Por Eduardo Santos.
Cientistas chineses inventam inteligência artificial que projeta chips avançados e tradicionais, driblando sanções tecnológicas americanas.
A China acaba de desferir um golpe estratégico na guerra tecnológica global. Cientistas da Academia Chinesa de Ciências desenvolveram o QiMeng, uma inteligência artificial revolucionária capaz de projetar chips de processadores de forma totalmente automatizada, desde modelos tradicionais até semicondutores avançados. A invenção representa um drible audacioso nas sanções tecnológicas americanas e pode redefinir o equilíbrio de poder na indústria de semicondutores, avaliada em mais de US$ 700 bilhões.
O sistema QiMeng não é apenas mais uma ferramenta de design. É o primeiro do mundo a automatizar completamente o processo de criação de chips, eliminando a dependência de engenheiros humanos e, principalmente, dos softwares americanos que dominam esse setor estratégico. Em apenas cinco horas, a inteligência artificial chinesa conseguiu projetar o “QiMeng No. 1”, um processador RISC-V de 32 bits com performance equivalente ao Intel 486, contendo mais de 4 milhões de portas lógicas.
A revolução silenciosa dos semicondutores
Enquanto os Estados Unidos apostavam que as sanções tecnológicas freiariam o avanço chinês, Pequim trabalhava silenciosamente em uma solução que pode tornar essas restrições obsoletas. O QiMeng representa uma mudança de paradigma: em vez de depender de softwares americanos como os da Synopsys e Cadence, que controlam o mercado global de ferramentas de design de chips, a China criou sua própria alternativa baseada em inteligência artificial.
A segunda versão do sistema já demonstra capacidades ainda mais impressionantes. O “QiMeng No. 2” é o primeiro processador superscalar totalmente automatizado do mundo, com performance comparável ao ARM Cortex-A53 – chip amplamente usado em smartphones, roteadores e dispositivos de computação de borda. Com 17 milhões de portas lógicas, representa um salto qualitativo significativo.
O mercado bilionário em disputa
Os números revelam a dimensão do que está em jogo. O mercado global de semicondutores movimentou entre US$ 627 e US$ 724 bilhões em 2024, com projeção de atingir US$ 1,596 trilhão até 2033. Para entender o impacto econômico, basta analisar quanto pagamos pelos chips quando compramos produtos eletrônicos.
No iPhone 14 Plus, por exemplo, os semicondutores representam 54% do custo de manufatura – cerca de US$ 284 dos US$ 527 totais. O processador A15 da Apple custa US$ 81 por unidade quando produzido em lotes industriais. No Samsung Galaxy S22 Plus, o conjunto modem 5G e processador soma US$ 193 dos US$ 618 de custo total de produção.
Esses valores explicam por que a Samsung gastou quase US$ 7 bilhões apenas em chipsets para smartphones em 2023 – um aumento de 204% desde 2019. A dependência de fornecedores como a Qualcomm, cujo Snapdragon 8 Gen 3 custa US$ 200 por unidade (25% mais caro que a geração anterior), pressiona constantemente as margens das fabricantes.
Empresas americanas na mira
O QiMeng representa uma ameaça direta a gigantes americanas que dominam diferentes elos da cadeia de semicondutores. A Qualcomm, que fatura bilhões vendendo processadores para smartphones, pode ver sua hegemonia questionada se a China conseguir produzir chips equivalentes a custos drasticamente menores.
A Intel, já pressionada pela concorrência da AMD e pelos processadores ARM, enfrenta agora a perspectiva de competir com chips chineses projetados por inteligência artificial. A NVIDIA, cujos chips H100 custam cerca de US$ 30 mil por unidade, pode ver seu domínio no mercado de inteligência artificial desafiado por alternativas chinesas mais baratas.
Mas o impacto mais significativo recai sobre as empresas de software de design de chips. A Synopsys e a Cadence, que juntas controlam mais de 60% do mercado global de ferramentas EDA (Electronic Design Automation), podem perder relevância se o QiMeng democratizar o acesso ao design de semicondutores.
O lado chinês da moeda
Do outro lado do Pacífico, empresas chinesas se posicionam para colher os frutos dessa revolução tecnológica. A SMIC, principal fabricante de semicondutores da China, pode se beneficiar enormemente ao ter acesso a designs automatizados que reduzem custos e aceleram o desenvolvimento.
A Huawei, sufocada pelas sanções americanas que limitaram seu acesso a chips avançados, vislumbra uma nova era de independência tecnológica. Com o QiMeng, a gigante chinesa pode desenvolver seus próprios processadores sem depender de fornecedores ocidentais.
Empresas como ZTE, DJI e Xiaomi também se posicionam como beneficiárias diretas. A capacidade de projetar chips customizados rapidamente e a baixo custo pode dar às empresas chinesas uma vantagem competitiva significativa em setores como telecomunicações, drones e dispositivos móveis.
A economia dos números
As projeções econômicas são impressionantes. Enquanto o desenvolvimento tradicional de um chip equivalente ao ARM Cortex-A53 demanda 18 a 24 meses, uma equipe de 50 a 100 engenheiros e investimento de US$ 50 a US$ 100 milhões, o QiMeng pode realizar o mesmo trabalho em dias ou semanas, com equipe mínima e custo inferior a US$ 1 milhão.
Essa redução de 90% a 95% nos custos de desenvolvimento pode se traduzir em chips 20% a 40% mais baratos no mercado final. Para consumidores, isso significa smartphones, computadores e dispositivos eletrônicos mais acessíveis. Para a indústria, representa uma pressão deflacionária que pode forçar uma reestruturação global.
Dados que revelam o tamanho da ameaça
Os números recentes sobre as sanções americanas revelam a dimensão do que está em jogo. A Synopsys, uma das gigantes do software de design de chips, obteve quase US$ 1 bilhão em vendas na China em 2024 – cerca de 16% de sua receita total. Quando as novas restrições americanas foram anunciadas em maio de 2025, as ações da empresa despencaram 9,6%, e a companhia suspendeu suas previsões financeiras para o terceiro trimestre.
A Cadence, outra líder do setor EDA (Electronic Design Automation), também enfrenta pressão similar. Juntas, Synopsys e Cadence controlam mais de 60% do mercado global de ferramentas de design de chips, um setor que captura 2% a 3% de todo o gasto mundial em semicondutores.
Para entender a dependência do mercado, basta observar que as maiores empresas de chips do mundo – NVIDIA, AMD, Broadcom – pagam contratos que podem exceder US$ 1 bilhão para ter acesso completo às ferramentas dessas empresas americanas. A Intel, por exemplo, teria recebido uma proposta da Synopsys superior a US$ 1 bilhão para acesso irrestrito a todo o conjunto de ferramentas.
O ecossistema chinês em transformação
Do lado chinês, o QiMeng pode catalisar uma transformação completa do ecossistema tecnológico. A SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation), maior fabricante de chips da China, está posicionada para se tornar uma das principais beneficiárias. Com acesso a designs automatizados que reduzem custos e aceleram desenvolvimento, a empresa pode finalmente competir de igual para igual com a TSMC taiwanesa.
A Huawei, que viu sua divisão de smartphones praticamente destruída pelas sanções americanas que cortaram seu acesso a chips avançados, vislumbra uma ressurreição tecnológica. A empresa já demonstrou resiliência ao desenvolver o processador Kirin 9000S para seus smartphones Mate 60, mas o QiMeng pode acelerar dramaticamente sua capacidade de inovação.
A ZTE, segunda maior fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações, também se posiciona como beneficiária direta. A capacidade de projetar chips customizados para infraestrutura 5G e 6G pode dar à empresa uma vantagem competitiva significativa em mercados globais.
Empresas como DJI (drones), Xiaomi (smartphones e eletrônicos), BYD (veículos elétricos) e até mesmo gigantes como Alibaba e Tencent, que desenvolvem chips para seus data centers, podem se beneficiar enormemente da democratização do design de semicondutores.
A matemática da disrupção
Os cálculos econômicos são impressionantes e revelam por que o QiMeng representa uma ameaça existencial ao modelo de negócios atual. Enquanto o desenvolvimento tradicional de um processador equivalente ao ARM Cortex-A53 demanda:
- Tempo: 18 a 24 meses
- Equipe: 50 a 100 engenheiros especializados
- Investimento: US$ 50 a US$ 100 milhões
- Ferramentas: Licenças caras de EDA americanas
O QiMeng pode realizar o mesmo trabalho com:
- Tempo: Dias ou semanas
- Equipe: Mínima (operação do sistema)
- Investimento: Menos de US$ 1 milhão
- Ferramentas: Sistema chinês independente
Essa redução de 90% a 95% nos custos de desenvolvimento não é apenas uma vantagem competitiva – é uma revolução que pode tornar obsoleto todo o modelo de negócios atual da indústria.
Impacto nos preços globais
Para consumidores, a matemática é simples: chips 20% a 40% mais baratos significam smartphones, computadores e dispositivos eletrônicos mais acessíveis. Um iPhone que hoje custa US$ 1.200 poderia ter seu preço reduzido em US$ 100 a US$ 200 apenas pela economia nos chips.
Para a indústria, representa uma pressão deflacionária que pode forçar uma reestruturação global. Empresas que hoje gastam bilhões em desenvolvimento de chips podem redirecionar esses recursos para outras áreas de inovação.
Mudando as regras do jogo
O QiMeng não é apenas uma inovação tecnológica – é uma arma geopolítica que redefine o equilíbrio de poder global. Ao automatizar o design de chips, a China não só reduz sua dependência de tecnologias americanas como também democratiza o acesso a uma das indústrias mais estratégicas do século XXI.
A capacidade de produzir múltiplos designs simultaneamente, adaptar rapidamente chips para aplicações específicas e iterar em velocidade sem precedentes pode dar à China uma vantagem competitiva duradoura. Enquanto empresas americanas ainda dependem de processos manuais e demorados, as chinesas podem experimentar, falhar e adaptar em tempo real.
Para os Estados Unidos, o QiMeng representa o pesadelo estratégico que as sanções tecnológicas tentavam evitar: uma China tecnologicamente independente e competitiva. As restrições que deveriam frear o avanço chinês podem ter, paradoxalmente, acelerado o desenvolvimento de alternativas que tornam essas mesmas sanções irrelevantes.
O futuro já começou
Embora o QiMeng ainda esteja limitado a chips de complexidade baixa a média, sua evolução é inevitável. A tecnologia que hoje projeta processadores equivalentes ao ARM Cortex-A53 pode, em poucos anos, estar criando chips que rivalizam com os mais avançados da TSMC ou da Intel.
A partida de xadrez tecnológica entre as duas superpotências acaba de ganhar uma nova dimensão. E, pelo menos neste lance, a China parece ter colocado o Tio Sam em xeque-mate. O que resta saber é se Washington tem uma resposta à altura, ou se assistiremos a uma mudança definitiva no equilíbrio de poder tecnológico global.