China e EUA: relações de mudança
por Luís Carlos Barbosa
Joe Biden declarou “estou governando o mundo”, em entrevista, tentando melhorar sua imagem após seu péssimo desempenho no debate presidencial com Donald Trump. A China, sempre rápida a responder às provocações ocidentais, praticamente ignorou a manifestação, como, em grande parte, está fazendo com as próprias eleições.
A China não demonstra tensão como fez nas eleições que levaram Biden à Casa Branca para substituir Trump – que havia levado o confronto aos seus níveis mais altos desde que ambos retomaram as relações em 1972. Em 2020, a China – assim como os membros da UE, o G-7 e a OTAN – esperavam que uma vitória de Biden permitisse uma relação mais próxima e menos conflituosa com os Estados Unidos.
Como presidente, Trump – após declarar guerra comercial – realizou regularmente provocações e ataques contra a China. Além disso, pisoteou e ignorou as instituições liberais internacionais (OMC, ONU, OMS, etc.) que foram promulgadas pelos próprios EUA. A China, assim como os europeus deslocados, esperava que, com Biden, os Estados Unidos regressassem à sua “normalidade”, permitindo diálogos e compromissos mais construtivos.
A política de Trump em relação à China estressou os asiáticos. Antes da eclosão da pandemia de covid-19, a sua estratégia de isolar a China gerava bastante preocupação nos asiáticos. Trump concentrou-se em fortalecer os laços com os rivais chineses no Pacífico, que constituíam o Diálogo Quadrilateral de Segurança (Índia, Austrália e Japão) e que incluía exercícios militares perto do território chinês. Além disso, inflamou a rivalidade sino-indiana, que produziu até mesmo um breve confronto armado na fronteira que se disputam os dois gigantes asiáticos.
Com base numa interferência sem precedentes na eleição de Mauricio Claver-Carone como presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento – já que sempre se nomeava a alguém que não fosse estadunidense – Trump procurou restaurar a preeminência “natural” dos EUA na América Latina com mais investimento e comércio num espaço em que fora deslocado pela China. Trump tentou usar incentivos financeiros para encorajar as empresas americanas a deslocarem-se da Ásia “de volta para as Américas”, combinados com até 50 bilhões de dólares em investimentos em infraestrutura, energia e transportes.
Finalmente, esnobando os europeus, Trump abordou chefes de estado “autocráticos” como o próprio Putin. Ao anunciar também o fim das “guerras sem fim” dos EUA, propôs a retirada militar do Afeganistão e de outros países do Médio Oriente, ao mesmo tempo que expressou relutância em iniciar guerras com o Iran ou invadir a Venezuela. Chegou mesmo a propor a saída do G-7. Isto, através da criação de um novo G-7, composto por grandes democracias e em que participariam países como a Índia ou o Brasil. Desta forma, Trump se infiltrava dentro do chamado “Sul global”.
A diplomacia do “lobo guerreiro” ganhou destaque em 2020, quando Zhao Lijian se tornou porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, devido às suas constantes ações combativas nas redes sociais, geralmente dirigidas aos EUA. Em janeiro de 2023, Zhao foi substituído no cargo. Xi Jinping explicou que pretendia “adotar um tom narrativo que reflita abertura e confiança, mas que transmita modéstia e humildade, numa tentativa de moldar uma imagem confiável, admirável e respeitável da China”.
Por trás desta mudança está a guerra na Ucrânia, que tornou viável a aliança entre a China e a Rússia e possibilitou a materialização da sua habitual retórica de uma nova ordem global. Vale lembrar que a China tem defendido um mundo multilateral e pacífico desde a consolidação da sua ascensão meteórica.
Enquanto os Estados Unidos, com o seu apoio às guerras na Ucrânia e em Gaza, se isolam do mundo não-ocidental, a China fortalece as relações econômicas, de segurança e militares em mais países e regiões. Além de ter aproximado rivais como o Iran e a Arábia Saudita e conseguido uma reunião trilateral com os rivais Índia e Paquistão, reforçou as suas relações com a Liga dos países Árabes e o Conselho de Cooperação do Golfo.
A segurança da China quanto à sua posição frente aos EUA foi revelada pela ausência inesperada de Xi Jinping no encontro do G20. Depois, na recepção fria que o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, recebeu durante a sua recente visita, e, apesar das ameaças, na preservação da sua posição de não participar sem a Rússia nas negociações de paz na Guerra de Ucrânia como pretende a Otan.
Coincidindo com o encontro da Otan, tropas da China e da Bielorrússia – o mais novo membro da OCX – iniciaram exercícios militares. Ao mesmo tempo, Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria – país membro da Otan que acaba de assumar a presidência rotativa da União Europeia – visitou a China como parte da sua viagem em “missão de paz”, que incluiu Moscou e Kiev. Além disso, a Turquia, outro membro da Otan, também reconheceu o papel pacífico da China, quando o seu presidente – Recep Erdogan – solicitou a adesão à OCX.
Enquanto isso, o Presidente ucraniano Zelensky sintetiza a inserção global das duas maiores potências mundiais quando admite que para chegar a um acordo de paz com a Rússia é necessária a voz da China, mas que seu diálogo com a Otan é apenas para pedir mais armas, porque a quantia que recebe “não é suficiente. Nunca é suficiente”.
Luis Carlos Barbosa é professor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas da Ufrgs. Pesquisador do Núcleo de Estudos do Brics (Nebrics/Ufrgs). Este artigo publicado originalmente no Observatório Internacional do Século XXI, Nº 6, em julho de 2024.