais desses aviões na China para identificar quaisquer problemas antes de levá-los ao sudeste asiático”, afirmou ele.
O C919 é um projeto central na estratégia do presidente Xi Jinping para elevar a China na cadeia de valor tecnológico, com o objetivo final de desafiar o duopólio ocidental da Boeing e Airbus.
Os problemas financeiros da Boeing e atrasos nas entregas, assim como dificuldades na cadeia de suprimentos enfrentadas por ambas as empresas, que resultaram em escassez de motores e componentes, criaram brechas no setor da aviação global, abrindo espaço para novos competidores.
De acordo com uma previsão da Airbus para 2024, o mundo precisará de 42.430 novas aeronaves nas próximas duas décadas, das quais aproximadamente 80% serão de corredor único. A consultoria de aviação IBA prevê que a Comac aumente a produção de C919s — com 16 unidades entregues até dezembro — de uma para 11 por mês até 2040, quando poderá alcançar quase 2.000 unidades entregues.
No entanto, Jonathan McDonald, gerente da IBA para aeronaves clássicas e de carga, acredita que, embora a Comac eventualmente penetre nos mercados de exportação, “no futuro previsível, Airbus e Boeing continuarão sendo os principais fornecedores de aeronaves de corredor único para a maioria das companhias aéreas”.
A certificação global e o suporte à manutenção continuam sendo desafios significativos para a ambição da Comac de operar o C919 no exterior.
Como parte de sua estratégia de expansão internacional, a Comac abriu novos escritórios em Singapura e Hong Kong em outubro.
Esses novos escritórios são necessários para impulsionar pedidos de aeronaves de clientes, segundo Mayur Patel, chefe da Ásia na OAG Aviation.
No entanto, Richard Aboulafia, diretor-gerente da AeroDynamic Advisory, apontou que construir “instalações de suporte ao produto em mercados de exportação é um trabalho muito difícil e caro, além de uma condição essencial para competir com a Airbus e Boeing”.
Embora várias companhias aéreas na Ásia tenham demonstrado interesse no C919, executivos dizem, em privado, que ainda hesitam.
“Suporte de manutenção é o principal problema”, afirmou uma pessoa ligada à TransNusa, da Indonésia, que já recebeu três aeronaves menores ARJ21 da Comac e está considerando operar o C919.
Analistas acreditam que o caminho para a certificação internacional, especialmente pela Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA), será desafiador.
“Não esperamos que o C919 seja certificado na Europa no futuro próximo”, disse McDonald. “A Europa possui parâmetros de certificação muito rigorosos.”
Além disso, a certificação pela Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) provavelmente será complicada devido às tensões entre EUA e China.
Reguladores da UE e EUA frequentemente são considerados o “padrão ouro” por outras autoridades globais, de acordo com David Yu, especialista do setor de aviação da NYU Shanghai.
Paralelamente aos esforços com o C919, a Comac também está desenvolvendo sua primeira aeronave widebody, o C929. Durante um dos maiores shows aéreos da China, em Zhuhai, em novembro, a companhia anunciou que a estatal Air China se tornou a primeira companhia aérea a se comprometer a operar o jato, que visa desafiar aviões maiores da Airbus e Boeing, como o 787 Dreamliner.
Sash Tusa, analista do setor aeroespacial e de defesa no Reino Unido, afirmou que, embora o C929 ofereça à China uma oportunidade de demonstrar avanço tecnológico no setor, o país ainda dependerá de motores estrangeiros para jatos comerciais. A IBA estima que o C929 não estará em serviço antes de 2040.
No caso do C919, componentes-chave ainda são fabricados no Ocidente. Os motores da aeronave são fornecidos pela joint venture franco-americana CFM International, enquanto as unidades auxiliares de potência (APUs) são fabricadas pela Honeywell, dos EUA.
“Até agora, [a Comac] está construindo aeronaves que são em grande parte ocidentais em valor, mas com estruturas chinesas”, disse Aboulafia, da AeroDynamic Advisory. “Isso torna o aumento da produção dependente da disposição ocidental de continuar fornecendo sistemas, e, considerando uma presidência de Trump, isso não é garantido.”
Tusa concluiu que a Comac provavelmente não obterá uma “fatia justa do mercado global” na próxima década, mas desempenhará um papel importante como “substituição de importação” para companhias aéreas domésticas da China.
“A Airbus constrói na China. A Boeing não”, disse ele. “Então, a Comac entra como o segundo fornecedor. Substituição de importação não te transforma em um concorrente. Isso te torna um ato de política estatal.”