A China resolveu dar um novo passo na sua guerra comercial com os Estados Unidos, tentando aproximar da sua economia alguns dos países menos desenvolvidos do globo. Desde o último domingo 1º, começou a valer, por decisão de Pequim, uma nova política tarifária para países nessa condição.
Na prática, a China começou a oferecer tarifa zero em todos os produtos de países menos desenvolvidos. A condição é que tais países tenham relação diplomática com a China. A medida vale para países com renda per capita bruta inferior a 1.018 dólares. Essa política deve servir a pouco mais de 30 países africanos.
Para categorizar os países que terão direito à tarifa zero, a China usou como base a definição de Países Menos Desenvolvidos (PMD), criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no início dos anos 1970.
Segundo a própria ONU, esses países são aqueles que estão “em maior desvantagem entre os países em desenvolvimento”. Anualmente, a organização costuma incluir novos integrantes na categoria, como fez, em 2024, com Angola, São Tomé e Príncipe e Ilhas Salomão.
No total, os países menos desenvolvidos representam cerca de 14% da população mundial, mas contribuem com apenas 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) global e têm uma fatia ínfima de 1% em todo o comércio mundial.
A medida já tinha sido anunciada em setembro, quando a Comissão de Tarifas Aduaneiras do Conselho de Estado da China afirmou que a tarifa zero para países menos desenvolvidos faria da China o primeiro país de economia de grande porte global a oferecer essa ferramenta.
À época, o porta-voz do Ministério do Comércio chinês, He Yongquian, reconheceu que a expectativa era aumentar as importações dos países mais pobres à China, criando “oportunidades no vasto mercado chinês”.
O avanço da China sobre países africanos não é recente, mas é robusto. Não apenas em comércio, mas em termos de estrutura.
Segundo dados da Iniciativa de Pesquisa China-África (CARI, na sigla em inglês), da Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos, os fluxos anuais de investimento direto da China para os países africanos saíram de tímidos 74,8 milhões de dólares há duas décadas (em 2003) para 4,23 bilhões de dólares em 2020.
A pesquisa mostrou que, em dez anos, foram 34 bilhões de dólares investidos da China na região. E o que está por vir será ainda maior: também em setembro, o presidente chinês Xi Jinping indicou que a China está disposta a oferecer 50 bilhões de dólares em financiamento para a África durante os próximos dez anos.
Guerra comercial com os EUA
A busca da China por novos mercados compõe uma linha no rol de estratégias comerciais na disputa global com os Estados Unidos. Nesta terça-feira 3, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, até disse que o país não tem a intenção de substituir os Estados Unidos, mas fez questão de frisar a “longa história clara” do desenvolvimento chinês, apontando para o que chamou de tendência “que não pode ser interrompida”.
“Os EUA não devem cair no mito de ‘competir para vencer’ a China”, sintetizou Wang Yu, que se esquivou de falar sobre como acredita que deverão ser as relações entre o seu país e os norte-americanos. Segundo ele, a relação vai depender das “escolhas dos EUA”.
O recado é claro ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump, que, recentemente, apontou a sua artilharia em direção ao Brics – o grupo de países do qual fazem parte, entre outros, a China e o próprio Brasil.
Em linhas gerais, o futuro mandatário dos EUA ameaçou tarifar em 100% os produtos dos países em caso de avanço de uma proposta de criação de uma moeda comum que poderia afastar o dólar norte-americano das negociações entre os membros. A ideia, que ainda não conta com detalhes precisos, chegou a ser discutida na cúpula mais recente do grupo, em outubro, na cidade de Kazan, na Rússia.
China e Estados Unidos, aliás, fizeram movimentos importantes nas últimas 24 horas, em termos comerciais. De um lado, os norte-americanos ampliaram as restrições para acesso da China à tecnologia avançada para a produção de chips. A decisão foi tomada pelo Bureau OF Industry and Security (BIS), ligado ao Departamento de Comércio dos EUA, que criou novos mecanismos de controle para equipamentos de fabricação de semicondutores.
A China, por sua vez, não se limitou a apenas reconhecer a decisão, preferindo a reação. Na manhã desta terça, por exemplo, Pequim anunciou que vai restringir exportações para os EUA de componentes essenciais para a fabricação de semicondutores eletrônicos. Há vários materiais que podem ser afetados pela medida, mas os novos termos podem prejudicar a produção norte-americana de gálio, antimônio e germânio, que podem ser usados em tecnologias militares ou civis.